Fulana de tal
Por Antônio Francisco Sousa Em: 02/02/2006, às 22H00
Foi longo o percurso. Precisavas mesmo descansar.
Antes daquele primeiro sono no novo mundo, sentiste necessidade de algo que nunca te faltara: alimento. Ah! Não. Mamãe, a teu lado, tirava um pequeno cochilo, preparando-se para a maratona que adviria. Precisavas chamar-lhe a atenção. Que fazer, então? Chorar? Boa idéia. Quem sabe aquilo, doravante, não se convertesse num código a ser utilizado sempre que te sentisse faminta, sozinha ou descontente com alguma coisa?
Deu certo: sucesso total. A goela, temporariamente, garantiria teu sustento e aconchego.
Com o passar dos dias, muitos outros rostos passaram sob teu crivo. Dos que gostavas davas mostras disso, sorrindo para seu dono; daqueles que não ias com a cara, um bom choro resolvia tudo: afastavam-se de ti rapidamente ou te devolviam aos pais. A alguns deste novas oportunidades, aceitando-lhes a amizade; a outros, não: eram insuportáveis.
Percebeste, sem muito esforço, um fato: como eram bobos teus pais. Viviam querendo adivinhar teus pensamentos. Ainda não te decidiras de quem gostavas mais. Para que pressa? Se tudo transcorria, maravilhosamente bem, melhor não mudar nada; até porque se tratava de uma decisão muito difícil para uma fulaninha como tu.
Desde o início apareceram umas figuras, não tão jovens quanto teus pais, mas com eles muito parecidas. Chamavam-se vovôs. Esses eram ainda mais tolos que aqueles. A partir da primeira visita começaria a farra de presentes. Tudo queriam levar para ti. Mais adiante, se julgasses conveniente, dir-lhes-ias para pararem com aquilo...Ou não. Eles só ficavam tristes quando, ao te darem algo novo ou de novo, não retribuías a gentileza com um sorriso. Tudo bem, minha gente, acontece que há presente que, às vezes, é um saco!
Quando mamãe ou papai precisava sair, a princípio, foram os avôs que te fizeram companhia e se revezaram nos cuidados contigo. Em outras circunstâncias ficaste com alguém muito simpático que te tratava legal, mas sem os afagos carinhosos que estavas habituada a ter. Não que essa criatura te maltratasse. Parecia apenas querer te fazer ciente de que, além de flores, haveria também espinhos à tua frente. Que o mundo que ainda não conhecias, poderia ser muito ruim. Por que, então, teus pais te tratavam diferentemente? Ah! Eles se achavam capazes de defender-te contra todo mal. Verdade? Muitas vezes tu te espantaste com barulhos inusitados vindos de lugares estranhos e eles não estavam a teu lado. Não raro, porém, ao te colocarem no colo ou te acariciarem, percebias que, mesmo que não pudessem estar o tempo todo contigo, jamais te deixariam desprotegida. Aonde quer que estivessem, era em ti que pensavam, por ti é que lutavam; afinal te puseram num lugar cujas regras, nem sempre, obedecem aos nossos controles.
O certo é que não demoraria e terias que enfrentar tudo de frente. Quanto mais forte fosses, melhor. Ganhar confiança era uma das etapas de tua aprendizagem; fazer-se confiável e boa, outra.
O tempo diria se aprenderas bem as lições e os ensinamentos recebidos.
Enquanto isso não acontecia, por que se preocupar? Era deixar a vida te levar como lhe aprouvesse. Quando tivesses discernimento suficiente pedirias a Deus, dentre outras coisas, muita saúde, principalmente, para teus pais. Talvez, antes disso, viesses a descobrir algo muito importante: que não precisarias fazer nada, uma vez que o Grande Pai, bom como é, sabendo do que todos necessitamos, dá-nos.
Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal e escritor piauiense