Cunha e Silva Filho

 

 

          Diz um já velho, mas não tão velho quanto o meu já fragilizado dicionário de francês do Roberto Alvim Corrêa (1901-1983), manual prático para o ensino do francês, que “...il y a temps pour tout, pour le travail, pour le plaisir.” Sim, concordo com essa frase, mas não na ordem em que ela propõe esse pensamento simples e desataviado. Posto que falando de um tema tão caro a mim, o tempo, tema complexo, que renderia novas obras, quer de memórias, quer de filosofia. 
Infância adolescência, mocidade, maturidade e velhice são fases sucessivas na cronologia, no calendário, na divisão do anos, meses, semanas, dias até frações mínimas matemáticas que não consigo entender nem calcular. Não nasci para ser matemático. 
          No entanto, aquelas fases não podem ser cronológicas, quando a nossa mente, o nosso mundo interior, sobretudo o afetivo, o amoroso, o do Cupido, nos atira flechas que nos atordoam e nos levam às epifanias inimagináveis de explicar as inversões das idades no que concerne aos dilemas do amor, com todos os seus absurdos, contradições e delícias dionisíacas. Quer dizer, sempre que, na vida, entra em cena essa soma de elementos díspares de que somos alvos. 
           Sobretudo ainda quando os tempos do nosso mundo interior recusam a horizontalidade e mergulham por vezes, fundo, na verticalidade ou mesmo na simultaneidade, ou ainda nas anacronias, ou seja, nas analepses e prolepses tomados esses termos, no campo da teoria literária, do tempo ficcional proposto por Gérard Genette (1930-2018). Que me perdoe o Krónos (grego: Tempo), não estimo a cronologia em si, medida friamente com o fluir inexorável da nossa travessia física pelo Planeta Terra, que é duríssima e irreversível em todos os sentidos praticamente. 
           O que intento discutir nesse artigo é se o tempo do trabalho, ou em outros termos, da produção cultural, pode ser prejudicado pelo tempo do prazer, i.e., se lhe causa danos ou retrocessos, ou se pode, caso seja nocivo e aderente, recuperado por um espírito determinado e avesso a vícios crônicos. 
           E, no caso de reabilitado, se o sujeito interessado pode ser efetivamente recuperado às condições anteriores às vicissitudes no terreno movediço, em geral, socialmente refutado e mesmo mal interpretado por condicionamentos ainda preconceituosos quando entram em jogo inversões etárias no âmbito do sentimento amoroso. 
           Todavia, quero ressaltar que a divisão entre o trabalho e o prazer não se confina somente ao tempo do que o poeta francês Alfred de Musset (1810-1857)) no poema “Le poète,” por sinal, há poucos dias, por mim traduzido e postado aqui, chama de “libertino.” Diria, aproveitando essa alusão romântica, todos as idades têm direito ao sentimento do amor, ainda que arrostando todos os óbices e incompreensões.                            Obviamente, que os erros cometidos em todas as idades devem ser também matéria de compreensão, desse que não sejam erros contra a integridade física dos indivíduos envolvidos ou contra as extrapolações de natureza moral do que a lei estatui.
            Tem-se visto que, na prática, na individualidade do ser, a produtividade, sejamos explícitos agora, intelectual, tende a sofrer uma sensível redução na qualidade e quantidade e cai na medida em que os antigos hábitos planejados foram se reduzindo ou se desviado do seu curso normal no que tange aos seus projetos .. 
            Dentro deste contexto de prioridade dada a um lado, seja o do trabalho, ou do outro, o do prazer ou hedonismo, em detrimento de um ou de outro, sem buscar o equilíbrio, onde reside a virtude das ações e comportamentos do indivíduo, alguma coisa se põe em risco, em sinal de alerta, e cabe de imediato ao indivíduo interessado restabelecer aquele equilíbrio sob pena de afundar-se na inércia, na confusão e até mesmo no constrangimento próprio.
             Dependendo das contingências individuais, a ordem a ser obedecida pelo espírito determinado, é tentar, com os cuidados necessários e a prudência como lema, encontrar a saída mais plausível sem fazer sofrer pessoas queridas que não merecem ser postas em segundo plano. Nem tudo o que o nosso mundo interior quer falar pode ser concretizado na oralidade do discurso e nas relações íntimas entre os que são agraciados com a reciprocidade do amor e do respeito.
             Por outro lado, em face das inversões etárias entre o homem e a mulher seria, no mínimo, ausência perversa de sensibilidade não se permitir que o sentimento amoroso ou afetivo, sem quebra do decoro e da responsabilidade e discrição, seja coartado no nascedouro em razão de nossos tabus, frutos da ignorância e de um atavismo secular castrador. 
            O tempo do trabalho e do prazer não pode ser ameaçado ou ridicularizado somente porque uma temporalidade horizontal, embutindo a ordem biológica, arraigada a ultrapassados modos de comportamento humano, deva constituir um conceito ético contrário a novos tempos mais naturais e mais espontâneos, possíveis de coexistir com a beleza e a felicidade de todos os indivíduos, respeitando sua dignidade íntima e intransferível.