GABRIELA MISTRAL - O PENSADOR
Rogel samuel
Pois ali, enquanto repete ela, e quatro vezes repete, a voz da
«carne», - «carne sem defesa», carne da cova», «carne que odeia
a morte e tremeu de beleza», «carne sulcada», aquela substância
se opõe ao noturno bronze, à morta matéria, que por duas vezes
no poema tremeu de prazer, de orgasmo, beleza, amor, vida,
daquele homem nu, implantado sobre seu soneto, traduzido por
Manuel Bandeira, sentado no alto daquele pedestal de pedra
sulcada, repassada de seus horrores, seus terrores, seus músculos
sofredores, seus humanos sentimentos - culminando com aquela
figura de bronze de Rodin dos versos de Gabriela Mistral - feita
da ferro e angústia das eróticas fesceninas massas de músculos
contorcidos, o torso se contorce, o nervo falo coberto, a fala cala,
o pensamento pende, e indefeso se exibe, se internaliza, se
outoniza, no bronze se consome, se mata, se traspassa, de verdade,
de rudeza, de certeza e tristeza:
«carne», - «carne sem defesa», carne da cova», «carne que odeia
a morte e tremeu de beleza», «carne sulcada», aquela substância
se opõe ao noturno bronze, à morta matéria, que por duas vezes
no poema tremeu de prazer, de orgasmo, beleza, amor, vida,
daquele homem nu, implantado sobre seu soneto, traduzido por
Manuel Bandeira, sentado no alto daquele pedestal de pedra
sulcada, repassada de seus horrores, seus terrores, seus músculos
sofredores, seus humanos sentimentos - culminando com aquela
figura de bronze de Rodin dos versos de Gabriela Mistral - feita
da ferro e angústia das eróticas fesceninas massas de músculos
contorcidos, o torso se contorce, o nervo falo coberto, a fala cala,
o pensamento pende, e indefeso se exibe, se internaliza, se
outoniza, no bronze se consome, se mata, se traspassa, de verdade,
de rudeza, de certeza e tristeza:
"Apoiando na mão rugosa o queixo fino,
O Pensador reflete que é carne sem defesa:
Carne da cova, nua em face do destino,
Carne que odeia a morte e tremeu de beleza.
E tremeu de amor toda a primavera ardente,
E hoje, no outono, afoga-se em verdade e tristeza.
O "havemos de morrer" passa-lhe pela mente
Quando no bronze cai a noturna escureza.
E na angústia seus músculos se fendem sofredores.
Sua carne sulcada enche-se de terrores,
Fende-se, como a folha de outono, ao Senhor forte
Que o reclama nos bronzes. Não há árvore torcida
Pelo sol na planície, nem leão de anca ferida,
Crispados como este homem que medita na morte."
O Pensador reflete que é carne sem defesa:
Carne da cova, nua em face do destino,
Carne que odeia a morte e tremeu de beleza.
E tremeu de amor toda a primavera ardente,
E hoje, no outono, afoga-se em verdade e tristeza.
O "havemos de morrer" passa-lhe pela mente
Quando no bronze cai a noturna escureza.
E na angústia seus músculos se fendem sofredores.
Sua carne sulcada enche-se de terrores,
Fende-se, como a folha de outono, ao Senhor forte
Que o reclama nos bronzes. Não há árvore torcida
Pelo sol na planície, nem leão de anca ferida,
Crispados como este homem que medita na morte."
É estátua mas, Gabriela Mistral insiste, de homem, de gente,
de «carne», que o reclama no vivo bronze.
de «carne», que o reclama no vivo bronze.
É imagem triste, ou antes, entristecida, entretecida,
mergulhada na sua tristeza intestina.
É escultura masculina, ou seja, de homem escultural, mas já
envelhecido por vistos femininos olhos de mulher, que o «vêem»
como o que se passa em sua mente que mente, ou melhor, se
exteriora, só para ela, se encarna: másculos músculos se fendem
em folhas de outono, mãos crispadas rugosas de árvore torcida
«em face do destino», anca de leão eriçado e ferido.
Gabriela Mistral o transforma no Amado sem defesa,
submetido ao Amor da Primavera ardente, ao Senhor forte, - ela
o ama porque o vê tão triste, e o sabe indefeso e afogado na
verdade de sua lembrança dele da Amada vaga, quem sabe
tristeza apensada destino imóvel fixidez vocabular forma fixa do
soneto, na casa do soneto onde vive, na casaca da forma e fôrma
em que criado foi, cristalizado, anelizado.
Ele o Amado que encontra em transe e em museu, já morto
sarcófago, múmia, mas vivíssimo, que não é um poema, mas
interpretação fenomenológica a dela, encontro estético, e todo
encontro de amar deve ser, e preso ao orgasmo torneado noturno
e escuro daquele ser fixo e submisso à forja morta em fogo
formado na tensão explosiva de estertor e prestes a se levantar em
fúria e ira, a se erguer da sua meditação mortal em revolta,
revolução do condenado à materialidade que ejacula na
conquistar, abraçar o ente, o vivente, petrificado, congelado,
existente, apossado porém ainda logo a se contorcer na libertação
do seu invólucro de ser de imóvel estatuária fixa fria frígida
tumular e plana.
Pois tudo aquilo está aberto ali, em perigoso mistério que
treme, freme, geme, o másculo músculo se fixando e torce, o pênis
que vibra, a pele se dilata e estica, e a respiração embora contida
se pode pressentir naquele varão muito vivo e muito tido, muito
mais intensamente vivo e ativo do que se pode esperar de um ser
feito de bronze, na intensa materialidade de arame árvore
retorcida e barroca, massa que guarda da carne a articulação e o
sentir, pulsação em puro sangue humano e no tormentoso
esplendor do amor, da dor, do prazer, do desejo do seu prazer ali
contido, comprimido, explosivo.
O Pensador reclama ter de morrer em metal, reclama do
seu, da nudez de seu destino de congelado gozo, de se expor assim
nu para todos e não só para ela, e Gabriela Mistral o captou em
sua completa e elétrica e interna e febril concretude de cimento
armado pelo pulsar do músculo macho que quente sêmen freme
escondido, enquanto medita no pleno acontecimento da sua
obscura e incompleta morte.
mergulhada na sua tristeza intestina.
É escultura masculina, ou seja, de homem escultural, mas já
envelhecido por vistos femininos olhos de mulher, que o «vêem»
como o que se passa em sua mente que mente, ou melhor, se
exteriora, só para ela, se encarna: másculos músculos se fendem
em folhas de outono, mãos crispadas rugosas de árvore torcida
«em face do destino», anca de leão eriçado e ferido.
Gabriela Mistral o transforma no Amado sem defesa,
submetido ao Amor da Primavera ardente, ao Senhor forte, - ela
o ama porque o vê tão triste, e o sabe indefeso e afogado na
verdade de sua lembrança dele da Amada vaga, quem sabe
tristeza apensada destino imóvel fixidez vocabular forma fixa do
soneto, na casa do soneto onde vive, na casaca da forma e fôrma
em que criado foi, cristalizado, anelizado.
Ele o Amado que encontra em transe e em museu, já morto
sarcófago, múmia, mas vivíssimo, que não é um poema, mas
interpretação fenomenológica a dela, encontro estético, e todo
encontro de amar deve ser, e preso ao orgasmo torneado noturno
e escuro daquele ser fixo e submisso à forja morta em fogo
formado na tensão explosiva de estertor e prestes a se levantar em
fúria e ira, a se erguer da sua meditação mortal em revolta,
revolução do condenado à materialidade que ejacula na
conquistar, abraçar o ente, o vivente, petrificado, congelado,
existente, apossado porém ainda logo a se contorcer na libertação
do seu invólucro de ser de imóvel estatuária fixa fria frígida
tumular e plana.
Pois tudo aquilo está aberto ali, em perigoso mistério que
treme, freme, geme, o másculo músculo se fixando e torce, o pênis
que vibra, a pele se dilata e estica, e a respiração embora contida
se pode pressentir naquele varão muito vivo e muito tido, muito
mais intensamente vivo e ativo do que se pode esperar de um ser
feito de bronze, na intensa materialidade de arame árvore
retorcida e barroca, massa que guarda da carne a articulação e o
sentir, pulsação em puro sangue humano e no tormentoso
esplendor do amor, da dor, do prazer, do desejo do seu prazer ali
contido, comprimido, explosivo.
O Pensador reclama ter de morrer em metal, reclama do
seu, da nudez de seu destino de congelado gozo, de se expor assim
nu para todos e não só para ela, e Gabriela Mistral o captou em
sua completa e elétrica e interna e febril concretude de cimento
armado pelo pulsar do músculo macho que quente sêmen freme
escondido, enquanto medita no pleno acontecimento da sua
obscura e incompleta morte.