NOVA SESSÃo :TEXTOS  ANTIGOS SELECIONADOS

 

Indignação, sim, mas pelo  bem do  Brasil

                                                              Cunha  e Silva Filho

         Costuma-se  afirmar   que o escritor Lima Barreto (1881-1922) foi um rebelde, um indignado com  a realidade  que lhe  apresentava o  país na sua  época e, por essa razão,  não era um espírito acomodatício,   silenciado  ante as mazelas  da pátria do  século  XIX. Sua obra, no seu  todo,  diz muito  dessa insatisfação do escritor mulato  com  o que  via acontecer  no país em todas os  setores da vida nacional. Daí livros  rebeldes, irônicos  mordazes mas fieis às injustiças  e imoralidades  de nossa vida  pública  como  Recordações do escrivão Isaías Caminha (1909).  O triste fim de Policarpo  Quaresma (1911),  Os  bruzundangas (1922),   Muita coisa que  escreveu parecia  vir da pena de um jornalista  antenado com o que acontecia no cenário nacional.

No século  XX, um outro  escritor poderia ser  mencionado como  um  eterno  indignado  contra as misérias do Brasil:  o contista João Antônio (1937-1996) que, por sua vez,  se auto-proclamava  discípulo  e admirador  irrestrito  de Lima Barreto, a quem  dedicava todo livro  que  publicava -  admiração  essa que ia dos temas em torno  das camadas  humildes  do povo  às  observações  críticas  e contundentes  do  escritor, em textos que aparecem nas obras citadas e bem assim   num texto  memorialístico–biográfico, decisivo  para a compreensão  da obra do escritor como  são exemplos “Paulo Melado do Chapéu  Mangueira Serralha,” que consta  do livro  Dedo-Duro () e  “Corpo a  corpo com a vida,” incluído na obra Malhação do Judas Carioca (1975).

Uma   outra  obra de João Antônio  que confirma a sua  admiração por Lima Barreto é o  curioso e singular   livro  Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto (1977), um espécie de montagem  que João Antonio  arquitetou  de forma original, em que mistura fragmentos de várias obras de Lima Barreto fundamentado num relato sobre  o escritor Lima Barreto “ditado”   por um  homem considerado  louco, de nome  Carlos Alberto Nóbrega da Cunha, interno de um sanatório da Muda, bairro  da zona  norte do Rio de Janeiro.

Cito apenas esses dois exemplos de escritores brasileiros pelas características  que os unem em muitos  ângulos e  pelo que  um e outro   exerceram  seu  ofício  de escritor com  o pé firme  na terra brasílica. Sei que outros  autores há  que  deram sua contribuição crítica sobre a sociedade  brasileira em diversas fases  da nossa vida  literário-cultural.

E é inspirado  neles, pelo menos,  que  desejo  imprimir  o tom  desta crônica borboleteando  sobre  alguns tópicos  ou  ideias  que  concorreram   para que eu   igualmente  dirigisse  minhas reflexões sobre  a sociedade  brasileira contemporânea,  o que tenho  feito  em diversos artigos  aqui   publicados, ou melhor, usando o jargão  da Internet,   ‘postados”.

Sem  desconhecer   pontos  positivos  do  chamado domínio político do PT,  não  posso, todavia,  calar-me para enxergar  os desmandos e as deficiências  do  país  agora. Desmandos que vão  das ações  imorais   de alguns  políticos,  do  episódio chamado   “Escândalo do Mensalão,”     revelador de esquemas corrupção  ativa e passiva  entre  membros do governo, inclusive do alto escalão.

Passando em vista esse lado  profundamente  censurável  da estrutura  administrava  do governo  da  Presidente Dilma,  que, na  realidade, pouco se diferencia das práticas  políticas     nos dois  mandatos do  Presidente Lula,  inclusive  ligando  este  aos membros do “Mensalão,” denunciados   sob  a forma de “malfeitos,” termo  que vem  das  entranhas  do petismo,  como  corrupção,   conluio   e cumplicidade  entre o Executivo, o Senado  e a Câmara dos Deputados,  não vejo  muito  o que  tem  mudando no país  desde   as mazelas   identificadas  da Primeira   República ou também denominada República Velha  (1889-1930).

Olhando-se para  setores vitais  da vida pública  brasileira,  como  educação,   transporte,  saúde e segurança,   não vejo   senão  ações tomadas mais visando  a dar uma aparência  de  mudanças   sensíveis na estrutura  da máquina do Estado. Pelo contrário,  as mudanças  se existem,  não têm  o sinete  da realidade  constada na prática  da vida  do brasileiro.

São  supostas mudanças que não  problematizam   o cerne dos  problemas  atacados. Servem  ao continuísmo de orientação  político-partidária,  onde se mantém  o status quo do elitismo  petista, da conquista  do poder para  servir  aos donos  de plantão deste.

Afirmar, através da  publicidade   paga  regiamente à custa  dos  dinheiro  do contribuinte, que a pobreza foi praticamente  erradicada através dos diversos   benefícios  sociais de resultados    duvidosos e de franca conotação  populista, como as bolsas–famílias da  vida,  os vales disso ou daquilo, as cotas  disso ou daquilo, não significa absolutamente que  o país   está  numa fase  de  melhoria  e aperfeiçoamento  do Estado diferente  de governos  anteriores  ao domínio  político do PT.  Erros e desatinos  praticados  em governos do século   passado, retrasado e mesmo no  Império e Colônia parecem  permanecer até hoje. Nisto,  o país não prosperou um palmo, o  que faz com que possamos  dizer que,  em muitos  setores, não saímos  de um anacronismo   de práticas  políticas  nefastas ao povo.

Regalias, conchavos,  nepotismo, mordomias  do segmento  político com regalias absurdas e faraônicas em flagrante contraste com a média  dos rendimentos  do  brasileiro, e sobretudo  em comparação  com  o  estado de miserabilidade de  grande parte dos cidadãos  deste nação,     negociatas entre governos e particulares ainda são matéria viva  entre nós.  O apadrinhamento,   as decisões  tomadas   por nossos  governantes,  à revelia  da sociedade, levam o pais  a  muitos desastres econômico-financeiros com repercussões  nocivas até hoje ainda que tenhamos passado  por diferentes formas  de governar  o país.

Vejam-se as condições em que se encontram as nossas  estradas de rodagem. As nossas vias férreas, que poderiam  ter uma malha  compatível com  a dimensão continental de nossa  terra, tão diferente, assim,  de países  europeus  e mesmo dos Estados Unidos, cortados  por estradas de ferro, são dependentes  dos custosos transportes rodoviários  para o  escoamento de nossa produção agrícola,  de minérios e mesmo de produtos de nossa  indústria.. A importância excessiva  que se deu  à indústria automobilística,  a partir do governo do Presidente  Juscelino Kubitschek nos anos cinquenta, foi uma das causas  de  nossa  hoje tumultuada   situação de congestionamentos  nas cidades  e do   caos   nas rodovias, com veículos  pesados e   dependentes da gasolina e   do álcool,  percorrendo  por vezes precárias  rodovias em todo  o território nacional.

Na saúde,   sofremos  igualmente  consideráveis  perda de qualidade de atendimento de nossos  hospitais  públicos e  de órgãos de saúde  federal que foram sucateados  a  fim de  darem  espaço aos chamados  planos de saúde  privada. Com isso,   a população brasileira  ficou numa encruzilhada. Ou  teria condições de  ter um plano  de saúde  particular, ou de depender  de  hospitais  estaduais  ou municipais sem   condições de oferecer  bom atendimento. Por outro lado,  as pessoas  em idade avançada hoje em dia nem são mais aceitas  por  esses  planos   de saúde, que aumentam  anualmente seus  preços, sem se importarem  com o fato de que,  no  caso de seus usuários serem  funcionários públicos, estes não têm  reajuste  anuais  concedidos  pelo governo federal,    estadual ou municipal, com raras exceções para  alguns  estados e municíos..

Na segurança pública,  estando atualmente  o  país  no nível talvez mais elevado  de  escalada  da violência,  o governo federal e  estadual pouco tem  feito  para  resolver ou minimizar   a mais  espinhosa  questão  do pais. Em grandes capitais  brasileiras,  a população já não mais  acredita em  qualquer  promessa  de governo. As pessoas  se encontram  atemorizadas, com receio de sair à rua a pé ou de carro. Todos  podemos, a qualquer instante. ser vítimas  de  assassinos, de assaltantes,  de balas  perdidas, de sequestros,   de “saidinhas de banco” e de outros percalços   de barbáries  praticados  por facínoras que infestaram  tanto as cidade  quanto agora no  interior do país. Ora,  sem  equaciona estratégias  eficazes  para conter  a onda de violência   no país,  combatendo,  além disso,  o  tráfico de armas, de  drogas e de ações de assassinos  perigosos  dificilmente sairemos desse círculo  vicioso  de   insegurança   que nos mantém   reféns da violência  desordenada.

Ao poder judiciário cabe um  papel decisivo nessa questão de  mudanças imediatas  na legislação  jurídica, no Código Penal,  que precisa se adequar e se modernizar  para  enfrentar os  desafios de verdadeiro  terrorismo   implantado entre nós, como se fosse um  poder paralelo  insubmisso  à Lei e, muitas  vezes,   impondo-se  como  poder ameaçador do  Estado constituído.    Em sociedade  violentíssima como a nossa,   as penalidades não podem  continuar como estão muito  condescendentes  com  a alta  criminalidade  e com  os crimes  chamados  hediondos. Reverter  essa   realidade de nossas penalidades  contra sentenciados  torna-se,  desse modo,  um  questão  de segurança  nacional sem a qual  não há país que  consiga  sair  dos anacronismos ou assimetrias  ainda gritantes do Estado  brasileiro.   

Finalmente,  na área da  educação  ainda  persiste  uma realidade  nada   animadora. As escolas públicas ainda  vivem  uma  experiência malograda  pelos baixos salários  da maioria dos professores do ensino  fundamental e  médio, por um sistema  de ensino  distante  das conquistas  científico-tecnológicas  da atualidade que o distanciam   das escolas  de alto  padrão de ensino, mesmo  nos grandes centros  urbanos do pais.

Enquanto  os governos    não valorizarem os professores   de nosso país, dando-lhes  condições  reais para o exercício docente,  -  e o salário é umas das  prioridades  nesta questão -, o país não poderá  aspirar a uma lugar proeminente entre as nações do mundo. Vejam os exemplos portentosos  da China, do Japão,  que  investiram maciçamente  no setor  educacional. Não haverá  Brasil  moderno e respeitado  se mantivermos   a educação  num  secular  e crônico   estágio de marasmo, com  um sistema  de educação   de dois  tipos: o dos pobres  e o dos  abastados.