Futebol e pensamento mágico
Em: 27/07/2010, às 06H46
Bráulio Tavares
Uma Copa do Mundo sempre traz de volta a qualquer torcedor uma reincidência do pensamento mágico. Como dizia Freud em O Estranho, somos ainda vítimas da concepção animista do Universo, de que o Universo não apenas pensa mas é também capaz de ler os meus pensamentos, e, melhor ainda, obedecer a eles. Freud chama a isto “a supervalorização narcisista dos próprios processos mentais”, gerando a idéia de que o Universo obedece aos meus desejos. Ele pode de início ser recalcitrante, resiste um pouco, etc., mas se eu for persistente e enérgico acabarei dobrando-o à minha vontade.
Nada como o clima vertiginosamente irracional de um jogo de futebol para fazer idéias desse tipo despertarem em nossa mente com toda a força pré-histórica de algo que foi enterrado sem estar morto. Por exemplo: houve uma época em que durante um jogo do Brasil eu ia ao banheiro de cinco em cinco minutos, porque no primeiro jogo da Copa, que estava emperrado num 0x0, o gol só saiu quando eu saí da sala para “tirar água do joelho”. Daí em diante, cada vez que o Brasil pegava na bola eu corria para o WC. Nada acontecia e eu achava que estava faltando realismo. Passava a tomar latas e mais latas de cerveja para que o ritual fosse cumprido à risca. A incidência estatística de minhas idas ao banheiro era tal que, uma ou outra vez, acabava coincidindo com outro gol, o que me dava a certeza científica do processo.
A certeza científica muitas vezes é fundada em coincidências, mas coincidências tão precisas que justificam uma tomada de posição. Se cada vez que minhas juntas doem acontece chuva pouco tempo depois, quem me impede de considerar que existe uma relação de causa e efeito embutida nesse processo? Não digo que a dor das juntas seja causa da chuva; basta-me supor que alguma ocorrência barométrica produz os dois fenômenos. Já falei aqui sobre o vício filosófico apelidado de “postoquismo”, o que se baseia na frase “post hoc, ergo propter hoc” – “se aconteceu depois disso, aconteceu por causa disso”. Dois fatos que se sucedem, mesmo que se sucedam várias vezes, não criam necessariamente uma relação causal. No futebol, um exemplo clássico é o de Carlito Rocha, folclórico diretor do Botafogo do Rio, e extremamente supersticioso. Um dia, pouco antes de um jogo decisivo, Carlito estava no vestiário do time e viu um jogador fazer xixi acidentalmente na perna do outro, quando estavam de pé no mictório. Como a “vítima” acabou fazendo nesse dia o gol da vitória, Carlito exigiu que todas as vezes o ritual do xixi fosse repetido. Postoquismo puro. Se o fato ocorre com um goleador de verdade, cada nova ocorrência serve de prova para o pensamento mágico de Carlito.
Um dos mandamentos do pensamento mágico é: não anuncie o que vai fazer, se não dá azar. Preocupado com meus rituais supersticiosos, deixei para publicar esta coluna depois da Copa, porque se a tivesse publicado antes corria o risco do Brasil não ganhar o hexa.