Heroísmos

Cesário Verde

Eu temo muito o mar, o mar enorme, 
Solene, enraivecido, turbulento, 
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento; 
O mar sublime, o mar que nunca dorme
Eu temo o largo mar, rebelde, informe, 
De vítimas famélico, sedento, 
E creio ouvir em cada seu lamento 
Os ruídos dum túmulo disforme.
 
Contudo, num barquinho transparente, 
No seu dorso feroz vou blasonar, 
Tufada a vela e n'água quase assente,
 
E ouvindo muito ao perto o seu bramar, 
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente, 
Escarro, com desdém, no grande mar!
 
Lisboa.Publicado no Diário da Tarde (Porto), 7 de Fevereiro de 1874.