[WASHINGTON RAMOS]

      Relutei durante muito tempo, mais de um mês, se escrevia a teu respeito, sobre a crueldade de que foste vítima e que acontece também com tantas crianças neste país em que há tantos sádicos covardes. Vi muitas imagens e vídeos em que apareces no Youtube, girando um brinquedo em uma; noutra, com as mãos e o rosto sujos de tinta azul; e na pior de todas: aquela em que estás caminhando com uma certa dificuldade, como quem levou pancada nas pernas, ou talvez tenha sido estuprado.

     Os responsáveis por tua pessoa te levaram ao hospital depois que já estavas morto. Por que tiveste um fim tão cruel, precedido de tanta tortura? Tinhas quatro anos de idade apenas. Não tinhas culpa de nada, não eras responsável por nada. Por que, então, sofreste tanto e morreste tão cedo? Por que te tiraram a vida justamente aqueles que tinham a obrigação de cuidar bem de ti?

     Teu pai, tua mãe, tua avó, tuas tias... Por que ninguém te socorreu? Será que é porque têm um medo enorme do miliciano que te torturava? Será que estavam todos muito ocupados com o trabalho? Ou será que estavam todos muito ocupados em ser “felizes”? Ser “feliz” hoje não inclui cuidar de crianças, resguardadas as honrosas exceções de sempre. Atualmente até as bisavós querem ser “felizes.” Quero ser “feliz” é agora! Quero gozar é agora! Essa é a mentalidade que predomina hoje nesta sociedade pagã, que, em sua busca desenfreada pelo prazer físico, deixa a Roma Antiga na poeira.

     O que aconteceu contigo, Henry, me lembrou o menino Cedil, personagem do conto A Ilha dos Gatos Pingados, de José J. Veiga. Mas, como a realidade está sempre muito além da ficção, teu caso é infinitamente pior. Cedil, por não aguentar os maus-tratos que seu padrasto lhe infligia, foge de casa. Tu dificilmente conseguirias fugir, mesmo se tivesses alguns anos a mais. O personagem de José J. Veiga vivia no meio rural, numa época bem menos violenta do que a de hoje. Tu, meu pobre Henry, vivias numa grande cidade, com câmeras espalhadas por tudo quanto é lugar. Vivias numa sociedade muito brutal. Se fugisses, serias recapturado, ou talvez cairias nas garras de alguém tão cruel quanto o miliciano que te torturou e matou com o consentimento de tua mãe.

     Estás agora, Henry, na presença de Deus. És um anjo a mais na corte do céu. É a única explicação que encontro para teu caso, neste mundo tão cruel e destituído de qualquer sentido lógico