[Paulo Guiraldelli Jr.]

O filósofo José Arthur Giannotti parece que admitiu o erro, ainda que não explicitamente, de sua análise política quando do dia da vitória de FHC sobre Lula, no primeiro embate entre eles. Naquela época, Giannotti achava que podia mapear a política brasileira através da “teoria do pêndulo”. Era necessário, segundo ele, obedecer às oscilações de um pêndulo que ia da direita associada ao PFL à esquerda interna ao PSDB. Isso era “o possível”. Governar a biga segurando as rédeas desses dois cavalos era, para ele, a maneira de transformar o Brasil sem que se arriscasse a então célebre “necessidade de governabilidade”.

No programa Canal Livre (Band) de 27 de janeiro de 2012, Giannotti seguiu o que falou nas últimas aparições em público, dos últimos meses: nadinha de “teoria do pêndulo”. Aliás, chegou mesmo a quase negá-la, ao menos em parte, quando admitiu que a composição da oposição ao Lula, centrada no PSDB, se tivesse conquistado o governo, não teria disposição de ampliar o número de pessoas no mercado, como o que foi conseguido pela gestão do ex-metalúrgico. Todavia, quando se esperava dele, Giannotti, um salto fora do seu elitismo ingênuo, ele rearticulou o discurso e foi pelo mesmo leito costumeiro.

Isso que chamo de elitismo ingênuo é comum entre determinados setores da esquerda brasileira. Na verdade, é uma idéia conservadora que caberia – e não raro cabe – na boca da direita.

Eis o ponto básico.

Admite-se que os pobres devam consumir e que se amplie a classe média baixa, mas nunca há a aprovação disso, efetivamente, quando do momento em que o consumo ocorre. Os pobres aparecem como os que não sabem lidar com o dinheiro que estão ganhando. Ou seja, a nova classe média, na conta de Giannotti, está consumindo de modo eufórico, não educado. Aliás, segundo ele, essas pessoas deveriam poupar! O modo que Giannotti gostaria que a nova classe média se comportasse é bem curioso: deveria vir já educada para o consumo, de modo a não se endividar nas suas orgias de compras nos shoppings da vida. Essa educação teria já de estar articulada a um desejo adequado por cultura e escolarização. Mas não é isso que ele vê: essa nova classe média, para desgosto dele, subiu para o nível de consumo sem apreço pela cultura mais sofisticada e, pior, sem educação básica. No máximo, esse pessoal quer um diploma antes para subir na carreira já iniciada que para exercer a profissão concedida pelo diploma. Para completar o pensamento torto, Giannotti ainda cita um lugar sem democracia, China, para então elogiar o modelo que esses países estão seguindo no âmbito de seus êxitos educacionais que, então se associam ao desenvolvimento econômico que estão alcançando. Como a revista Veja, Gianotti nem toca no fato de que a China não passa por êxitos no campo da liberdade, o que faz com que duvidemos que valha a pena seguir o que os chineses estão seguindo para obter o desenvolvimento que se diz que estão conseguindo.

Bem, eu até poderia concordar com Giannotti se ele dissesse que o modelo que adotamos no Brasil, que é o de melhoria econômica sem investimento político e econômico na educação, foi forjado a partir de 1985 e endossado plenamente, mais tarde, por FHC e Lula. Eu até acho que, no íntimo, ele, Giannotti, pode mesmo não divergir do que eu penso nesse caso específico – dado que ele deixou o governo FHC por conta de divergências no setor educacional. Mas, publicamente, ele desvia o assunto e faz com que esse modelo de criação de uma nova classe média, que ele chamou de “mixa”,HC seja algo próprio do “estilo Lula”. Aliás, ele diz que nosso desenvolvimento vai “do modo Lula”. Ou seja, que vai, vai mesmo, mas sem a sofisticação de comportamento que ele gostaria de ver para aprovar o figurino de cada novo integrante da nova classe média.

Giannotti não quer admitir que o modelo escolhido por FHC e por Lula (e este até tentou, ao menos no ensino superior, diferir de FHC) é o de exclusiva melhoria econômica, tendo o desenvolvimento social pleno como algo que seria derivado natural disso. No caso de FHC essa opção foi visível, determinada e clara. FHC até brincava, dizendo-se marxista ao fazer isso. Para ele, estabilizada a moeda, tudo iria andar bem naturalmente. Lula, diferentemente, fez política social. Fez isso de um modo mais ou menos populista, todavia, na linha social-democrata que FHC abandonou. Mas também seguiu um raciocínio parecido com seu antecessor: para ele, Lula, o que se tinha de fazer era manter a moeda estabilizada e então ampliar o número de pessoas no âmbito do emprego formal e do consumo, então tudo iria andar bem naturalmente. Lula nunca confessou isso. Mas, na prática, foi o que decidiu fazer de essencial. Nenhum dos dois ex-presidentes se preocupou em associar suas conquistas em desenvolvimento econômico a uma revolução educacional. Os dois, aliás, fizeram do MEC um adendo de campanha política. Bem, nisso tudo lá se foram quase vinte anos e, agora, temos aí um povo que há mais ou menos uns sete anos vem consumindo de modo satisfatório e regularmente, no entanto é uma população que consome de uma forma que faz o nariz de Giannotti ficar torcido.

Eu não torço nariz para consumo de ninguém. Não sou padre ou marxista. Estes sim acham que a sociedade de mercado e o consumo são “o demônio” ou “a alienação”. Talvez Giannotti ainda tenha problemas assim, vindos do seu passado. Eu não. Mas, mesmo que eu pensasse como ele, que a educação é imprescindível para quem está na classe média, eu saberia que o caminho seguido pelo Brasil não foi esse e ainda não é, e não vai ser! Então, a educação da nova classe média vai demorar mais, porque vai ser feita por ela mesma e não por uma deliberação estatal, e em mais de uma geração. Ou seja, não vamos a toque de caixa; vamos do modo como a nossa democracia está podendo ir. A toque de caixa é como a China está indo: sem liberdade de expressão, sem direito de greve, sem política. Ora, eu não quero ir dessa forma. Eu já vi um filme parecido antes. Não gostei.

O que Giannotti pensa é que não pode haver melhoria econômica saudável sem educação. Ora, FHC, Lula e eu mesmo, pensamos diferente dele. Talvez eu até possa, em certos momentos (principalmente no meio de uma aula) pensar um pouco como Giannotti. Seria ótimo que a opção brasileira tivesse sido por um desenvolvimento mais harmonioso. Mas, se for para tê-lo no estilo chinês ou coreano, então eu prefiro ficar com FHC e Lula, que deixaram a sociedade vir a decidir por educação por ela mesma.

Creio que Giannotti está desesperado – como ele pareceu no programa – não só pelo seu elitismo ingênuo, mas pelo seu catastrofismo. Como no Brasil vivemos de ondas, ele imagina que essa melhoria econômica vai acabar. Ele diz, aliás, que já estamos em crise e que nossa indústria está sendo sucateada etc. Então, ele imagina que ou educamos as pessoas agora, no momento de prosperidade, ou então vamos entrar numa crise e essa classe média, uma vez ressentida de perder o poder de compra, e sendo deseducada, poderá ter opções políticas pouco interessantes. Eu duvido! Não acho que a apatia política ou a opção pela direita venham a ser os caminhos do Brasil se tivermos de restringir um pouco o consumo. Ou seja, esse perigo não irá além do que já tivemos de perigos anteriores. Aliás, um desses perigos chegou mesmo ao Palácio do Planalto. Collor se elegeu no ressentimento da falência do Plano Cruzado de Sarney e do PMDB. Mas Collor caiu!

Da minha parte, o catastrofismo é uma bobagem. A crise mundial está aí já faz certo tempo e o Brasil não foi engolido por ela por uma razão simples: a política Lula-Dilma, que é na verdade a política do Ministro Mantega, deu e está dando bons resultados: a sustentação do mercado interno é o que toda economia de uma democracia liberal precisa levar adiante. Ora, se vamos ser um país de grande setor de serviços e não um país totalmente industrial, e se vamos ser um país menos educado que a China, isso importa bem menos para mim. O que importa é que possamos consumir e ter emprego e que cada um de nós tenha liberdade – acho que isso é melhor, do ponto de vista de atingir o objetivo que desejo para todos nós: queremos é ser felizes, não é verdade? A educação poderá vir aos poucos, na medida da necessidade. E ser um país de um grande setor de serviços, não industrial, também não é o fim do mundo e não é sinal de dependência. Assim, do modo que penso, às vezes posso reclamar, mas ficar desesperado e com o nariz eternamente torto, como Giannotti, não é meu caso.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo, escritor e professor da UFRRJ

Post scriptum

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