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GUERREIRA DO AMOR E DA JUSTIÇA
Miguel Carqueija


Resenha do volume 1 do mangá “Pretty Guardian Sailor Moon” (A linda guerreira Sailor Moon), de Naoko Takeushi, edição brasileira da JBC, lançada em 29 de março de 2014. Edição original da Kodansha (Tokyo, Japão) de 1992, republicada em 2003.

“Eu sou uma guerreira que luta pelo Amor e pela Justiça! Sou Sailor Moon, e punirei você em nome da Lua!”
(Sailor Moon)

“Somente você poderá salvar a todos!”
(Tuxedo Mask)

Graças ao empenho dos fãs e ao sucesso arrasador que a franquia Sailor Moon vem obtendo no mundo desde o seu relançamento em 2009, finalmente o mangá chega ao Brasil, em caprichada edição de luxo da JBC, 22 anos após o lançamento original no Japão. A genial criação de Naoko Takeushi, inspirada nas mitologias greco-romana e japonesa, e em valores cristãos, pode finalmente ser apreciada pelo público brasileiro em sua forma inicial, que precede outras mídias: animês, OVA’s, seriado em ação viva, óperas e fanfics.
Naoko de fato já lançara em 1991 o mangá Sailor V (Vênus), que mostrava uma guerreira mágica solitária, apenas acompanhada por uma gato branco falante, o Artêmis. Quando veio a proposta de um seriado de animação da Toei, pelo que consta, a mangaká resolveu ampliar aquele universo. Isso explica porque, no primeiro capítulo do mangá (são seis capítulos no volume 1) Sailor Vênus já seja famosa (embora misteriosa) e suas façanhas noticiadas pela mídia.
Usagi Tsukino, estudante japonesa de 14 anos, morando com os pais e um irmão mais novo (no Brasil é conhecida como Serena por causa da dublagem do animê, correspondente ao nome posto nos Estados Unidos), parece o oposto de uma heroína: gulosa, preguiçosa, estabanada, atrasa-se para a escola, tira notas baixas... abriga porém um coração generoso e puro que se mostrará capaz de grandes atos. A origem de Sailor Moon, como a de outros super-heróis, é emblemática. Tendo, como de hábito, acordado tarde, Usagi corre pelas ruas em direção ao colégio, quando encontra uma gata negra, na qual alguns moleques haviam colado um esparadrapo na testa. Intrigada, Usagi retira o curativo para ver se havia algum ferimento: e tem a surpresa de descobrir um sinal em forma de meia-lua. Mas Usagi está com pressa e, deixando a gatinha para trás, corre para a escola — onde a professora a põe de castigo, em pé do lado de fora da sala.
Apesar dessa situação humilhante, Usagi logo será encarregada de salvar o mundo. Mais tarde é procurada pela gata, que vem da Lua e fala. Luna, a gata mágica, é quem revela a Usagi a sua identidade de Sailor Moon e lhe outorga os poderes, a começar pelo poder de transformação.

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Há muitos milênios atrás existiu um reino na Lua. Um reino mágico, que guardava o “sagrado cristal de prata” — uma arma divina que serviu para garantir a paz no Sistema Solar. Mas esse reino foi destruído, suas guardiães tiveram as almas transportadas para o futuro e renasceram na Terra pela mesma época em que as forças das trevas do passado — o Reino Escuro — também reaparecia. Este esquema clássico perpassa a saga da menina inocente e pura, extremamente bondosa, que se torna a guardiã da justiça e a messiânica protetora do próprio planeta, com as suas companheiras Sailor Mercúrio (da água), Sailor Marte (do fogo) e Sailor Júpiter (do relâmpago). A Sailor Vênus (do amor), neste primeiro volume, ainda não aparece, embora seja uma referência constante. Quanto ao Reino Escuro ou Reino Sombrio, ou “o inimigo”, seus integrantes “não são humanos”, como avisa Luna, embora tenham aparência humana. Chefiados pela maligna Rainha Beryl, os quatro generais do Reino Sombrio (Negaverso nas versões americana, mexicana e brasileira do animê) são Jedaite, Nephrite, Zoisite e Kunzite. O resto são “youmas” ou demônios do folclore japonês. Esses nomes de generais nem sempre são grafados ou pronunciados da mesma forma. Na dublagem nacional do animê, por exemplo, Kunzite virou Malachite (?) e as youmas viraram “malignas”.
Há elementos lovecraftianos em Sailor Moon. O demônio Metaria, que Beryl busca despertar com a energia roubada aos seres humanos, enquanto busca o cristal de prata, parece um dos “Grandes Antigos” — as entidades sobrenaturais malignas criadas por H.P. Lovecraft em seus “Mitos de Cthulhu” e que, vindos de um longínquo passado, querem ressurgir no mundo atual. O diferencial está em que, se em Lovecraft o mal é todo-poderoso, em Naoko Takeushi a pureza, a bondade e a inocência se levantam através de meninas guerreiras que, conduzindo os poderes do bem, opõem-se sem qualquer dúvida ao poder das trevas. Sailor Moon é uma das personagens messiânicas da ficção cuja metáfora cristã (como em Nausicaa, de Hayao Miyazaki) é mais convincente — muito mais, sem dúvida, que os pífios messias de “Duna” e “Matrix”.

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A leveza, a beleza e a profundidade da história se manifestam também pelo lado do humor, eis que Usagi é engraçadíssima. Correndo na direção da escola, por exemplo, ela reclama: “Ai, por que será que tem que amanhecer?” Não obstante, é essa garota esbaforida uma enviada de Deus, que fará tudo para defender a humanidade numa hora crítica em que o poder das trevas parecerá triunfar. O final do primeiro volume é apoteótico e deixa bem claro que Sailor Moon não é uma super-heroína comum, de poderes materialistas, mas uma heroína mística com poderes sobrenaturais.


Rio de Janeiro, 18 e 19 de abril de 2014.
 
texto originalmente publicado no Recanto das Letras em 27 de abril de 2014



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Miguel Carqueija