Lygia Fagundes Telles e Deonísio da Silva
Lygia Fagundes Telles e Deonísio da Silva

IMORTAIS TAMBÉM MORREM


DEONÍSIO DA SILVA



Na quinta-feira passada, 31 de março, na posse da romancista Betty Milan na Academia Paulista de Letras, comentávamos com José Roberto Nalini, o presidente, e com Júlio Medaglia, entre outros, a presença feminina na Casa, que também nesse quesito precedeu a Academia Brasileira de Letras. E todos lembramos a boa escrita e a companhia deliciosa de Lygia Fagundes Telles em tantos eventos. Entretanto, ela partiu neste abril, dia três, ao morrer em São Paulo de causas naturais, prestes a completar 99 anos.

Evidentemente, ao saber da morte da autora de Ciranda de Pedra, A noite escura e mais eu, As meninas e Filhos Pródigos, delicioso livro de contos selecionados pela própria autora para que não se perdessem, pois tinham sido publicados aqui e ali, minha memória começou a brotar. Poxa, na madrugada de anteontem ainda falávamos dela.

Lygia Fagundes Telles era, bem além da autora de obras referenciais da literatura brasileira, uma pessoa de rica experiência de vida e companhia admirável para os colegas de ofício em palestras e feiras de livro. E era autora muito apreciada pelas corajosas e saborosas intervenções nesses eventos.

Passou parte da infância em Descalvado, no interior de São Paulo, onde era promotor de Justiça o pai, Durval de Azevedo Fagundes, casado com a pianista Maria do Rosário Silva Jardim de Moura. Formada em Direito, certa vez cochichou-me ali nos corredores das famosas Arcadas, no Largo São Francisco, na USP, quando eu louvei a boa escolha dos bustos fixados na parede, poetas e prosadores que tinham estudado ali, como Castro Alves, Álvares de Azevedo e Fagundes Varela: “falemos baixinho porque eles não terminaram o curso, Deonísio”. Dera alguns passos e completara: “Mas estou entre os que estudaram e se formaram aqui”. “Sim”, eu disse, “casou com o professor”. O célebre jurista Gofredo da Silva Telles Júnior foi seu primeiro marido, com quem teve um filho. Seu segundo casamento foi com o cineasta Paulo Emílio Gomes e é da autoria do casal o roteiro de Capitu, baseado em Dom Casmurro, numa das obras mais referenciais de Machado de Assis.

Em Depois daquele chá, um de seus livros mais instigantes, ela recorda famosa conversa que tivera com Mário de Andrade. Também foi seu interlocutor Oswald de Andrade. Lygia publicara alguns textos antes de 1944, ano de sua estreia oficial, mas considerava os contos de Praia Viva o primeiro livro, quando estava com 21 anos.

Lygia Fagundes Telles entrou para a Academia Paulista de Letras em 1982, três anos antes de seguir os passos de Rachel de Queiroz e de Dinah Silveira de Queiroz e ser a terceira mulher a ocupar uma vaga na ABL. Tive o privilégio de ser confrade da escritora na Academia das Ciências de Lisboa. Nos bastidores se sabe que seu nome foi cogitado para o Prêmio Nobel de Literatura mais de uma vez, honra que ela fazia por merecer, mas não a recebeu. Todavia, como diz Camões de certos reconhecimentos: “Melhor é merecê-los sem os ter/, Que possuí-los sem os merecer”.

Texto de Deonísio da Silva