(Miguel Carqueija)

Falamos hoje de um seriado realmente grandioso:

GUNSLIGER GIRL: TRAGÉDIA EM ANIMAÇÃO


    Produzido em 2003 pelo Estúdio Madhouse, com direção de Morio Asaka, “Gunsliger girl” é uma série japonesa de animação em 13 episódios, que impressiona pelo seu grau artístico e pela tessitura delicada de sua trama, apesar das muitas cenas de sangue e violência e do próprio caráter fatídico do argumento.
    A história se passa na Itália, teoricamente contemporânea mas que poderia situar-se em algum futuro indeterminado. Há grupos terroristas que o governo combate por meio de um escritório polêmico, a “Corporação para o Bem-estar Social”, fachada para uma organização secreta que faz uso de meninas, pré-adolescentes que tiveram seus corpos transformados em operações, tornando-se assim um grupo de ciborgues. Todas as meninas foram resgatadas de situações extremas, como extermínio de suas famílias e estupro. Não recordam o passado trágico, porém mesmo assim são crianças tristes, conscientes de sua condição diferente.     
    Cada uma delas faz dupla com um mentor adulto, apelidado o seu fratello. Condicionadas e treinadas para matar os inimigos com o emprego de armas pesadas (levadas em caixas de violino, como nas tradicionais histórias de gangsters), elas se apegam emocionalmente a seus “fratellos”, tornando-se especialmente perigosas quando os mesmos são ameaçados. Se tratadas com desprezo e dureza por seus mentores, entristecem e caem em depressão; Elsa chega a matar o seu “fratello” e se suicidar em seguida.  
    A série mostra mais Henrietta, que faz dupla com José, um agente mais humano que a trata com bastante carinho. Mesmo triste pela vida que leva e pelos resquícios de sua tragédia pessoal, Henrietta é doce e gentil com ele e sente-se bem ao seu lado. Os relacionamentos das demais duplas de “fratellos” seguem uma gradação que desce até o caso extremo de Elsa.
     A questão psicológica é notavelmente bem trabalhada e consegue ser convincente na abordagem de cada personagem importante, notadamente as garotas, que, além das duas mencionadas, inclui Rico, Triella, Claes e Angélica. É impactante acompanhar a trajetória de crianças tornadas andróides, condicionadas a matar sem remorso os adversários do regime, e que mesmo assim, na intimidade, conseguem ser sensíveis e carinhosas (o episódio final, onde elas cantam a 9ª Sinfonia de Beethoven, é especialmente ilustrativo nesse aspecto). A vida de cada uma delas é uma tragédia e todas elas estão condenadas a morrer cedo, em consequência das condições anormais dos seus corpos manipulados. É pertinente a letra da canção-tema de encerramento dos episódios, onde uma voz lírica proclama: “Senhor, deixa-me chorar!” e “deixe que chore o cruel destino”.
    “Gunsliger girl” é uma grande metáfora sobre a miséria da condição humana, oscilando entre o amor e a crueldade. O arcabouço do roteiro — a estranha situação política subterrânea da Itália, imaginada na série — não fica uma coisa muito clara, mas não é, também, o que mais importa.