HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

 

Capítulo VII

A balzaquiana Madalena

 

Elmar Carvalho

 

Certo dia, quando Marcos fazia o primeiro semestre do terceiro ano ginasial, dona Marciana, a diretora do Liceu, imponente, quase marcial, verdadeira matrona romana, entrou na classe e pediu à professora para transmitir uma mensagem, na verdade, em suas palavras, uma convocação ao civismo, ao exercício da cidadania e da solidariedade.

De posse do diário de classe e de uma lista com o nome das principais ruas da cidade, ela pediu para que os alunos fossem de casa em casa falar da importância da campanha de vacinação contra a varíola, e pedissem para que as famílias não deixassem de comparecer aos postos de vacinação, no período indicado.

– Vocês estarão prestando um grande serviço de civismo e de amor ao próximo. E com isso estarão contribuindo para que essa doença seja erradicada de nossa mui amada e invicta Évora.

Não sabia Marcos ao certo de que Évora seria invicta, pois não lhe constava que ela tivesse participado de alguma guerra ou batalha. No máximo a sede da Fazenda Ingazeira, que quatro ou cinco anos depois seria destruída pelo proprietário, para fazer um centro comercial, abrigara uma tropa do tenente Simplício José da Silva, quando este seguira em perseguição ao comandante português João José da Cunha Fidié, em verdadeira guerra de guerrilha, com algumas escaramuças, durante trecho do percurso do velho cabo de guerra em direção a Caxias – MA.

Coube-lhe percorrer duas grandes ruas, no centro da cidade. Embora seus pais fossem zelosos na criação dos filhos, induzindo-os à responsabilidade nos estudos e no respeito ao próximo, mormente aos mais velhos, e a não praticarem o mal, Marcos era criado com bastante liberdade e sem necessidade de executar trabalhos domésticos ou outros, de forma que esse serviço de visitação aos moradores das ruas Cajueiro e Marechal Taumaturgo de Azevedo foi o primeiro serviço de monta, que iria realizar.

Apesar de sua inexperiência laboral, encarou a missão com muita responsabilidade e afinco. Foi metódico e determinado, e entrou em todas as casas, fossem as mais ricas ou as mais pobres, com exceção apenas, claro, das que se encontravam fechadas, que registrou, para depois retornar. Explicava com toda paciência as vantagens da vacinação; esclarecia que não havia efeitos colaterais e, se necessário, anotava em um pedaço de papel os dias, o horário e o endereço dos postos em que haveria a aplicação. Ele mesmo ficou um tanto admirado de seu senso do dever e de responsabilidade, e incorporou essas virtudes por toda a sua vida, sobretudo quando veio a se tornar servidor público federal.

Numa das casas da Rua Cajueiro encontrou Madalena. Teria ela em torno de 35 anos de idade, um pouco mais, um pouco menos. Estatura mediana, morena, de curvas bem definidas, porém esbelta, talvez porque não tivera filhos. Os cabelos castanhos, ondulados, lhe desciam até a altura dos ombros. A sensualidade lhe parecia emanar de todos os poros.

Marcos a conhecia de vista, e lhe admirava a beleza e a elegância, e mais ainda o discreto requebro de seu caminhar, algo sinuoso, quase a insinuar uma dança. Seu marido era um médico do SESP, já considerado um tanto envelhecido. Talvez fosse vinte anos mais velho que ela, mas a calvície lhe emprestava bem mais idade. Ambos eram naturais de Belo Horizonte. Madalena recebeu o rapaz com um leve sorriso, e notando-lhe certa timidez o tratou com muita cortesia.

Pediu que Marcos se sentasse a uma grande mesa, que havia na sala, e pediu licença para fazer algumas recomendações à empregada, que se encontrava na cozinha. Quando retornou, poucos minutos depois, uma onda de inebriante e agradável perfume envolveu o ambiente.