Regimento de Infantaria (Imagem colhida na Internet)
Regimento de Infantaria (Imagem colhida na Internet)

                   Reginaldo Miranda*

 

 

“E assim foi feito o governo interino que se instalou a 2 de janeiro de 1775 e administrou a Capitania até dezenove de dezembro de 1797, quando toma posse D. João de Amorim Pereira. Isso prova o pouco interesse que o Piauí despertava na Metrópole. Jamais houve oportunidade para nomear-se governador da Capitania” (Odilon Nunes, Pesquisas..., p. 127)

 

Preocupado com as vacâncias na administração pública, advindas geralmente pela morte dos governantes, e a consequente demora na chegada da notícia, bem como na posterior escolha e nomeação de substitutos, viagem, posse, etc., gerando às vezes graves problemas, com soluções diferentes em variadas partes de seus domínios, el rei expediu o alvará de perpétua sucessão. Esse alvará disciplinava que “todas as vezes que acontecer faltar qualquer dos ditos sobreditos Vice-Reis, Governadores, e Capitães Generais das sobreditas Capitanias, ou Governadores delas, ou seja por causa da morte, ou de ausência dilatada do distrito da mesma Capitania, ou por outro qualquer acontecimento, que requeira de pronta providência sobre a sucessão do mesmo Governo: Sucedam, e entrem nela o Bispo da Diocese, e na sua falta o Deão; o Chanceler da Relação; e o Oficial de Guerra da maior Patente, ou que for mais antigo; e assim, e da mesma sorte deverá executar-se naquelas Capitanias, em que não houver Chanceler, entrando em seu lugar o Ouvidor. Na falta de alguns dos sobreditos nomeados sucederá aquele, ou aqueles, que os substituem nos sobreditos cargos, enquanto eu não der outra especial Providencia; e todos os acima nomeados me servirão de comum acordo com o mesmo Poder, Jurisdição, e Alçada, que compete aos Governadores, e Capitães Generais das ditas Capitanias, e aos mais Governadores delas”. E mandava ainda que fossem recebidos como “Capitães Mores, e Governadores dessas partes aos sobreditos, quando sucedam os referidos casos; e lhes cumprais seus mandatos inteiramente, assim como a meus Capitães Mores sois obrigados a fazer, sem a isso pores dúvida, ou embargo algum. E eles usarão em tudo do Poder, Jurisdição, e Alçada, que tenho concedido aos Governadores, e Capitães-Generais das ditas capitanias, quando esta sucessão aconteça verificar-se em qualquer das ditas Capitanias, estando ausentes os sobreditos”. Por fim, advertia “que se lhes leve logo recado com toda a diligência em qualquer parte, em que estiverem, por mais remota que seja, sem embargo de quaisquer Leis, Regimentos, usos, e costumes, que haja em contrário”. Era esse o comando do aludido Alvará.

Em síntese, na Capitania do Piauí, por ausência de outras autoridades, a Junta Trina de Governo ficou sendo presidida pelo Ouvidor-geral da Comarca, e como membros o Oficial de maior patente residente em Oeiras, e o vereador de maior idade do Senado da Câmara da mesma cidade.

Cumpre esclarecer, porém, que o governo da Capitania não era um cargo muito atraente, como se pode, equivocadamente, pensar. Os governadores eram escolhidos entre pessoas influentes de Portugal, e estas geralmente preferiam ocupar outros cargos mais próximos da Corte. A vinda para o Piauí, como de resto para os Estados do Maranhão e Brasil, significava enorme sacrifício. Como se pôde observar, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, deixou claro que esperava ansiosamente autorização para retornar. Ainda, esse fato encontra-se demonstrado pelo longo período em que a Capitania ficou sem governador, sendo administrada pela Junta, e na forma do alvará de perpétua sucessão. Também, encontramos prova de que mesmo entre os piauienses, haviam dificuldades para preencher os cargos, tendo esta funcionado algumas vezes com apenas dois membros. Era um sacrifício para esses membros, quase todos fazendeiros que preferiam cuidar de seus rebanhos, a se distanciarem para Oeiras, a fim de cuidarem da administração pública. Por várias vezes fica patente o desagrado desses fazendeiros. Por fim, foi essa a razão da Capitania ficar quase 23 anos sem governador.

E a composição da Junta se alterava constantemente, sendo o cargo mais instável o de Vereador. E mesmo o de Ouvidor, que deveria ser estável, após a prisão do Ouvidor Durão, a Capitania ficou muitos anos sem titular letrado, passando o cargo a ser ocupado por membros do Senado da Câmara e, assim, sofrendo as mesmas alterações.  No caso do Piauí, o cargo da Junta mais estável foi o ocupado pelos militares. E como essa composição quase nunca se repetia de um ano para o outro, passaremos a apresentá-la anualmente. Essa apresentação é importante porque até agora não existe nenhuma fiel composição da Junta de Governo do Piauí (2.1.1775 a 19.12.1797). Existem apenas listas de composição, sem qualquer critério cronológico. É a relação infra, uma tentativa de preencher essa lacuna.

 

Composição e suas dificuldades:

  1. 1775 (posse em 2 de janeiro): Ouvidor-geral: Dr. Antonio José de Moraes Durão; Militar: Tenente-Coronel João do Rego Castelo Branco; Vereador: Capitão Domingos Barreira de Macedo (permaneceu até 2.1.1776).
  2. 1776: Ouvidor-geral: Dr. Antonio José de Moraes Durão; Militar: Tenente-Coronel João do Rego Castelo Branco (embora oficialmente compondo a Junta, abandona-a de fato, por desavir-se com o Ouvidor Durão, passando esta, então, a funcionar por um ano e meio com apenas os dois outros membros; a partir de 11 de janeiro não mais aparece nos trabalhos); Vereador: Tenente José Esteves Falcão (assumiu em 3 de janeiro).
  3. 1777: Ouvidor-geral: Dr. Antonio José de Moraes Durão (em 3 de dezembro, foi destituído do cargo e preso, sendo enviado para o Maranhão a 17 do mesmo mês, por ordem do general do Estado); Militar: Capitão Fernando José Velozo de Miranda e Souza (a partir de 12 de junho, antes estava vago e com apenas dois membros); Vereador: João Ferreira de Carvalho.
  4. 1778: Ouvidor-geral: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Militar: Capitão Fernando José Velozo de Miranda e Souza; Vereador: Manoel Pacheco Tavira (até 23 de junho, ausentando-se a partir desta data, ficando o cargo vago) e José Rodrigues de Azevedo (a partir de 5 de agosto, permanece até o final do ano, porém, foi muito ausente nos trabalhos).
  5. 1779: Ouvidor-geral: Capitão Domingos Barreira de Macedo; Militar: Capitão Fernando José Velozo de Miranda e Souza; Vereador: Manoel Pacheco Tavira.
  6. 1780: Ouvidor-geral: Marcos Francisco de Araújo Costa (de 2 de janeiro a 19 de fevereiro), Antônio Teixeira de Novaes (assume em 20 de fevereiro e permanece até 14 de julho, deixando o cargo vago) e Domingos Gomes Caminha (a partir de 7 de agosto); Militar: Capitão Fernando José Velozo de Miranda e Souza; Vereador: José Pereira de Brito (o cargo ficou inicialmente vago, assumindo a partir de 20 de março).
  7. 1781: Ouvidor-geral: João Ferreira de Carvalho; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório (assume em 2 e maio, em lugar do capitão de dragões Fernando José Velozo de Miranda e Souza, que foi reformado pelo general do Estado em 3 de janeiro, porém, o comunicado oficial só chegou a Oeiras em 1º de maio, e ele avisado no dia seguinte); Vereador: Ajudante Caetano de Céa de Figueredo.
  8. 1782: Ouvidor-geral: Capitão Ignácio Rodrigues de Miranda; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Antônio Gameiro da Cruz.
  9. 1783: Ouvidor-geral: Capitão Ignácio Rodrigues de Miranda; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Agostinho de Sousa Monteiro.
  10. 1784: Ouvidor-geral: Marcos Francisco de Araújo Costa (apenas durante o mês de junho, por poucos dias, assumiu o capitão Ignácio Rodrigues de Miranda); Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: José Rodrigues de Azevedo
  11. 1785: Ouvidor-geral: Dionísio da Costa Veloso (durante os meses de janeiro a fevereiro) e José Pereira de Brito (a partir de 4 de março);     Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Thomaz José de Matos.
  12. 1786: Ouvidor-geral: Dr. José Pereira da Silva Manoel (embora já empossado e recebendo sua remuneração, em virtude de diligência no Maranhão, somente em 2 de janeiro de 1786, se encontra sua assinatura nos trabalhos do governo interino); Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Agostinho de Sousa Monteiro.
  13. 1787: Ouvidor-geral: Dr. José Pereira da Silva Manoel; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Ascenso da Costa Veloso.
  14. 1788: Ouvidor-geral: Dr. José Pereira da Silva Manoel; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório (ainda aparece em documento de 14 de fevereiro), sucedido pelo Mestre de Campo João Paulo Diniz (aparece em documentos a partir de 2 de agosto); Vereador: Antônio Alves Brandão (aparece em documento de 14 de fevereiro), sucedido por Agostinho de Sousa Monteiro (aparece em documentos a partir de 3 de junho).
  15. 1789: Ouvidor-geral: Dr. José Pereira da Silva Manoel; Militar: Mestre de Campo João Paulo Diniz; Vereador: José Pereira da Silva.
  16. 1790: Ouvidor-geral: Dr. José Pereira da Silva Manoel (permaneceu no exercício do cargo até o início do mês de dezembro, quando retornou para o reino, sendo substituído pelo também bacharel Christóvão José de Frias Soares Sarmento (a partir de 16 de dezembro);  Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório (esse cargo ficou vago no início do ano, em razão do Mestre de Cavalaria Ordenança se achar licenciado, sendo convocado este em 5 de março); Vereador: José Pereira da Silva (vinha do ano anterior, permaneceu até 18 de janeiro), José Rodrigues Coelho (a partir de 24 de janeiro) e José Pereira de Brito (a partir de 8 de fevereiro).
  17. 1791: Ouvidor-geral: Dr. Christóvão José de Frias Soares Sarmento; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Antônio Borges Marinho (a partir de 12 de janeiro).
  18. 1792: Ouvidor-geral: Dr. Christóvão José de Frias Soares Sarmento; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco.
  19. 1793: Ouvidor-geral: Dr. Christóvão José de Frias Soares Sarmento (se ausenta a partir de 12 de Outubro, ficando vago); Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Antonio Gameiro da Cruz.
  20. 1794: Ouvidor-geral: Dr. Christóvão José de Frias Soares Sarmento (ausente inicialmente, por motivo de doença, reassume o exercício do governo a partir de 21 de janeiro e permanece até 18 de agosto, quando adoece gravemente, vindo a falecer mais tarde) e André de Barros Rocha (a partir de 25 de agosto); Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Antônio Gameiro da Cruz (vinha do ano anterior e permanece até 20 de janeiro, reassumindo mais tarde) e Estêvão José Cavalcanti (a partir de 21 de janeiro).
  21. 1795: Ouvidor-geral: Manoel Antunes de Assunção; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Estêvão José Cavalcanti (vinha do ano anterior e permaneceu somente até 3 de janeiro), João Ferreira de Carvalho (a partir de 4 de janeiro), e Caetano de Céa de Figueredo (no exercício do cargo pelo menos desde 26 de novembro, até ao final do ano).

 

  1. 1796: Ouvidor-geral: Tenente Antônio Pereira da Silva; Militar: Sargento-mor Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Antônio Madeira Brandão (essa composição foi conferida 01.06, 15.07, 28.08, 12.11 e 07.12, fazendo crê que perdurou desde o início do ano).

 

  1. 1797: Ouvidor-geral (interino): Francisco Pereira da Silva; Militar: Manoel Pinheiro Ozório; Vereador: Lourenço Rodrigues Coelho e Antônio Gameiro da Cruz (dados extraídos da ata de posse do governador João de Amorim Pereira, em 19 de dezembro).

 

Conforme dissemos, o exercício desses cargos na Junta de Governo não era tão atrativo para os que a compunham, como possa parecer à primeira vista. Não tinham eles compensação financeira por esse exercício. E viviam quase que exclusivamente da pecuária. Portanto, acostumados à lida no campo, ao afastarem-se de suas fazendas para o exercício de cargos em Oeiras, tomavam prejuízos financeiros e ainda se sentiam inúteis na estéril burocracia estatal. Por essa razão a Junta se reunia poucas vezes, e em muitas reuniões não existia quorum, retardando-se as decisões. Em outras o ocupante do cargo demorava a tomar posse ou retornar do gozo de licença, conforme o caso, funcionando esta de forma incompleta. Existem várias cópias de documentos de convocação de membros da Junta para comparecerem ao trabalho. A esse respeito transcrevemos abaixo dois desses documentos, a fim de corroborar essa afirmativa. O primeiro deles é dirigido ao Adjunto vereador que se afastara em gozo de licença. Observe-se:

 

“Carta ao Vereador mais velho José Pereira da Silva.

‘Como V.M.ce se tem demorado além da licença, que se lhe concedeu para acudir as matérias da sua casa sem dar parte a este governo das causas que o obrigam a esta falta: Vamos a lembrar-lhe que é tempo de se recolher para os exercícios de seus empregos com a possível brevidade. Deus guarde a V.M.ce. Oeyras do Piauí 10 de Junho de 1789// José Pereira da Silva Manoel// João Paulo Diniz// Sr. José Pereira da Silva, Vereador mais velho” (Arquivo Público do Piauí. Códice 152. P. 46).

 

A segunda convocação é dirigida ao Adjunto militar do governo interino, datada de 24 de janeiro de 1790, rica em detalhes sobre as dificuldades elencadas:

 

“Carta ao Mestre de Campo João Paulo Diniz.

‘Tendo V.Sª exposto a este governo urgentíssimos motivos para chegar a sua avultada casa a certas disposições, sendo a principal dar estado a uma filha, que a deixara contratada quando foi chamado para Adjunto do mesmo em lugar do Sargento mor de Cavalaria Auxiliar Manoel Pinheyro Ozorio preso para o Maranhão por ordem do Illmo. e Exmo. Sr. general do Estado, e refletindo-se nos referidos motivos prejudiciais a sua casa continuasse por mais algum tempo a sua ausência além dos treze meses, e ser uso e costume licenciar-se algum dos Adjuntos para acudirem as suas famílias vivendo em fazendas desertas, e nos matos entre escravaturas, sem haver quem as dirija e por outras justificadíssimas causas que se fossem presentes a S. Mag.e aprovaria este procedimento pelas pias intenções com que olha para a honra, e para o bem de seus vassalos empregados no seu Real serviço em atenção ao sobredito se lhe concederam três meses de licença pela distância de noventa léguas pouco mais ou menos desta cidade ao Engenho das Frexeiras, ficando V.S.ª de se achar pelo natal a arrematação dos dízimos que se haviam de celebrar na noite do dia vinte e oito de Dezembro do ano próximo passado por dever estar completo o corpo do Governo para aquele ato bem sabido do dito Exmo. Sr. General.

Como V. Sª faltou ao prometido acentamos não estar convalescido da grave moléstia que padeceu na vila da Parnaíba e por conseqüência sem falsas suficientes para se meter em uma penosa, e dilatada jornada em princípios de inverno, cujo conceito ficou desvanecido com a carta que recebemos de V.Sª, datada de 21 de Dezembro asseverando-nos que estando a partir para esta no dia quatorze do dito mês recebera do Illmo. e Exmo. Sr. General chamado àquela capital do Maranhão e que ficou a partir depois dos dias santos da festa.

Nestas circunstâncias vamos ordenar a V. S.ª da parte e em nome da Rainha N. Snrª se recolha para esta cidade a exercer o seu lugar para o qual o manda chamar a mesma Senhora na Lei das sucessões em qualquer parte onde estiver por mais remota que seja sem embargo de quaisquer leis, uso e costumes em contrário, que não constam hajam, nem motivo algum para V. Sª, ser retido nessa cidade mais que aquele tempo conveniente para o dito Exmo. Sr. General comunicar-lhe algumas dependências respectivas ao Real serviço, bem entendido que deve V. S.ª, participar-lhe este nosso ofício para o expedir em reverência, e obediência ao Real nome de S. Mag.e e da sua lei, assim como o fazemos por cópia imediatamente a mesma senhora para se inteirar-se de que executamos o que nos ordena, e a nossa obrigação, em mandar o que for servido.

Deus guarde a V. Sª.  Oeyras do Piauhy 24 de Janeiro de 1790// José Pereira da Silva Manoel// José Roiz Coelho//Sr. Mestre de Campo João Paulo Diniz, Adjunto do gº desta Capitania do Piauhy” (CABACap. L. 152. P. 67/68)

 

Foi um período de pouca operosidade administrativa, em quase nada se diferenciando com a constante permuta de seus membros. A Junta, embora com os mesmos poderes dos governadores, seja pela divisão, intrigas ou desentendimentos entre seus membros, assim como pela carência de reuniões para discutir problemas, pouco fez pelo Piauí. Pode-se dizer que foi um período de quase acefalia administrativa. Odilon Nunes, é de parecer que “a administração pública estagnou-se, e circunscreveu-se, quase exclusivamente, à rotina burocrática”. Para ele não foi tomada “quase nenhuma medida como estímulo às fontes econômicas da Capitania. Tudo como anteriormente” (Pesquisas, p. 128).

Todavia, por questões didáticas pode-se dividir essa fase administrativa em cinco períodos mais ou menos distintos, tomando por base a figura do ouvidor-geral que a presidia, quase sempre preponderando sobre os demais membros: o primeiro período sofreu a influência do ouvidor Antônio José de Moraes Durão, homem vaidoso, prepotente, de personalidade forte e tendência caudilhesca (1775 a 1777); depois se segue uma fase dispersiva, com ouvidores interinos e constantes mudanças, sem um comando preponderante (1778 a 1785); a terceira fase foi caracterizada pela influência do bacharel José Pereira da Silva Manoel (1786 a 1790); um quarto período distinto dessa Junta foi influenciado pelo também bacharel Cristóvão José de Frias Soares Sarmento (1791 a 1794); e, por fim, um quinto e último período de ouvidores interinos, a partir de 1795 até a posse do novo governador em 19 de dezembro de 1797. A seguir ligeiros traços sobre cada um desses períodos administrativos:

 

1ª Fase: O comando do ouvidor Durão (1775 – 1777):

 

A Junta de Governo do Piauí foi instalada sob a influência do Ouvidor-geral Antônio José de Moraes Durão. Era um homem vaidoso e prepotente, tendo se indisposto com diversas pessoas no Piauí, onde chegou em 26 de agosto de 1772. Vinha de Portugal, para assumir a Ouvidoria, que estava sem titular desde vários anos, sendo ocupada por ouvidores interinos. Sobre sua chegada a Oeiras e investidura no cargo de ouvidor, posteriormente, em 16 de outubro de 1772, o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, se reporta ao general do estado:

 

“Ilmo. e Exmo. Sr.

‘Atendendo El Rey Nosso Senhor a falta de Ministro, que se carecia nesta Comarca, foi servido nomear para Ouvidor dela o Bacharel Antônio José de Moraes Durão, cujo chegou nesta cidade em 26 de Agosto do corrente ano.

‘E por me parecer noticiar a V. Exa., da vinda daquele Ministro, assim o faço agora na presente, desejando muito que ele saiba acertar em tudo o que for útil e boa as ministrações da justiça nestes povos, que não conheceram até agora pelos juízes leigos que serviam, por não haver em toda a Capitania quem soubesse os aconselhar com inteireza e igualdades, que sempre é preciso, especialmente neste Certão, aonde muitos dos seus moradores aproveitando-se da liberdade, que lhe facilita, nem por isso os reconheço assistidos da melhor conduta, para viverem quietos e obedientes a quem se achar encarregado de os instruir e governar.

‘Deus g.e a V. Exa.  Oeyras do Piauhy 16 de Outubro de 1772” (CABACap. Livro de correspondência ao general do Estado. P. 8/8v).

 

Portanto, desde agosto de 1772, que o Dr. Antônio José de Moraes Durão, vinha exercendo o cargo de Ouvidor-geral da comarca do Piauí. E nessa qualidade presidiu o governo interino do Piauí por quase três anos. Tomou posse da Junta Trina, perante o Senado da Câmara de Oeiras, em face da ausência do governador Gonçalo de Castro, e da falta de nomeação de substituto. Foi em 2 de janeiro de 1775, conforme se lê no termo lavrado no livro próprio:

 

“Auto de posse que dão o Juiz Presidente e mais oficiais da Câmara desta cidade ao Ilmo. Governo Geral desta Capitania na ausência do Ilmo. gov que foi dela Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, na forma do Alvará de perpetua sucessão como abaixo se declara.

Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos setenta e cinco anos aos dous dias do mês de janeiro do dito ano, nesta cidade de Oeyras do Piauhy em (ilegível) onde se (ilegível) Ilmo. governo geral desta capitania onde se achava o Ouvidor geral Antônio José de Moraes Durão, Tenente Coronel João do Rego Castel Branco e o Capitão mor desta cidade Domingos Barreira de Macedo, vereador mais velho o presente ano, (ilegível) lei o Juiz Presidente Advogado Antônio José de Queiroz, vereadores e procurador da Câmara abaixo assinado comigo escrivão interino para o mesmo ato de darem posse aos sobreditos em (ilegível) tendo se ausentado de tal capitania com licença de V. Mag.e Fidelíssima que Deus Guarde como consta da Carta Régia retro ao Il.mo Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, g.ov que foi da mesma,  lhes tocam a sucessão no mesmo, com igual poder, jurisdição e alçada, na conformidade do Alvará de perpetua sucessão de doze de dezembro de mil setecentos e setenta, em cumprimento do qual o dito Juiz Presidente e mais Officiais da Câmara (ilegível) assinado lhes dão posse a dito governo geral desta capitania em presença das mais pessoas da governança e nobreza que declarada junta assim e na mesma forma que determina o dito Alvará de que forma e teor se procedeu no presente auto que assinaram o ditoso e Il.mo Sr. Gov. Geral, o Juiz Presidente, vereadores e procurador da Câmara e as mais pessoas da governança e nobreza. Eu Luís Pereyra de Mello, Tabelião que o escrevi. Antônio José de Moraes Durão. João do Rego Castelo Branco. Domingos Barreira de Macedo. (ilegível). Caetano ...... O Juiz Ordinário Mª Antº José de ... . O Vereador (ilegível) João José ... . O Ger.os Manoel de Sousa Miz. Pr.or Miguel do Rego ... . Manoel Pinheiro Ozório. (ilegível). João Ferreira de Carvalho. ... Custódio ... . Francisco da Cunha e Sylva de Castello Branco. José Esteves Falcão. Fernando José Velozo de Miranda e Sousa. Antonio José de Sousa. João Leite Pereira Castelo Branco. Francisco da Costa Veloso. (ilegível). D.os C... Braga. Manuel Pacheco Taveira. (ilegível). José Alz. Brandão” (Arquivo Público do Piauí. Livro de Registro de Patentes. pág. 5-6v).

 

Depois de empossados, os novos membros do governo interino se apressam em comunicar esse fato ao general do Estado, conforme se lê:

 

“ILUSTRÍSSIMO E EXMO. Sr. Pela ausência do Ilmo. Gonçalo Lourenço Botelho de Castro/que se retirou para a Corte com licença de S. Mag.e/entramos na interina administração deste governo conforme as Reais ordens do dito senhor o que participamos a V. Exa., para que com as suas sabedorias, digo, suas sábias direções e estimáveis preceitos nos possamos conduzir ao acerto que procuramos exercitar a nossa indefectível obediência como sinceramente desejamos.

‘Nesta mesma ocasião intentamos pôr na presença de V. Exa., os mapas extratos e mais papéis que este Ofício se acha encarregado de remeter todos os anos, mas a falta de alguns parochos nos não permite satisfazer já ao nosso desejo; o que faremos com a maior brevidade em cumprimento das ordens de V. Exa., que Deus Guarde. Oeyras do Piauhy 12 de janeiro de 1775. Antonio José de Moraes Durão. João do Rego Castel Branco. Domingos Barreira de Macedo” (Arquivo Público do Piauí. Livro de correspondência ao general do Estado. P. 37-37v).

 

Da mesma forma, aproveitando o correio para a Corte, em 16 de maio do mesmo ano, comunicam também ao rei D. José, a tomada de posse. Nessa mesma data enviam ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, o rendimento da Fazenda Real no exercício financeiro do ano anterior(1774); e o rendimento do cofre do Fisco Real, acerca das fazendas que foram dos jesuítas. Informam também àquela autoridade, que deixaram de enviar animais para a feira da Bahia, como de costume, por causa da seca que assolava a região.

No plano administrativo, por influência do Ouvidor Durão, foi erroneamente extinto o serviço mensal de correio entre as seis vilas e a capital, criada pelo governador que o antecedeu. Para esse ato ponderaram as seguintes razões:

 

“Da mesma forma, e por evitarmos tudo o que é vexação desta Capitania como é dos principais objetos dos que governam, vamos ponderar a V. Exa.ª  que nos princípios do governo passado se criaram nesta Capitania correios mensais das vilas da mesma para esta cidade com o pretexto/segundo se dizia/de se acudir facilmente onde a necessidade o pedisse e se saber com individuação o que nela passava constrangendo-se para este impróprio serviço os pobres auxiliares que conduziam as bolsas por escala, ocupando-se por ano cento e doze nesta impertinente operação, porém resultando da mesma a morte de alguns afogados em ribeiras, a ausência de outros para se livrarem de semelhante opressão, e os terríveis danos que se tem experimentado tanto nas vinganças a que se abriu larga porta com uns esquisitos Diários que indefectivelmente deviam vir nos dos Correios de todos os Juizes e Comandantes da Capitania conforme o Ofício expedido a todos os sobreditos com a data de sete de maio de mil setecentos e setenta como nas maquinações que se teciam com perturbação de toda a ordem pelas leis estabelecidas, irreparável dano do comum, e administração da justiça nos pareceu se devia fazer cessar a causa de tão gravíssimos prejuízos a exemplo de outras Capitanias em q. também por semelhante espírito se introduziu, e foi logo necessário abolir tão perniciosa invenção ficando somente as participações necessárias dos casos dignos delas, reduzidos ao estado antecessor, e sem Diários, nem correios nesta prejudicialíssima forma estabelecida(...) Oeyras do Piauhy a 4 março de 1775” (CABACap. Liv. 2º de correspondência ao general do Estado).

 

Todavia, apesar desses fracassos, anotou Odilon Nunes, que “logo nos primeiros dias, a rotina foi quebrada, certamente por influência do Ouvidor Durão. A junta oficia aos inspetores das fazendas do fisco, determinando que procedessem a um recenseamento dos gados, casas, currais, chiqueiros, oficinas, escravos, e demais cousas. E também autoriza o plantio de algodão e de outras culturas e ainda a seleção de escravos para aprenderem ofícios de carreiro, seleiro, ferreiro. Por intermédio da Câmara de Oeiras constrange os moradores a plantar em suas roças e fazendas a rica malvácea que começava a enriquecer o Maranhão” (NUNES: 1975:128).

É desse período (1775) um importante relatório sobre a Capitania do Piauí, tratando de diversos aspectos políticos, sociais e econômicos. Segundo esse relatório, das seis vilas criadas no Piauí, somente a de S. João da Parnaíba tem tido aumento, em face do comércio no porto de mar que se lhe introduziu, bem como pelas fábricas e manufaturas que possui. As demais não tiveram qualquer aumento, “conhecendo-se unicamente por vilas em razão de terem Pelourinho, ou um pau cravado na terra a que se deu aquele apelido”.

Com o pouco desenvolvimento do aldeamento de S. João de Sende, dos índios guegués, em 1775, a Junta de Governo aventou a hipótese de transferir esses índios para um novo aldeamento a ser fundado nas férteis terras da foz do rio Poti com o Parnaíba[1]. Também houve a tentativa de os transferir para a margem do riacho Mutum, não tendo sido aceita pelos índios, sob a alegação de que era insalubre. Por fim, em 1778, foi determinada a transferência para o aldeamento de S. Gonçalo de Amarante, dos acoroás, o que foi motivo de revolta, fuga e posterior negociação com as autoridades. Novamente, em dezembro de 1779, o tenente-coronel João do Rego, que era inspetor das duas aldeias, autoriza seu filho Félix do Rego a efetuar a aludida transferência à força, se necessário. E como os guegués não consentiram, fugiu grande número a caminho. Então, houve uma violenta repressão, sendo recapturados todos os fugitivos, presos uns e mortos outros a sangue frio, que tiveram as cabeças cortadas e exibidas na aldeia para aterrorizar os demais, conforme registrou a crônica contemporânea. Em torno do episódio houve devassa, encontrando-se os autos no Arquivo Público do Maranhão[2], conforme informações obtidas. Em 1780, houve fuga dos acoroás de S. Gonçalo de Amarante, insatisfeitos com o assentamento dos guegués em suas terras, e também com o regime de semi-escravidão a que eram submetidos. Mais tarde foram recapturados no termo de Parnaguá. Em 1786, foram transferidos para S. Gonçalo, os últimos guegués que permaneciam em S. João de Sende, cuidando das roças e bens do lugar. E por fim, pôde marchar a aldeia mais ou menos de forma regular. Em 1788, segundo relatório apresentado pelo capitão Francisco Lopes de Sousa, comandante do distrito do Médio-Parnaíba, moravam em S. Gonçalo de Amarante, 175 índios, sendo 98 guegués e 67 acoroás, além de dez cuja nação não foi identificada no relatório, porque se achavam por fora da aldeia. Contudo, apenas 146 índios se encontravam na povoação, e os 29 restantes estavam dispersos pelas fazendas da Capitania.

Sobre os índios ditos bravios, em 1º de agosto de 1776, tem início a guerra contra os pimenteiras, tendo nesta data marchado de Oeiras, uma expedição militar comandada pelo tenente-coronel João do Rego Castelo Branco. E tendo marchado outras comandadas pelo mesmo militar e seus filhos, até o ano de 1784, sem obterem maiores sucessos. Mais tarde essas campanhas vão ser retomadas sob o comando do capitão Ignacio Rodrigues de Miranda que, enfim, em 1790, consegue prender vinte deles, que são preparados para intérpretes dos demais.

Ainda em 20 de dezembro de 1776, o capitão general do Estado do Maranhão e Piauí, Joaquim de Melo e Póvoas, envia instruções ao governo interino do Piauí, sobre a dieta dos doentes do Hospital Militar do Piauí.

Em 9 de março de 1777, a rainha D. Maria I, envia Provisão à Junta de Governo, sobre a proibição das casas de sorte que se encontram estabelecidas na Capitania.

O Ouvidor-geral e membro da Junta de Governo do Piauí, Antônio José de Moraes Durão, envia carta ao rei D. José, datada de 6 de julho de 1777, tratando sobre a venda de fazendas que pertenceram aos jesuítas; e dizendo da má administração que tem sido feita nelas.

Encerrando essa fase, em 13 de dezembro de 1777, os oficiais do Senado da Câmara de Oeiras, solicitam à rainha D. Maria I, a nomeação de um novo ouvidor para o Piauí, em face da prisão do que existia, por ordem do general do Estado. Essa prisão do Dr. Antônio José de Moraes Durão, se dera em face das inúmeras inimizades que ele angariara na Capitania, dado seu temperamento antigregário e pouco afeito ao trabalho em equipe.

Na verdade, esse período foi muito conturbado, porque mal se iniciam os trabalhos do governo interino, seus dois principais membros se desentendem: o Ouvidor Durão e o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco. Ocorre que, o motivo desse desentendimento era anterior à instalação do governo interino. Pouco tempo depois de chegar ao Piauí, aquele Ouvidor entrou em choque com o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, tornando-se seu desafeto. E com a saída deste passou a hostilizar seus amigos e seguidores. João do Rego, era amigo pessoal de Gonçalo Botelho, e assumiu a defesa deste e dos amigos perseguidos face aos impropérios do ouvidor. Então, o relacionamento entre os dois tornou-se insuportável, levando ao isolamento de João do Rego, que por essa razão, mais tarde abandonou os trabalhos no governo. Cumpre lembrar que ambos os contendores eram autoritários. Também os filhos de João do Rego passaram a ser perseguidos, pois o Ouvidor queria tirá-los dos arredores de Oeiras, onde intrigavam contra ele. Assim, o Ajudante Antônio do Rego foi destituído da direção do vizinho aldeamento de S. João de Sende e remetido para a distante vila de S. João da Parnaíba, sob justificativa de disciplinar a tropa local. E o outro filho varão, também Ajudante, Félix do Rego, foi autorizado a abandonar o aldeamento de S. Gonçalo de Amarante, onde se encontrava em companhia do pai, para retornar a Oeiras, onde certamente seria designado para longínqua missão. Ainda, Durão substitui todos os soldados da companhia do T.te-C.el João do Rego, em S. Gonçalo de Amarante, sem lhe ouvir, certamente tirando-lhe os homens de confiança. Parece que temia uma ação violenta e repentina da família Rego, sobretudo dos filhos mais jovens, incomodados com as hostilidades desferidas contra o pai. E, de fato, Félix do Rego, era irascível, violento e orgulhoso de suas façanhas. Tinha verdadeira adoração pelo pai. Também, não aceitava contrariedades. Por diversas vezes, demostrou esse temperamento, bem como a persistência para cumprir seus caprichos nas diligências contra o ameríndio. Fiel ao pai como cão de guarda, relutou em seguir as ordens do Ouvidor Durão, para abandonar o genitor em S. Gonçalo. Então, manipulou os índios para exigirem do governo a sua permanência. Por outro lado, insatisfeito, e ao mesmo tempo sentindo-se fortalecido, porque estrategicamente João do Rego fingia que nada acontecia, que não se incomodava, o Ouvidor escreve ao filho deste, ameaçando a ele e ao pai, com os rigores da lei, no caso de usarem os índios em favor de sua permanência no aldeamento. Fora longe demais o Ouvidor. João do Rego, era o militar mais respeitado da Capitania e um dos mais influentes de toda a colônia. Na metrópole, contava com a solidariedade, dentre outros, do ex-governador Gonçalo Botelho. Assim, agiu nos bastidores e conseguiu do general do Estado, a destituição do cargo, bem como a prisão do Ouvidor-geral Antônio José de Moraes Durão, em 3 de dezembro de 1777, sendo conduzido ao Maranhão em 16 do mesmo mês, e logo mais à Corte. Encerrava-se, assim, uma fase do governo interino. Os Rego retornavam ao poder e agora seriam perseguidos os seguidores do ouvidor Durão. Esse clima de intriga é crescente e chega ao ponto do general do Estado do Maranhão e Piauí, residente em S. Luís, comunicar à Corte que temia uma guerra civil na Capitania subalterna. Mais tarde, até o governador que sucede à Junta, vai se ver envolvido nessa pegajosa teia de intrigas. E tudo surgiu, conforme já dissemos, por desentendimentos entre o Ouvidor Durão e o governador Gonçalo Lourenço Botelho de Castro. E com desdobramentos, foi se aprofundando entre amigos de um e outro, logo mais dividindo os membros da Junta e toda a classe dominante, de forma a envolver até as autoridades reinóis que chegavam ao Piauí. Esses grupos de inimizades pessoais sobrevivem à Capitania, chegam à Província, envolvendo outras famílias que nesta se estabelecem, e a meu ver, vai determinar as duas tendências políticas que fundam partidos provinciais. Assim, na ausência de partidos políticos coloniais a luta político-oligárquica vai se delinear em torno dessas querelas.  

 

2ª Fase: Ouvidores interinos e constantes mudanças (1778 a 1786).

Nessa segunda fase não houve um comando que se destacasse dos demais, embora o ouvidor interino presidisse a Junta Trina de Governo. Inclusive, essa divisão é meramente didática, a fim de analisar com mais clareza esse longo e obscuro período de quase 23 anos. Contudo, nos três primeiros anos dessa segunda fase, predominou a liderança do capitão Fernando José Veloso de Miranda e Souza, militar português chegado à Capitania com o governador João Pereira Caldas. De qualquer forma, os ouvidores interinos foram pessoas de muita credibilidade, como Manoel Pinheiro Ozório (1778), Domingos Barreira de Macedo (1779), Marcos Francisco de Araújo Costa (1780), Antônio Teixeira de Novaes (1780), Domingos Gomes Caminha (1780), João Ferreira de Carvalho (1781), Ignácio Rodrigues de Miranda (1782-1783), Dionísio da Costa Veloso (1785) e José Pereira de Brito (1785).

De qualquer forma, os cinco últimos anos desse período giraram em torno do militar Manoel Pinheiro Ozório, em perfeita sintonia com os ouvidores interinos.

Essa fase foi de violenta intriga entre a classe dominante piauiense, exacerbada com a prisão do Ouvidor Antônio José de Moraes Durão, alívio para uns, preocupação para outros, nesse último caso, principalmente para os que lhe seguiam. Em 23 de fevereiro de 1778, o general do Estado, Joaquim de Melo e Póvoas, responsável pela prisão do ouvidor, envia documentos ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, acerca dos insultos do ouvidor, cotando cartas do então governador Gonçalo Botelho, ao Senado da Câmara de Oeiras, e também ao anterior general do Estado, sobre a conduta daquele. Enviou também os provimentos e capítulos de correição que o ouvidor deixara nos livros daquele Senado, bem como a insinuação de que o então governador Gonçalo Botelho, não deveria tomar o seu lugar entre o Senado e o pálio, nas procissões religiosas, assim como de outros excessos de poder, como extinção dos correios mensais e desvios de dinheiro, razão de sua prisão. Na verdade, o general do Estado não simpatizava com o comportamento do Ouvidor Durão. Então, instigado por João do Rego, que fora desacatado por aquele, e por isso garantia-lhe integral apoio da elite rural piauiense, sobre quem tinha certa predominância e estreito parentesco, efetuou o general do Estado a prisão do ouvidor e, em conseqüência, o afastou do cargo. Essas acusações que lhe eram desferidas, certamente nem todas eram verdadeiras, mas era preciso robustecer as provas contra aquele. Mais tarde diz o referido general do Estado, que a prisão do ouvidor titular e a nomeação do sargento-mor Manoel Pinheiro Osório, para substitui-lo interinamente, colocaram o Piauí em segurança e serviram ainda de exemplo para os ouvidores do Maranhão.

Por esse tempo o capitão Domingos Dias da Silva, abastado comerciante radicado na vila de S. João da Parnaíba, requere licença ao governo interino para comercializar diretamente com a Europa. E obtém a seguinte resposta:

 

“Carta para a Capitão Domingos Dias da Silva.

‘A carta de V.M.ce nos foi presente e da mesma forma o requerimento sobre a pretendida licença para a expedição do Barco Cantofé para a Europa e Corte de Lxª em cujo requerimento deferimos na conformidade das Ordens que achamos de nosso antecessor registradas nesta Secretaria sobre cujo deferimento não podemos adiantar mais circunstância alguma por não acharmos ditamen ou Resolução mais sobre semelhante objeto. Agradecemos muito as absequiosas atenções de V.M.ce e ficamos sempre gostosos em render a V.M.ce as nossas vontades para o que for de agradar a V.M.ce. Deus g.e a V.M.ce muitos anos. Oeyras 29 de novembro de 1778// Manoel Pinheiro Ozório/ Fernando José Velozo de Miranda e Souza/ José Rodrigues de Azevedo// Sr. Domingos Dias da Silva” (Casa Anísio Brito. Códice 151. p. 57).

 

Ainda nesse ano de 1778, uma das preocupações do governo interino do Piauí, era equipar a Companhia de Dragões com armamentos e munições, requerendo-as à Corte. Aliás, sobre a recuperação dessa companhia, em 4 de dezembro de 1780, o governo interino pede ao tenente João Leite Pereira de Castelo Branco, da vila de Valença, que lhe remetesse seis homens de boa estatura, de dezesseis a trinta anos de idade, acerosos de corpo e figura, brancos ou quase brancos, e de suficiente procedimento. Lembra-lhe que deveriam ser retirados daquelas famílias que contassem com mais de um filho (Arquivo Público do Piauí. Códice 151. p. 148/148v). Por aí se observa que a aparência era importante para a composição desse corpo de elite da Capitania. Contudo, em janeiro de 1781, o general do Estado trata com o governo interino do Piauí acerca da extinção da Companhia de Dragões do Piauí, conforme carta régia de D. Maria I, que deveria ser registrada nos livros da secretaria de Governo e da Real Fazenda.

Também requereram nesse período, ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, a criação de um hospício de religiosos capuchinhos na Capitania; e expuseram as dificuldades advindas da falta de padres para a assistência religiosa aos seus habitantes. De fato, desde a expulsão dos jesuítas que o Piauí vinha se ressentindo da presença de religiosos, inclusive nas missões indígenas. Por esse tempo, os católicos da vila de Campo Maior estavam lutando pela construção do templo de S. Antônio de Surubim. E objetivando angariar recursos, os irmãos e confrades da Irmandade de Santo Antônio, solicitam ajuda de custo à rainha, para as obras. Nesse mesmo período, as autoridades se movimentavam para, no termo da vila de Campo Maior, combater uma família de criminosos, apelidada de Mombassas, cujos membros praticavam desordens, espancando, verberando, ferindo, matando, queimando roças e extorquindo gado com sensível dano e escândalo dos bons vassalos.

Em 29 de dezembro de 1779, os oficiais do Senado da Câmara da vila de S. João da Parnaíba, solicitam à rainha D. Maria I, o livre comércio e navegação para o reino, alegando que seria de grande conveniência para o melhoramento da região. Por trás desse pleito está o espírito empreendedor de Domingos Dias da Silva, grande comerciante estabelecido naquela vila. Logo mais, ele solicita passaporte para se deslocar da vila de S. João da Parnaíba diretamente a Lisboa, tratando ainda dos direitos que foi obrigado a pagar no seu regresso, não tendo feito antes por falta de uma Alfândega. Por fim, solicita a criação dessa instituição em face do grande movimento que há no porto daquela vila. Em ofício de 14 de novembro de 1781, o general do Estado informa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar sobre essa pretensão.

E sentindo a já elastecida falta de um governador, assim como de ouvidor para o Piauí, o general do Estado do Maranhão e Piauí, D. Antônio de Sales e Noronha, solicita ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, a nomeação de pessoas para esses cargos, alegando aumento da violência na Capitania subalterna.

Em 23 de outubro de 1781, o general do Estado comunica o governo interino do Piauí, sobre a carta régia de D. Maria I, que determina a criação da Junta da Administração e Arrecadação da Real Fazenda do Estado do Maranhão e Piauí, à qual se encontra sujeita a da Capitania do Piauí, devendo enviar todos os documentos relativos ao rendimento da Junta da Fazenda. Por esse tempo é bom lembrar que as capitanias reunidas do Maranhão e Piauí, formavam um Estado unitário, separado do antigo Estado do Grão-Pará e Maranhão, tendo a primeira Capitania como cabeça do Estado e a segunda como subalterna. Dessa forma, o governador da Capitania do Maranhão, ocupava também o cargo de general do Estado, com jurisdição em sua Capitania e na do Piauí, que possuía seu governador subordinado no aspecto das armas, àquela jurisdição. Ainda nesse ano os moradores da vila de S. João da Parnaíba, solicitam ao general do Estado, a fundação de um convento ou hospício de religiosos capuchos assistidos pelo Convento de Santo Antônio, de São Luís do Maranhão, por se encontrarem muito afastados da Sé. Esclarecem serem necessários o máximo de doze religiosos para o bom andamento das atividades. E a 13 de novembro desse mesmo ano, o general do Estado repassa o pleito ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro. Finalmente, nesse ano o governador e capitão-general do Estado, remete ordens ao governo interino do Piauí, para que o gado piauiense fosse exportado para a cidade do Maranhão, pelo rio Itapecuru abaixo, aonde havia grande falta de carne, e por consequência, compradores certos e pronto pagamento. Para isso ordenou que se procedesse a um criterioso levantamento das fazendas existentes com a quantidade do rebanho e o nome de seus proprietários, a fim de se evitar fraudes, punindo-se os que se recusassem a remetê-los. É que o caminho natural da exportação do rebanho piauiense sempre fora a Bahia, afora o que saia pelo porto de Parnaíba. Como se vê era uma medida coercitiva (Arquivo Público do Piauí. Códice 151. P. 123/123v).

Logo mais, a 23 de novembro do ano de 1783, o governo interino do Piauí, comunica à rainha a falta de Bispo no Maranhão, e o mau procedimento dos eclesiásticos, que não cuidavam de seus deveres religiosos, preocupando-se apenas em adquirir riquezas. Nessa data o novo ouvidor ainda não tinha chegado ao Piauí, razão pela qual o governo interino solicita a nomeação de ouvidor letrado, a fim de coibir os crimes que se praticavam na Capitania, sendo, segundo ele, os ouvidores interinos leigos e ignorantes.

E as atividades vão marchando nesse sentido. É quando no penúltimo bimestre de 1781, foi nomeado novo ouvidor para a comarca do Piauí, Dr. José Pereira da Silva Manoel, que se demora mais de dois anos para assumir de fato as suas funções no Piauí.  

Essa autoridade, ainda na Corte, em novembro do mesmo ano, solicita à rainha D. Maria I, provisões com as mesmas graças que se concederam aos seus antecessores. Esse ouvidor nomeado, ainda na Corte, em março de 1782, solicita à rainha outra provisão para ocupar o cargo de provedor da Real Fazenda do Piauí, como ocorria com seus antecessores. E investindo-se nessas funções, tomou posse em agosto de 1784, nelas permanecendo até dezembro de 1790, por mais de seis anos. Infelizmente, não tardou a envolver-se no clima de intrigas que grassava na Capitania, indispondo-se, inclusive, com o general do Estado. Na verdade, aquela autoridade quase sempre usurpou poderes, às vezes agindo arbitrariamente e arrogando-se de atribuições que não possuía. Nesse período foram arbitrariamente presos diversos homens públicos do Piauí, inclusive membros do governo interino. Desde a fase anterior achavam-se presos em. S. Luís do Maranhão, os poderosos Luís Carlos Pereira de Abreu Bacelar e Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco, ricos fazendeiros e chefes, respectivamente, das vilas de Valença e Campo Maior. Inconformados com essa prisão, expõem ao Conselho Ultramarino o procedimento e a violência com que aquela autoridade, juntamente com o ouvidor do Maranhão, os mantinha presos em segredo há mais de dois anos, bem como a seus criados e escravos, sem sentença e sem processo, negando-lhes os pleitos de livramento que tinham feito. E como solicitaram a liberdade, o Conselho Ultramarino, em 8 de janeiro de 1783, consulta a rainha sobre como proceder. Talvez em decorrência desse pleito, em 23 de maio de 1783, o ouvidor nomeado José Pereira da Silva Manoel, ainda na Corte, é autorizado para assim que chegar à colônia, i.é., à Capitania do Maranhão, tirar uma devassa contra o ouvidor dela, Julião Francisco Xavier da Silva Sequeira Monclaro. Ainda, em 3 de junho do mesmo ano, a rainha expede provisão ao ouvidor do Piauí, para assim que chegar à colônia, libertar o bacharel Miguel Marcelino Veloso e Gama, preso inocentemente no Maranhão. Também aqueles piauienses logo mais foram soltos. Tudo indica que todas essas prisões foram arbitrárias.

Absorvido em sua diligência no Maranhão, somente em 2 de agosto de 1784, o novo ouvidor José Pereira da Silva Manoel, toma posse em seus cargos no Piauí, através de procurador. Porém, só assumiu de fato suas funções no Piauí, em janeiro de 1786.

A fim de se demonstrar o prestígio e reconhecimento que gozava na Capitania o tenente-coronel João do Rego Castelo Branco, antigo membro do governo interino, em 29 de novembro de 1784, os oficiais do Senado da Câmara da vila de Jerumenha, solicitam um prêmio para ele e seus filhos, em reconhecimento pelos relevantes serviços prestados na guerra contra o gentio.

Em 12 de dezembro de 1784, o governo interino do Piauí, ainda ausente o novo ouvidor, comunica o secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, as necessidades mais prementes da Capitania, tais como a falta de sacerdotes, cadeias e tropa paga, solicitando que ordene ao governador e capitão general do Estado do Maranhão e Piauí, José Teles da Silva, que faça uma visita ao Piauí para melhor se inteirar da precária situação local. A 22 de junho do ano seguinte, esta autoridade comunica àquela sobre a viagem que pretende fazer ao Piauí, em atendimento da solicitação. Nesse tempo o governo enfrenta sério atrito com o clero.

A 4 de janeiro de 1785, o governo do Piauí comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, sobre as ordens dadas pelo governador e capitão general do Estado do Maranhão e Piauí, para que os bois das Fazendas do Real Fisco do Piauí fossem vendidos no Maranhão, em vez de irem para a Bahia.

 

3ª Fase: o comando do Ouvidor José Pereira da Silva Manoel (1786 a 1790).

 

Por fim, sob o comando do novo Ouvidor-geral, marcha a justiça e o governo interino do Piauí.

Pouco após a posse de fato daquela autoridade, em 13 de fevereiro de 1786, o general do Estado, participa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, sobre o comércio de carnes e peles praticado na vila de S. João da Parnaíba e sua extensão a Lisboa, razão pela qual se fazia necessária a instalação de uma alfândega no porto local. E o informa também sobre as epidemias que fustigavam a população, em virtude da secagem das carnes. Nesse tempo João Paulo Diniz, lúcido empreendedor, investia no cultivo de tabaco, no termo da mesma vila. Em 1º de junho de 1787, os oficiais da Câmara de Oeiras, comunicam a rainha D. Maria I, a falta de uma casa da Câmara e de uma cadeia pública maior e mais segura, pois a existente permitia a fuga de criminosos. Por outro lado, em 30 desse mesmo mês e ano, o capitão general do Estado, comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, a descoberta de quina nos sertões do Piauí, cuja casca era semelhante à da peruviana existente na Europa, remetendo-lhe amostra. Já em 1789, o Piauí está às voltas com ataques de índios no termo da vila de Parnaguá, e a deserção dos índios aldeados em S. Gonçalo de Amarante, já referida.

Dando sequência às intrigas, em 11 de setembro de 1786, o ouvidor-geral José Pereira da Silva Manoel, informa ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, que o Ajudante dos Auxiliares do Piauí, Antônio do Rego Castelo Branco, filho de João do Rego, era orgulhoso e vingativo, havendo se desentendido com o Bispo do Maranhão, D. Antônio de Pádua. Mais tarde, em 24 de março de 1787, volta à mesma autoridade para informar sobre o mau caráter do mesmo Ajudante, descrevendo o procedimento deste para destituir alguns religiosos e as ações praticadas contra o padre Dionísio José de Aguiar. Nesse tempo o Ajudante Antônio do Rego sustentava uma luta judicial contra o referido padre e outros elementos do clero. E o ouvidor tomara o partido dos religiosos. Em consequência fez-se inimigo de Antônio do Rego, que obteve licença da rainha para ir ao reino, tratar pessoalmente dessa sua querela no Piauí.

Nesse tempo, e por fruto de intrigas, os dois outros membros da Junta de Governo do Piauí, Manoel Pinheiro Osório e Antônio Alves Brandão, foram presos e remetidos para o Maranhão, por ordem do general do Estado, e sem motivo aparente. Então, a fim de não responder sozinho pelo governo interino, o ouvidor José Pereira da Silva Manoel, convoca para substituí-los, enquanto durassem as prisões arbitrárias, o Mestre de Campo João Paulo Diniz e o vereador Agostinho de Sousa Monteiro. Em seguida, a 11 de agosto de 1788, comunica esse ato ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar. A fim de comprovar esse episódio, segue a ata de posse dos substitutos:

 

“Auto de posse. Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil setecentos oitenta e oito anos aos quatro dias do mês de setembro do dito ano na Câmara desta cidade de Oeyras Capitania de Sam Joze do Piauhy, onde por aviso do Doutor Ouvidor geral corregedor da Câmara, e do governo interino da mesma Capitania, foram vindos o Mestre de Campo de Cavalaria Auxiliar, digo, de Cavalaria Ordenança João Paulo Diniz, e o vereador mais velho eleito de Barrete, Agostinho de Sousa Monteiro, e pelo mesmo Ministro José Pereyra da Silva Manoel, foi dito e declarado, que por estar cabalmente informado que o Sargento mor do Regimento Auxiliar Manoel Pinheiro Ozório, e o vereador mais velho Antonio Álvarez Brandão, que em virtude do Alvará perpétua de sucessão de doze de Dezembro de mil setecentos e setenta, por vacância do Governador proprietário desta Capitania servirão com ele dito Ministro com o mesmo puder, jurisdição, e Alçada, que competia ao mesmo Governador (ilegível) depois de serem presos na Câmara desta cidade, e mandados ir debaixo de homenagem, para a do Maranhão, sem se mostrar ordem de sua Mag.e retidos na referida Cidade de Sam Luiz do Maranhão, tudo por ordem do Ilustríssimo e Excelentíssimo Governador e Capitão general destas capitanias Fernando Pereira Leite de Fóios, por motivos que esse dito Ministro ignora: atendendo, e constando-lhe, que a destituição dos referidos Adjuntos dependia de maior demora por participação do mesmo Excelentíssimo governador e Capitão general, ordenando-lhe convocasse novos Adjuntos na forma da mencionada Lei, e que a dita justa, ou injusta detenção produzia impedimento efetivo, por se acharem fora desta Capitania, e por conseqüência sem ação de comando: devendo na conformidade do Alvará citado transmitir-se a jurisdição que lhes competia aos seus sucessores imediatos, que são o Oficial de guerra de maior, e mais antiga patente desta Capitania o Mestre de campo João Paulo Diniz, e o Vereador de Barrete Agostinho de Sousa Monteiro: e sobretudo atendendo, que o espírito do sobredito Alvará compreende a legitimidade do governo, verificando-se a jurisdição nas três pessoas em termos da Lei; que vendo o dito Ministro em tudo ir coerente com as Régias determinações constantes do referido Alvará pelas razões ponderadas e certeza moral que tem de estarem os sobreditos Adjuntos fora desta Capitania, dou posse efetiva e reconheço por legítimos Adjuntos deste governo ao Oficial de guerra de maior e mais antiga patente da Capitania João Paulo Diniz, e o Vereador mais velho Agostinho de Sousa Monteiro, que com efeito tomaram a dita posse na forma e estilo, dada pelo dito Ministro, e mais Oficiais da Câmara abaixo assinados, movidas as justas razões ponderadas debaixo de juramento do seus cargos, protestando em tudo cumprir as ordens de Sua Majestade, e para a todo tempo constar mandou fazer este auto em que assinaram com o dito Ministro, e Adjuntos, eu Manoel Antunes da Assunção, escrivão interino o escrevi. José Pereira da Sª. Manoel. João Paulo Diniz. Agostinho de Sousa Monteiro. Luís Pereira de Miranda. ... Luís Teixeira. Thomaz de Aqº Ozório. João Barbosa de ... Barros. Caetano Cea de Figueredo. Thomé do Rego Monteiro. Luiz P... Ferraz Porto. Antônio José Queiroz” (Arquivo Público do Piauí. Livro de Registro de Patente. pág. 7-8v).

 

Por esse tempo foram presos também os influentes capitães João Leite Pereira Castelo Branco e Manuel Antônio de Torres, todos membros da família Castelo Branco, sendo remetidos para o Maranhão. O mesmo destino teve o novo membro do governo, Mestre de Campo João Paulo Diniz, preso em 1790, todos por ordem do odioso capitão-general do Estado, Fernando Pereira Leite de Fóios. Nesse tempo o governo interino do Piauí recusa reconhecer o procurador fiscal nomeado pela Junta da Fazenda do Maranhão, fato que provoca controvérsia.

Nesse mesmo período, o ouvidor denuncia que testemunhas temem depor contra Antônio do Rego, com medo de vingança. Ao mesmo tempo, se queixa que o estão intrigando contra o aludido general do Estado do Maranhão e Piauí. Com efeito, em 19 de fevereiro de 1789, esta autoridade comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, o espírito de intriga reinante na Capitania do Piauí, e denuncia a má administração do ouvidor-geral José Pereira da Silva Manoel, que segundo ele, tem agido como um déspota. Diz-lhe também acerca das medidas que tem tomado para apaziguar a grave situação piauiense. Nesse ínterim, o Ajudante Antônio do Rego, foi à Corte denunciar seus desafetos. No retorno, temendo represálias do Ouvidor, que prendia arbitrariamente a quem bem entendia, lembra à rainha que era cavaleiro professo na Ordem de Cristo, e que ela passasse ordem àquela autoridade para que se abstivesse de exercer contra ele qualquer jurisdição, ficando, em caso de culpa, submetido ao Bispo do Maranhão, por ser o juiz competente dos cavaleiros. Em resumo, esse período foi muito conturbado, com um grande foco de luta envolvendo o Ouvidor-Geral José Pereira da Silva Manoel e o Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, reeditando, assim, o conflito anterior entre o pai deste último e o Ouvidor Durão. Percebe-se ainda que de uma forma ou de outra a família Castelo Branco, a mais influente do Piauí de antanho, esteve em oposição ao Ouvidor-geral, tendo sido arbitrariamente presos diversos de seus membros. Mais tarde conseguiram a adesão ao seu partido, do general do Estado Fernando Pereira Leite de Fóios, que passou a perseguir o ouvidor, inclusive prendendo os outros dois membros do governo interino, que lhe eram ligados, conforme dissemos acima. Não temos dúvidas de que esses fatos foram preponderantes para a destituição do Ouvidor-geral, mesmo manifestando desejo de permanecer no Piauí, e seu consequente retorno a Portugal, donde viera.

Além dessa mesquinharia, nesse ano o governo retoma a campanha contra os índios chamadas das pimenteiras, estabelecidos no lugar de mesmo nome, nas cabeceiras do rio Piauí. Eram índios desconhecidos, chegados ao Piauí no final de ano de 1769, vindos de Pernambuco. Já haviam sido combatidos pelo tenente-coronel João do Rego. E ninguém conhecia seu idioma, nem mesmo as demais tribos estabelecidas no Piauí. Por essa razão, em 1790, o governo comemorou a captura de vinte membros dessa tribo pelo capitão Ignácio Rodrigues de Miranda, ex-Ouvidor-interino e membro do governo interino. Foram as presas distribuídas pelas casas de moradores de Oeiras, afim de aprenderem o idioma português e, assim, servirem de intérpretes nas campanhas posteriores. A subjugação total dessa nação seria completada no início do século seguinte, durante o governo de Carlos César Burlamaqui.

Um fato significativo acontecido nesse período, foi a nomeação de novo governador para o Piauí, D. Francisco de Eça e Castro, que tentara chegar a Oeiras em 1789, falecendo a caminho, em 15 de setembro desse ano.

 

4ª Fase: o comando do Ouvidor Cristóvão José de Frias Soares Sarmento (1791 a 1794).

 

A quarta fase do governo interino do Piauí, se inaugura com a posse do Ouvidor-geral Cristóvão José Frias Soares Sarmento, natural de Portugal, como os dois outros titulares que o antecederam, e também bacharel por Coimbra. Em meado de 1790, parte de Lisboa em rumo do Piauí, nomeado que fora para os cargos de Ouvidor-geral da Comarca do Piauí, e Provedor da Real Fazenda, que eram anexos. Assim como o antecessor, viera com a incumbência de se deter por algum tempo no Maranhão, a fim de investigar denúncias formuladas contra o juiz de Fora e Órfãos dali, Antônio Pereira dos Santos. Por essa razão, só tomou posse de seus cargos no Piauí, no início de dezembro daquele ano. Por força da lei de sucessão, assume a presidência da Junta Trina de Governo. Por esse tempo, em Portugal, um tal Francisco Agostinho de Melo Lobo e Meneses, tenente do regimento da Armada, solicita à rainha D. Maria I, sua nomeação para o governo do Piauí (23.11.1790), porém nada conseguiu. E não fora o primeiro com essa pretensão, pois poucos meses antes um sargento-mor do Terço Auxiliar de Vila Real, no reino, chamado Francisco Ferreira Nobre de Figueiroa, também solicita à rainha, o mesmo cargo.

Conforme foi demonstrado, o atrabiliário Fernando Pereira Leite de Fóios, governador e capitão-general do Estado, já havia prendido diversas autoridades do Piauí, inclusive os mais diversos adjuntos do governo interino. Pois ainda sustentava renhida contenda contra o Ouvidor-geral que presidia o mesmo governo, José Pereira da Silva Manoel, acusando-o, inclusive, de má gestão da justiça e de coagir testemunhas na devassa que se lhe investigava. Nesse clima, não tarda a acusar o novo Ouvidor do Piauí, de ser influenciado pelo antecessor, enganando-o a respeito do procedimento de algumas pessoas. Na verdade, enquanto o novo Ouvidor desempenhava sua diligência no Maranhão, o Ouvidor Silva Manoel o esperava no Piauí, a fim de repassar-lhe o cargo, não deixando de com ele conviver por alguns dias. Então, lhe recomendou os amigos e o preveniu contra as diatribes do capitão-general. Mesmo indo embora do Piauí contra sua vontade, Silva Manoel cooptou o sucessor para os interesses que defendia. E para desespero do capitão-general Fernando Fóios, em 30 de março de 1791, o Ouvidor Cristóvão José Frias Soares Sarmento comunica à rainha que tirou a residência de seu antecessor e nada encontrou que desabonasse a sua conduta. Ainda elogiou sua gestão e o recomendou como digno de continuar no real serviço.

Em 1792, a Capitania do Piauí sofreu grande seca, recebendo vários moradores, especialmente do Ceará e Pernambuco, onde seu efeito foi mais intenso. Depois de três penosos anos (1791-93), se seguiram anos de forte inverno com grandes inundações.

Por esse tempo o Piauí exportava alguns produtos, inclusive a quina, tendo remetido em 1792, dezessete surrões para o reino. Mais tarde envia esse mesmo produto para o Maranhão, dizendo sê-lo mais abundante nos termos de Marvão, Valença, São João da Parnaíba e Oeiras. Em maio de 1793, chegam a Lisboa vindas da vila de S. João da Parnaíba, no Piauí, três sumacas denominadas N. Sra. da Conceição, Santo Antônio e Almas, conforme ofício do desembargador dos agravos, Antônio Joaquim de Pina Manique ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar. Em 25 de junho desse ano, o Ouvidor-geral comunica ao reino que tem se empenhado para aumentar o rendimento da Real Fazenda e também solicita sua substituição em face de se avizinhar o término de seu tempo de serviço. Logo mais é acusado de desvio de recursos do cofre dos Defuntos e Ausentes. O Juiz de fora do Maranhão, José de Araújo Noronha, que fora mandado para averiguar a denúncia, também é acusado de má conduta nessa diligência, pelo general do Estado. Não sabemos a veracidade dessas acusações contra o Ouvidor do Piauí, todavia desde o início fora vítima de intrigas, o que só aumentava seu desejo de retornar para o reino. E como não conseguira o retorno imediato, fora adoecendo e, finalmente, veio a falecer em agosto de 1795. Por esse tempo, os índios tapacuás agitavam o termo de Parnaguá, sendo combatidos pelo capitão Manuel Ribeiro Soares, que os expulsa para a Capitania de Goiás.

Como parte das intrigas e arbitrariedades praticadas no Piauí, em 1794, fora preso na cadeia do Maranhão, o tesoureiro dos Ausentes do Piauí, Antônio Pereira Nunes. Em seguida, denuncia a vítima à rainha, que sua prisão fora injusta porque apenas cumpria o seu dever de cobrar as dívidas da Real Fazenda do Piauí, atribuindo-a às maquinações do Ajudante Antônio do Rego Castelo Branco, um dos principais devedores. Também Manuel Antônio de Torres, figura influente da Capitania, fora preso nesse ano, remetendo à rainha, em consequência, graves acusações contra seu parente Antônio do Rego Castelo Branco, que estava muito prestigiado nesse período, perseguindo desafetos, segundo as denúncias. Também o responsabiliza por sua prisão.

E assim venceu-se mais uma fase da Junta de Governo do Piauí, a comandada pelo Dr. Cristóvão José de Frias Soares Sarmento.

 

5ª Fase: ouvidores interinos (1795 a 19.12.1797).

 

Conforme foi demonstrado, a Junta de Governo do Piauí, na primeira fase estudada, estimulou o plantio de algodão na Capitania. Novamente, em 1795 entra “em cogitações a obtenção doutros produtos com o propósito de estimular o comércio exterior. Mas as instruções frisavam: sem indústria e trabalho do homem. Seria a depredação da terra, de sua flora, de seu subsolo. Nesse longo período de 22 anos, ou melhor, ao longo de nossa história, até então, foi tudo o que vimos daquilo que se poderia chamar economia política” (NUNES, 1975:128).

Em continuidade administrativa, no ano de 1795, foi anunciada a descoberta de minério de ferro nas serras que ficam à margem do rio Parnaíba, no termo de Jerumenha. Neste ano conclui-se a construção da igreja de N. Sra. das Graças, da vila de S. João da Parnaíba, sendo então transladada a imagem de sua padroeira que se encontrava na matriz de Piracuruca. Ainda em 1796, foi descoberta no termo da vila de Marvão, hoje Castelo do Piauí, uma gruta de pedra em forma de templo, a que os habitantes do lugar dão o nome de Castelo. Algum tempo depois, em 1794, os habitantes da nova povoação da foz do rio Poti, hoje Teresina, iniciam a construção de uma capela sob a invocação de N. Sra. do Amparo, a qual mais tarde passou a servir de matriz. Em 24 de março de 1797, o governador e capitão-general do Estado, D. Fernando Antônio de Noronha, comunica ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o apresamento da sumaca denominada Graça, que se deslocava para a vila de S. João da Parnaíba com vários escravos a bordo, libertando-os.

Segundo o notável historiador Odilon Nunes, nesse “estéril período de 22 anos de governos interinos, passados os primeiros dias, só em 1795 entra novamente em cogitações o descobrimento de outras fontes econômicas no Piauí. Como consequência, colhem-se as primeiras amostras de origem vegetal e mineral, e a Junta Trina Governativa aponta a necessidade de se construírem em cada sede municipal cadeia, casa da câmara, bem como anuncia as providências que já tomara para solucionar o instante reclamo da cousa pública. Com a ajuda particular, na Capital edificava-se sobrado adaptado àquelas conveniências: a obra estava adiantada, pronto seu madeiramento e apostas as primeiras janelas. Pede a criação de novas paróquias, e duma cadeira de primeiras letras em Oeiras, e informa que no Piauí não havia uma única escola, ‘o que fazia a principal causa da rusticidade e ignorância em que se achava sepultada a Capitania’. ‘É quando toma posse D. João de Amorim Pereira” (NUNES, 1975:135). Portanto, essa última fase, apesar de não contar com ouvidor letrado, foi de alguma operosidade administrativa. E assim se finda esse longo período de vinte e três anos, e não de vinte e dois, como geralmente se diz.

 

Conclusão:

Em síntese, durante esses vinte e três anos de governo interino, o Piauí registrou pífio avanço econômico, político e cultural. Aliás, as demais administrações dos governadores não foram tão diferentes, à exceção de uns poucos, entre esses os governos de João Pereira Caldas, o implantador da Capitania, e Carlos César Burlamaqui, cuja luta propiciou seu total desligamento do jugo maranhense. Como em todos os demais governos houve algumas tentativas de melhora, que, infelizmente, barraram frente à burocracia estatal, a falta de interesse da metrópole e as intrigas paroquiais. Também, com o poder dividido entre três membros faltou um comando centralizador que se fizesse impor, tanto frente aos governados quanto aos superiores hierárquicos, de sorte que eram constantemente jogados uns contra os outros, ao sabor de interesses menores. Mesmo alguns ouvidores de personalidade forte, como Durão e Silva Manoel, que se impuseram sobre os demais e até contra o general do Estado, sofreram sérios reveses. Não é sem razão que ambos foram destituídos de suas funções a contragosto, sendo o primeiro preso e remetido à força para o reino, e o segundo, conforme demonstramos, retornou contra sua vontade, tendo, inclusive, pedido para permanecer no exercício de suas funções. Então, o Piauí não avançou administrativamente nesse período, não incrementou sua receita com a descoberta de novas fontes econômicas, ou reforçou as antigas, com o melhoramento da pecuária. O ensino não sofreu alteração substancial. Não se criou novas freguesias ou novas vilas. Enfim, o Piauí não progrediu durante esse estéril período administrativo.

No que se refere à política indigenista, seguiu a mesma linha dos governadores que o antecederam, de combate ao elemento indígena internado nas matas, no caso os pimenteiras, tapacuás e gamelas, esses últimos no Maranhão, porém, sem formação de novos aldeamentos. Aliás, foi extinto o aldeamento de S. João de Sende, com o bárbaro assassinato de diversos índios guegués, a sangue frio, depois de dominados. Então, esse governo interino completou a desastrada política de seus antecessores, de extermínio dos indígenas piauienses. Nesse aspecto, aliás, a Capitania ficou desinfestada, como então se dizia, de forma que os governadores que o sucederam puderam se ocupar de outros problemas. E, sem solução de continuidade, essa luta desigual vai ser retomada com veemência no governo de Carlos César Burlamaqui, dizimando a última nação indígena existente nas matas piauienses, os pimenteiras, das cabeceiras do rio Piauí, no então termo de Oeiras. Assim, muito em breve, com o fim dos indígenas aldeados em Cajueiro e S. Gonçalo, o Piauí vai ser a única província brasileira, isto após a independência, a não ter mais índios. Nesses dois aldeamentos, com a miscigenação, ficou apenas a descendência, que com o tempo foi se descaracterizando, de forma que hoje nenhum descendente se considera mais representante dos nativos.

 

BIBLIOGRAFIA:

NUNES, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. Volume I. Rio: Artenova, 1974.

____________________-

*REGINALDO MIRANDA, advogado e escritor, membro da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI. E-mail: [email protected]

 


[1] Arquivo Público do Piauí. Códice 2. P. 38v-39.

[2] Posteriormente, localizei cópia desses autos no Arquivo Histórico Ultramarino e a publiquei na íntegra, com extenso estudo introdutório.