HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XII   

Confissões (1)

Elmar Carvalho

 

Marcos e Fabrício combinaram se encontrar no bar e mercearia do Zé Afonso naquele sábado, por volta das sete da noite. Tomariam umas talagadas de calibrina no Cantinho dos Inocentes, e depois se deslocariam para a Praça Lucas Mendes Furtado, no centro da cidade, onde tentariam fisgar alguma garota na tertúlia dançante do Évora Clube.

Quando Marcos chegou, estavam no local alguns conhecidos, alunos do Liceu. Entre eles se encontravam Milton Ferreira, sempre risonho, alegre, brincalhão, e Cláudio Bastos, meio fechado, sem senso de humor e um tanto antipático. Este último tinha a má fama de derramar a bebida, dissimuladamente, após fingir bebê-la, para posar de resistente e até para debochar dos colegas que por ventura ficassem embriagados. Marcos considerava esse tipo de atitude um defeito grave, uma grande deslealdade e sinal de mau caráter. Quando os rapazes se despediram, jovial e bem humorado, disse:

– Grande Milton, você é um verdadeiro pai-d’égua, um legítimo cavalo batizado.

– Cavalo batizado não, gigante; eu ando batizando os cavalos – retrucou o outro, a gargalhar, com a sua esfuziante e ruidosa simpatia. Marcos não se deixou abater, e respondeu em cima da bucha:

– Pois corre, vai buscar água, e batiza primeiro a ti próprio, porque você é o mais cavalo de todos nós.

– Marcão, rapaz, você não tem jeito mesmo... Não quer perder nenhuma parada – disse Milton, a balançar a cabeça, retirando-se com seus amigos, por entre ruidosas gargalhadas e feliz algazarra. 

Enquanto aguardava a chegada de Fabrício, Marcos foi se sentar numa das cadeiras do Cantinho dos Inocentes. Um homem desconhecido, que se encontrava no local, de aparentemente 58 anos de idade, perguntou a Marcos se poderia ocupar uma das cadeiras da mesa, tendo o rapaz respondido que sim.

O homem trouxe um litro de uísque, que colocou sobre a mesa. Parecia estar já um tanto tocado pelo álcool. Perguntou se o rapaz não lhe desejava fazer companhia na bebida, não tendo Marcos se feito de rogado. Logo chegou Fabrício, que virou de imediato um generoso trago, para compensar o pequeno atraso.

O homem disse se chamar Pedro Pinto Pereira, mas que os amigos, por brincadeira, muitas vezes o chamavam de PPP. Parecia ansioso, com vontade de conversar, como se algo o afligisse.

– Sou tenente reformado do Exército. Não sou daqui. Sou carioca. Mas fui amigo de um colega desta cidade, que me falava tão bem daqui, com tanto entusiasmo, que resolvi, ao me tornar inativo, vir morar em Évora. Estou gostando muito da cidade e aqui pretendo refazer minha vida até a chegada da velha ceifadeira, que já deve andar me rondando. Não tenho filhos e faz uns dez meses que me separei de minha mulher, após um casamento de mais de trinta anos, por motivo que tenho até vergonha em revelar.

Contudo, algumas doses depois, após promessa dos rapazes de que guardariam sigilo de sua conversa, resolveu contar os motivos que o levaram à separação. Contou uma longa história, por sinal um tanto estranha e escabrosa, cheia de detalhes, que segue aqui resumida e sem muitos pormenores.