HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XIX

Montevidéu, ontem e hoje

Elmar Carvalho

A chácara Montevidéu pertencera ao coronel e fazendeiro Marcolino Ferreira, que nela passava os finais de semana com a sua família. Às vezes ele convidava amigos para eventuais comemorações, à base de churrasco e cerveja. Todavia, no meio da semana, em frequência que variava de quinze a trinta dias, o coronel levava uma mulher, prostituta ou não, para passar uma tarde com ele nesse sítio.

Já cinquentão, no começo dos anos 60, seja por mérito exclusivamente seu ou com a intermediação de pessoa de sua confiança, começou a ter um caso com três irmãs, sendo uma viúva e duas outras solteironas. Acredita-se que ele começou esse relacionamento com a primeira, que depois teria aliciado as irmãs. A filha única da viúva já era casada e morava na capital, de modo que as irmãs Alvarenga moravam na mesma casa. Não se sabe por que inusitado capricho o coronel, embora na periodicidade já referida, as “usava” na mesma ocasião, e não em dias diferentes. Também se desconhece o motivo pelo qual elas aceitavam essa situação digna de um harém. Nunca se soube se elas iam para a alcova ao mesmo tempo, ou se em diferentes momentos do conciliábulo amoroso.

Comentava-se em Évora que o coronel Marcolino era como sarampo, atacava a família toda. Na época, um homem com mais de cinquenta anos já era tido como velho. Por isso mesmo, as pessoas se admiravam de seu vigor. Contudo, quem conhecia a realidade dos fatos era o farmacêutico Sousa Santos, que detinha em sua memória uma fórmula milagrosa, que nunca partilhou com ninguém, levando-a para o túmulo.

Acrescente-se que esse notável boticário era o principal responsável pelas curas das famigeradas doenças venéreas, não raras vezes através de métodos heterodoxos e dolorosos. Ante algumas situações introduzia ardentes bastonetes em vaginas e uretras, untados com as poções miraculosas que ele próprio preparava. A vítima urrava e estrebuchava de dor. Era ele quem sarjava os árdegos cavalos de crista, pégasos tão abomináveis quanto indesejados, e espremia ou extirpava os venéreos tumores e úlceras, jamais veneráveis. Prescrevia dietas e receitas.

Uma hora antes do colóquio amoroso do coronel com as irmãs Alvarenga, o Sousa Santos, debaixo de muita discrição e cautela, lhe injetava diretamente no membro esse precursor do Viagra, que fora originalmente criado para controlar problemas cardíacos. O fato é que ele provocava severos problemas colaterais, inclusive óbito, especialmente quando usado como afrodisíaco. Em vários casos, era tiro e queda: matava mesmo.

Assim, o bravo coronel veio a falecer com apenas 63 anos de idade, no início dos anos 70. As irmãs Alvarenga não botaram luto fechado, porque isso seria uma afronta à família de Marcolino, sobretudo a sua esposa, de quem elas eram amigas, apesar dos rumores, mas passaram a usar roupas escuras, sempre muito discretas. E nunca mais se ouviu falar em relacionamento amoroso de nenhuma delas. A chácara terminou ficando de herança para um dos filhos de Marcolino, que veio a se tornar próspero comerciante e fazendeiro.  

 

Segundo comentários ouvidos por Marcos, o cabaré Montevidéu de Gracinha estava indo de vento em popa. Os carros, lambretas e vespas ficavam bem resguardados, dentro do cercado da antiga chácara, longe da vista de passantes curiosos e de fofoqueiros ditos profissionais. A clientela vinha aumentando a olhos vistos, talvez por causa de prostitutas novas e bonitas que ali marcavam presença. Em consequência, novas raparigas passaram a fazer ponto no Montevidéu, e isso, por sua vez, atraiu novos fregueses, em contínuo processo de retroalimentação.

Ante essas notícias, ao se encontrar com Fabrício e Mário Cunha, Marcos os convidou para uma “incursão” ao prostíbulo. No sábado, cedo da noite, os três seguiram para lá. Em face do horário, o salão principal ainda tinha algumas mesas vagas. Alguns preferiam beber no alpendre, e outros, debaixo do enorme e frondoso oitizeiro, sobretudo à tarde, quando uma brisa soprava, vinda, ao que se dizia, das bandas do lago Galileia.

Tudo parecia indicar que o empreendimento de Gracinha se tornara rentável. Além da grande venda de cerveja, refrigerantes e outras bebidas, como uísque, conhaque, rum e vermute, a diligente madame contratou uma cozinheira para preparar saborosos tira-gostos, além de pesadas refeições, entre as quais panelada, mão de vaca e rabada. A bem da verdade, diga-se que muitos não iam ao prostíbulo em busca de mulher, mas apenas dessas iguarias e de uma cerveja bem gelada, do tipo “véu de noiva”.

Os jovens e bravos mosqueteiros não estavam à procura de mulher naquela noite, pois acertaram demorar pouco, com o objetivo de irem a uma festa no Évora Clube. Observaram o plantel, e viram que algumas raparigas eram bonitas e apetitosas, e circulavam com certa discrição, à cata de possíveis clientes. Sem dúvida descartavam os estudantes, quase sempre sem dinheiro, e apenas preparados para ratear três ou cinco cervejas, ou oito em dia mais propício. Mas sempre disponíveis para uma “trepada por amor”, como eles jocosamente diziam, em suas gabolices juvenis.

Quando Marcos e seus amigos já se preparavam para deixar o recinto, chegou uma das mulheres, bem vestida, com certa sobriedade, talvez para imprimir respeito. Usava uma pulseira e brincos de ouro, mas sem ostentação. Logo foi identificada como sendo a dona do ambiente. Fabrício tratou de providenciar uma cadeira, para que ela se sentasse, e foi logo pedindo uma cerveja para lhe oferecer um copo, que ela delicadamente recusou.

Gracinha falava em voz baixa e suave, quase a sussurrar, não obstante o bolero que a vitrola tocava. Fez algumas perguntas triviais, e disse que estava gostando do local. Esclareceu que não permitia música em alto volume, para não incomodar as famílias, que precisavam de repouso. Dessa forma cultivava a política da boa vizinha e evitava retaliações, como denúncias ao prefeito ou ao delegado, sob o argumento de perturbação ao sossego público. Perguntou se eram apenas estudantes, ou se exerciam algum trabalho.

Marcos e Mário responderam que trabalhavam em jornal alternativo, mas sem nenhuma remuneração. Fabrício disse que, de vez em quando, prestava algum serviço na loja de seu pai, mais no intuito de aprender sobre como um comércio do seu tipo funcionava; em consequência seu pai lhe aumentava a mesada e lhe dava algum presente.

A madame, furtivamente, vez ou outra, olhava para Marcos, com indisfarçável interesse. O rapaz podia ser cauto, mas não era cego e muito menos ingênuo. Logo percebeu esses olhares de admiração, embora sua eventual vaidade fosse bem administrada. Considerou que ela gostara de seu porte físico e de seu comportamento. Por isso, achou estratégico lhe revelar que morava perto, a apenas três quarteirões.

– Ora, você é quase um vizinho. Pois apareça por aqui, de manhã, quando não tem movimento, nem clientes e nem mulheres, para a gente jogar conversa fora, se isso não lhe causar problema com seus pais. Geralmente, estou sozinha, apenas com mamãe e a empregada.

O rapaz lhe agradeceu o convite, e prometeu que breve a visitaria, na parte da manhã, por volta das dez horas. Em seguida, pagaram a conta e seguiram para o centro da cidade. Marcos, sem afoiteza nem açodamento, apertou a mão de Gracinha e a beijou no rosto, como via fazerem os mocinhos elegantes das películas cinematográficas.