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A leitura é uma fonte inesgotável de prazer, mas por incrível que pareça, a quase totalidade não sente esta sede.
Carlos Drummond de Andrade
Esse é o tipo de pergunta que, querendo ou não, gera polêmica. Não importa de que lado você esteja, as “patrulhas” sempre estão em constante estado de alerta, prontas para colocá-lo no seu devido e insignificante lugar e, quem sabe, até lhe dizer alguns desaforos. No entanto, acredito que é preciso discutir esse assunto, mantendo a mente aberta a sugestões, sem esbarrar em preconceitos ou preciosismos.
Vou começar contando uma pequena história. A história de como me tornei uma leitora.
Para mim, o gosto pela leitura começou tarde, apenas aos 13 anos. Até aquele momento só me interessava (quando me interessava) em ler revistinhas em quadrinhos (Mônica e Cebolinha, Tio Patinhas, Riquinho, Luluzinha, entre outros). Minha mãe, lembro-me bem, desesperava-se com o meu desinteresse, pois acreditava na leitura, e no conhecimento que ela proporciona, como uma ferramenta eficaz para se compreender e, consequentemente, atuar no mundo. No entanto, para sua angústia, esse discurso, até os meus 13 anos, não me sensibilizava. Ao contrário. Quanto mais ela falava, mais eu fugia dos livros.
Essa situação só mudou quando recebi como tarefa de férias (sim, na minha época os professores davam atividades para as férias!) a leitura de um livro. Poderíamos escolher o autor e a obra que quiséssemos, mas no retorno às aulas, deveríamos apresentar aos colegas o livro que havíamos lido. Não preciso dizer como fiquei preocupada, ou melhor, desesperada. Imaginem a minha situação: uma menina que não lia e nem gostava de ler precisava de uma hora para outra escolher um livro e, para piorar, apresentá-lo aos colegas.
Hoje acredito que esse foi um dos vários momentos cruciais da minha vida. Afinal, se eu escolhesse mal, nunca mais iria querer chegar perto de um livro. Contudo, parece que a musa da Literatura tinha outros planos para mim.
Fui à biblioteca da escola e depois de muito circular pelas estantes, lendo as lombadas de diversos livros, minha escolha recaiu em Monteiro Lobato e no seu “História do Mundo para as Crianças”. Por que esse autor? Não sei, na época não sabia muito bem quem era Monteiro Lobato (uma vergonha, eu sei!). Na verdade, escolhi o livro por causa da professora que havia nos dado a tarefa. A professora Raquel. O engraçado é que ela não era professora de Língua Portuguesa ou Literatura, mas de História. A escolha do título foi minha homenagem a ela. Eu a adorava!
Pois bem, comecei a ler sem vontade, porque esse é um daqueles hábitos que se adquire com o tempo e, até aquele momento, eu estava longe de gostar dessa prática. No entanto, sem nem mesmo perceber, o livro me conquistou. Mergulhei de cabeça e coração nas histórias de Monteiro Lobato, encontrando nelas o que minha mãe sempre disse que encontraria: prazer, conhecimento e magia. Daí em diante não parei mais. Tornei-me o que sou hoje: uma leitora compulsiva e selvagem.
Contudo, hoje me pergunto: se aos 13 anos tivesse escolhido um livro de Machado de Assis o resultado seria o mesmo? Não sei, só posso especular.
E agora gostaria que as “patrulhas” ficassem calmas. Não estou dizendo que Machado de Assis não seja um autor maravilhoso, digno de ser lido e apreciado. Só estou especulando que, talvez, aos 13 anos a leitura de Dom Casmurro, Esaú e Jacó ou O Alienista, não fossem as mais indicadas para servir de “isca” a uma menina de não gostava de ler. Será que um (ou uma) adolescente de 15 ou 16 anos entende o que está por trás da história de Capitu e Bento? Posso dizer, por experiência própria, que poucas, muito poucas, meninas e meninos realmente compreendem. Eu mesma só fui entender quando li o livro pela segunda vez, já adulta.
José Saramago é, sem dúvida nenhuma, um dos maiores escritores da Língua Portuguesa. Porém, apenas recentemente comecei a lê-lo, ou melhor, aprendi a lê-lo. Não é nada fácil acompanhar seus longos parágrafos, sua escrita repleta de metáforas e imagens poéticas. Muitos professores de Português nunca leram nada dele. No entanto, Saramago é, literalmente, impingido a adolescentes como uma leitura obrigatória.
Novamente, levanto as mãos em sinal de paz. Não desejo que me entendam mal. Não sou daquelas que acredita que os nossos jovens devam ler apenas Harry Potter. De jeito nenhum! Machado de Assis e Saramago são autores fabulosos e devem ser lidos por todos, mas é preciso pensar numa maneira adequada de apresentá-los, só assim a sua leitura não se transformará em um momento de absoluto e indescritível sofrimento.
E é exatamente aí que reside o “X” da questão: como despertar o gosto pela leitura?
Conheço homens e mulheres que leem muito pouco, tipo um livro ou dois por ano. E não estou falando de pessoas sem instrução, mas de pessoas com nível de escolaridade superior, inclusive, com pós-graduação. Imagine, então, uma criança ou um adolescente?
Sei que não é fácil. Aliás, atualmente os professores de Literatura têm uma tarefa ingrata: como motivar um jovem a ler um bom livro quando a internet tem tantas coisas “interessantes” para oferecer? É, com certeza, uma tarefa difícil, mas não impossível. Existem editoras que estão transformando grandes clássicos em histórias em quadrinhos e escolas que optaram em dramatizar ou filmar obras de autores nacionais e estrangeiros. Todos são caminhos que têm como único propósito despertar o gosto pela leitura.
E quanto à pergunta título? Há uma idade certa para ler?
Minha resposta: não sei.
Sempre vão existir pessoas (muitas) que não vão se interessar em ler e nem por isso são melhores ou piores. Outras podem ser como eu: chega um dia (mais cedo ou mais tarde) que simplesmente despertam para o universo mágico da leitura. Não há como saber, é possível apenas apostar, estimulando de todas as maneiras possíveis e de preferência evitando preconceitos. Se alguém prefere Harry Potter a Dom Casmurro, qual é o problema? Quem garante que mais tarde essa mesma pessoa não vai esbarrar em um George Orwell ou em uma Clarice Lispector e sentir que chegou em casa? Porém, antes é preciso abrir o primeiro livro. Qual será? Não importa. O importante, o necessário, é começar a ler, pois como disse Mario Vargas Llosa um povo “comprometido com a leitura é crítico, rebelde, inquieto, pouco manipulável e não crê em lemas que alguns fazem passar por ideias”. Apesar das palavras serem diferentes, a essência é a mesma, minha mãe sabia o que estava dizendo e eu, enfim, aos 13 anos, entendi!