Rio Canindé, em cujo vale viveu e lutou o homenageado (imagem colhida livremente na Internet)
Rio Canindé, em cujo vale viveu e lutou o homenageado (imagem colhida livremente na Internet)

                                                                             

Reginaldo Miranda[1]

 

 

No verão de 1719, adentrou o sertão do Piauí uma bandeira paulista, a última de que temos notícia[2], com o objetivo de povoar, estabelecendo-se nos vales dos rios Canindé, Piauí e Gurgueia. Entre seus integrantes estava Hilário Vieira de Carvalho, que fundou e se estabeleceu inicialmente na fazenda Poções e depois mudou-se para a fazenda a Volta, ambas na bacia do rio Canindé, então pertencente ao termo da vila da Mocha, hoje cidade de Oeiras. Era filho de José Vieira de Carvalho e Maria Freire da Silva[3], legítimos  piratininganos, com sangue cruzado de lusitanos e índios tupiniquins[4].

Hilário Vieira de Carvalho, nasceu em São Paulo, por volta de 1695, onde viveu a infância e foi alfabetizado. Com cerca de 24 anos de idade, mudou-se para o Piauí, onde chantou currais e estabeleceu fazendas no vale do rio Canindé, em terras dos sertanistas Domingos Afonso Sertão e Julião Afonso Serra, a quem pagava rendas anuais no importe de dez mil reis. Em pouco tempo os rebanhos multiplicaram, tornando-se um dos cidadãos mais abastados da ribeira do Canindé, comercializando seus rebanhos nas feiras da Bahia e de Pernambuco.

Naquele mesmo ano também chegou à ribeira do Canindé, proveniente da vila de Cachoeira, na Bahia, uma família portuguesa constituída pelo capitão-mor Manoel do Rego Monteiro, sua esposa Maria da Encarnação e três filhas. O chefe de família vinha como arrematante dos dízimos reais, que os arrematou na cidade de São Luís do Maranhão, em consórcio com o sargento-mor Feliciano Pereira Bacelar, para o triênio 1719-1720-1721. Eram, portanto, cidadãos abastados. Em pouco tempo, o paulista Hilário Vieira de Carvalho convolou núpcias com dona Maria da Encarnação do Rego Monteiro, filha desse último casal, unindo, assim, as duas famílias pioneiras da conquista do sertão. Outras filhas do casal foram Josepha do Rego Monteiro, casada em 1731 com o português Gaspar Pereira de Araújo, pede a sesmaria São Martinho, no sertão do Gurgueia, em 1732; e Martha do Rego Monteiro, que recebe sesmaria de igual nome em 1º de abril de 1729, casada com o português Mathias Rabelo de Sepúlveda[5], residentes na fazenda Serra Vermelha, vale do rio Itaim, onde deixaram extensa descendência com o nome Rabelo de Sepúlveda.

Depois do consórcio o casal fixa residência na extensa e fertilíssima fazenda dos Poções, situada no Riacho Seco, afluente do rio Canindé, que, em pouco tempo a adquirem por compra a Domingos Jorge Afonso, sobrinho e herdeiro universal do sertanista Julião Afonso Serra, que a adquiriu em sesmaria. Essa fazenda possuía seis léguas de comprimento e três de largura, tendo ficado para a viúva e alguns filhos depois de seu óbito.

Adquiriu também por compra ao mesmo vendedor, a fazenda a Volta, no rio Canindé, com cinco léguas de comprimento e de largura em partes uma e em outras menos de meia. Depois muda para esta fazenda o seu domicílio. Seria herdada pelo padre Custódio Vieira de Carvalho e mais três de seus irmãos.

Também estabeleceu grande rebanho no riacho dos Pilões, outro afluente do Canindé, onde situou a fazenda de mesmo nome, comprando os direitos sucessórios de Diogo Nunes e Miguel Soares, tendo sido o pai deste último seu povoador. Dessa extensa fazenda foram destacadas as fazendas Capim Grosso, Ferramenta e Juazeiro, em cujas pastagens prosperaram muitos rebanhos de gado vacum e cavalar.

Hilário Vieira foi benemérito da Vila da Mocha, tendo doado, em 1734, vinte mil réis para ajudar na construção do Hospício de Religiosos da Companhia de Jesus, daquela vila. Na mesma oportunidade, sua sogra doou dezesseis bois com a mesma finalidade. Nesse mesmo ano foi destacado para arrecadar contribuições para a guerra contra os indígenas acoroás, ficando responsável pelas contribuições dos fazendeiros desde a ribeira do Canindé até a vila da Mocha.

Com a expansão do rebanho bovino e cavalar, Hilário Vieira de Carvalho procura expandir seu criatório para terras mais férteis, na ribeira do Itapecuru, na outra banda do Parnaíba. Ali funda fazenda em terreno inculto e fértil, na localidade Lagoa, no ano de 1735, a adquirindo por sesmaria com três léguas de largura distribuída por uma e outra parte do rio Itapecuru, sendo légua e meia de cada lado, e com outras tantas de fundo, fazendo peão na lagoa acima referida. A concessão da sesmaria foi feita em 20 de junho de 1738, pelo governador João de Abreu Castelo Branco, do Maranhão (AHU. ACL. CU 009. Cx. 25. D. 2631).

No entanto, por um despacho do conselho ultramarino datado de 9 de março de 1740, foi informado ao referido governador, que as extensas sesmarias concedidas a Hilário Vieira de Carvalho, Floriano Fecundo de Carvalho[6], José Vieira Escobar[7], Custódio Fecundo Monteiro[8] e André Moreira de Sousa, não foram confirmadas por el rei, sob a justificativa de que a área das sesmarias era excessiva.

No ano de 1735, Manoel Vieira de Carvalho, vai eleito de pelouro para o senado da câmara de São Luís do Maranhão, sendo, porém, impedido de assumir o cargo por exercer o emprego de escrivão dos ausentes, o que causava impedimento. Porém, não sabemos informar o grau de parentesco desse último com o biografado (AHU. ACL. CU 009. Cx. 26. D. 2638; Cx. 22. D. 2263 e 2265).

Homem de negócios, grande criador, com patrimônio consolidado e crédito nos centros urbanos onde comercializava seus rebanhos, Hilário Vieira de Carvalho lança-se num grande empreendimento, arrematando os dízimos reais da capitania de São José do Piauí, para o triênio 1740-1741- 1742. No contrato foram aceitas quase todas as condições por ele impostas para fazer a arrematação, menos a isenção das passagens e os direitos que o gado pagava na Bahia (AHU. ACL. CU. 016. Cx. 3. D. 211. Cx. 10. D. 583).

Os fazendeiros Hilário Vieira de Carvalho e Maria da Encarnação do Rego Monteiro, são considerados genearcas do Piauí, pois geraram dezessete filhos, de quem muitas são as gerações, a saber:

  1. Padre Custódio Vieira de Carvalho (Custódio Fecundo Monteiro), herdeiro da fazenda A Volta, onde residia e veio a falecer antes de 1785; foi coadjutor da freguesia de Nossa Senhora da Vitória da Vila da Mocha.
  2.  Antônia Vieira de Carvalho, batizada em 2 de outubro de 1726, na fazenda a Volta, recebendo por padrinhos o irmão José Vieira Escobar e a tia Martha do Rego, solteiros; foi casada em primeiras núpcias com Estêvão PintoVilela e em segundas com Luís Miguel dos Anjos[9];
  3.  Domiciana Vieira de Carvalho, batizada em18 de maio de 1728, na fazenda a Volta, recebendo por padrinho o avô materno capitão-mor Manoel do Rego Monteiro; foi casada com o português Valério Coelho Rodrigues;
  4. Coronel Floriano do Rego Monteiro (Floriano Fecundo de Carvalho) (1733 - ?), fazendeiro, também arrematante de dízimos, residente na fazenda Ferramenta, no vale do rio Canindé.
  5. Manoel do Rego Monteiro, residente na fazenda Juazeiro, ribeira do Canindé, casado com Maria Pereira do Rosário[10]; filhos: José; e Maria de Jesus, casada com José Rodrigues Setúval, da freguesia de São José da Barra de Santo Sé, Arcebispado da Bahia.
  6. Antônio do Rego Monteiro, fazendeiro, casado com Ana Maria de Jesus, residentes na fazenda Chapada, do atual termo de Regeneração, então de Oeiras, deles descendendo a família Rego Monteiro, daquela região do Estado.
  7. Luiz do Rego Monteiro, residente na fazenda Capim Grosso e, depois, no Brejo do Canindé, casado com Ana Maria da Conceição, onde deixaram descendência.
  8. Florência do Rego Monteiro, também residente na fazenda Juazeiro, da ribeira do Canindé, casada com o primo Manoel José dos Santos, o moço, juiz almotacê de Oeiras; são os pais do tenente Thomé do Rego Monteiro, que depois mudou-se para a fazenda Estanhado, hoje cidade de União, ao norte de Teresina, onde foi assassinado no ano de 1813; casado com Maria Joaquina de Oliveira, deles descendendo a ilustrada família Rego Monteiro, inclusive, João do Rego Monteiro, agraciado com o título de Barão de Gurgueia, líder conservador e grande esteio na fundação da cidade de Teresina, capital do Piauí; também os ex-governadores César do Rego Monteiro (Amazonas) e Hugo Napoleão do Rego Neto (Piauí).
  9. Tenente Hilário Vieira de Carvalho, o moço, residente na fazenda Várzea Grande, do termo da vila de Jerumenha, onde exerceu os cargos de vereador e juiz ordinário e órfãos, casado com Josefa Maria da Conceição, filha de Antônio Pereira da Silva e dona Maria da Purificação, portugueses radicados na fazenda Malhada, vale do rio Piauí.
  10. Jerônimo do Rego Monteiro, fazendeiro, assim  como todos os seus irmãos; em 30 de setembro de 1772, casou-se Ana Ramos de Assumpção, viúva que ficara de Antônio Borges da Silva.
  11. José Vieira de Carvalho (José Vieira Escobar), residente na fazenda a Volta, casado com dona Maria Pereira da Silva, filha de Antônio Pereira da Silva e dona Maria da Purificação, portugueses radicados na fazenda Malhada, vale do rio Piauí; foi filho desse casal, Carlos José de Carvalho, casado em 4 de maio de 1784, com Ana Joaquina Freire de Andrade, filha de Diogo Antônio Freire de Andrade, então falecido, e de Francisca Moreira da Silva; são os pais de Joaquim, batizado em 12 de setembro de 1797 e de Maria Josefa dos Santos (Baronesa da Parnaíba), batizada em 20 de fevereiro de 1778, esta esposa do primo Manuel de Sousa Martins (Barão, depois Visconde da Parnaíba), ex-presidente da província por largos anos, deles descendo grande geração, inclusive o ex-governador Eurípedes Clementino de Aguiar(Piauí) e o ex-presidente da República, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa (José Sarney).
  12. Quitéria Vieira de Carvalho, residente na fazenda a Volta, ribeira do Canindé, onde nasceu e foi batizada[11] em 13 de junho de 1736; na idade adulta continuou residindo nesta fazenda em companhia do irmão religioso, tendo falecido solteira, antes de 1785.
  13. Francisco Vieira de Carvalho (1738 - ?), em 29 de agosto de 1776, na fazenda Lagoa do Meio, casou-se com Perpétua da Costa e Silva, prematuramente falecida, filha de João da Costa Veloso, então falecido, e de Maria da Silva Reimoa[12]; em 8 de agosto de 1779, casou-se pela segunda vez com Ignácia Maria de Jesus, filha do português Antônio Alves Brandão e de sua esposa Floriana Maria de Jesus, residentes na fazenda Chapada, do atual município de Regeneração, então de Oeiras.
  14.  Ana Vieira de Carvalho, que fora casada com o português Manuel José dos Santos, o velho;
  15. Eugênio Vieira de Carvalho
  16. Marcos Vieira de Carvalho
  17. Florêncio Vieira de Carvalho

 

Desses filhos, desejamos destacar Hilário Vieira de Carvalho, o moço, porque o nome comum com o pai tem gerado confusão para os historiadores e genealogistas. Em todos os estudos que nos antecedem, aparece ele como filho de seus avós paternos, em lugar do pai, sendo irmão de seus tios. Teria falecido com mais de cem anos de idade, gerando filhos aos oitenta anos ou mais. Curioso, por descender de ambos, logo identificamos o equívoco, corrigindo-o. Fazendeiro e político, nasceu o moço Hilário Viiera de Carvalho, na fazenda a Volta, no rio Canindé, no termo de Oeiras, onde viveu toda a sua infância e juventude ao lado da extensa família. Foi batizado na fazenda Riacho, do mesmo termo, com poucos meses de nascido, em 20 de dezembro de 1733, recebendo por padrinho o parente Estêvão Pinto Vilela. Por volta de 1755, casou-se esse segundo Hilário Vieira de Carvalho, com Josefa Maria da Conceição, filha de Antônio Pereira da Silva e dona Maria da Purificação, portugueses colonizadores do Piauí. Fixaram residente na fazenda Várzea Grande, hoje povoado de mesmo nome, na margem esquerda do Gurgueia, então termo de Jerumenha, hoje de Canavieira, no Centro-Sul do Piauí, onde faleceu em 1813. Exerceu expressiva liderança naquela região, sendo juiz ordinário e membro do senado da câmara, por diversas vezes. Deixou cinco filhos, sendo dois varões que não deixaram sucessores, os capitães José Vieira de Carvalho(3º do nome) e João Vieira de Carvalho, ambos também juízes ordinários e membros do senado da câmara da vila de Jerumenha. Por essa razão, a descendência do tenente Hilário Vieira de Carvalho, o moço, advém apenas das três filhas varoas, de quem descendem as famílias Rocha e Miranda, do Centro-Sul do Piauí. Maria Vieira de Carvalho e Antônia Vieira de Carvalho, casaram, respectivamente, com os capitães Gonçalo Francisco da Rocha e João Alves da Rocha, ambos filhos de Manoel Alves da Rocha e Ignácia da Conceição Miranda do Rosário; Quitéria Vieira de Carvalho (2ª do nome), casou-se com o capitão Felipe Neri de Miranda, todas com grande descendência.

Com essas notas, resgatamos a memória desse grande patriarca do Piauí, cuja descendência, entrelaçada à de sua irmã Domiciana Vieira de Carvalho e demais irmãos, constitui o maior núcleo de parentela do Piauí, inclusive, tendo dominado a política piauiense ao tempo do império e primeira república, ainda hoje com forte participação na vida pública piauiense e nacional. Também, fica demonstrado, em linhas gerais, os vários ramos de sua descendência, a fim de orientar outros estudos de genealogia, sociologia e ciência política, pois são pessoas que ajudaram a construir a sociedade em que vivemos.

 

 

 

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado, cofundador e ex-presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí (AAPP), ex-membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, em duas gestões, ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, em dois biênios. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. Autor de diversos livros e artigos. Possui curso de Preparação à Magistratura (ESMEPI) e de especialização em Direito Constitucional e em Direito Processual (UFPI-ESAPI). Contato: [email protected]

[2] F. A. Pereira da Costa, em sua Cronologia Histórica do Estado do Piauí, vol 1, assim anotou: “1719. Neste ano entrou uma bandeira de paulistas no território do Piauí, os quais estabeleceram diversas fazendas de criação de gado vacum e cavalar nas cabeceiras dos rios Piauí e Canindé”. Porém, não há dúvida de que também se estabeleceram no vale do rio Canindé.

[3] Em nossas pesquisas não localizamos o nome dos genitores do bandeirante Hilário Vieira de Carvalho, no entanto essa informação vem desde os genealogistas do século XIX, que, certamente, manusearam o termo de seu casamento na freguesia de N. Sra. da Vitória, onde, de fato ele casou-se. Hoje esse livro encontra-se desaparecido.

[4] Índios que recepcionaram os portugueses no litoral brasileiro. No processo de habilitação de seu filho Custódio Vieira de Carvalho às ordens sacras, a testemunha Francisco da Silva Ribeiro diz que seu genitor “tinha alguma geração de mulato”. Pensamos que poderia ser em face dessa ascendência indígena muito comum na antiga São Paulo de Piratininga.

[5] Sobrinho do capitão Alexandre Rabelo de Sepúlveda.

[6] Depois passa a assinar filho Floriano do Rego Monteiro.

[7] Depois passa a assinar José Vieira de Carvalho.

[8] Depois passa a assinar Custódio Vieira de Carvalho.

[9] Em algumas genealogias consta equivocadamente que fora casada com o português Nicolau José Nogueira.

[10] No Censo Descritivo, aparece Maria Teixeira, em evidente equívoco.

[11] Foi padrinho Estêvão Pinto Vilela, residente na mesma ribeira.

[12] Filha do sargento-mor Miguel de Araújo Reimão e de sua esposa Antônia da Silva Pinto, esta filha de Antônio Fernandes de Sousa e Teresa de Jesus, todos pioneiros na colonização do Piauí.