Igreja paroquial de N. Sra. da Encarnação
Igreja paroquial de N. Sra. da Encarnação

Reginaldo Miranda[1]

A freguesia de São Domingos da Fanga da Fé, situada no distrito de Lisboa, de cuja cidade dista sete léguas, completa no corrente ano quatro séculos de existência, criada que fora no recuado ano de 1622, desmembrada de São Tiago de Torres Vedras.

Tem sua origem numa propriedade rural da coroa, a Quinta da Rainha, também conhecida por Quinta de Fanga da Fé, doada pelo rei D. Dinis, à rainha D. Isabel de Aragão[2], em 1298. Em 21 de outubro de 1468, foi aforada pelo rei D. Afonso V, a Rui Gomes de Carvalhosa[3].  Com o tempo sobressai uma movimentação religiosa na capela erigida desde antes de 1542, em louvor ao orago São Domingos, transformada em freguesia no ano de 1622, sob a invocação de São Domingos da Fanga da Fé. Essa capela, “edificada em campo plano junto a um rio que não tem corrente senão pelo inverno”, “tinha quatro altares, a saber: Capela Maior, aonde estava colocada a imagem do Santo Padroeiro; nos três colaterais se venerava em um de N. Senhora do Rosário e em outro S. Marcos Evangelista e em outro São Miguel e Almas, de cuja irmandade é o dito altar”[4]. Certamente, recebeu essa denominação porque além da devoção ao taumaturgo também existia local onde se media e/ou vendia cereais. Segundo os dicionários, fanga significa medida de cereais equivalente a quatro alqueires; lugar onde se vendiam cereais por estiva; arrendamento por medidas; enfim, porção de terra arável que leva quatro alqueires de semente.

No entanto, sendo arruinada a capela no terramoto 1º de novembro de 1755, mudou-se a sede da freguesia para a vizinha capela de Nossa Senhora da Encarnação, para lá levando-se “as imagens e mais fábricas da igreja”. Encarnação tem sua origem em outra propriedade rural denominada Giral Picanço, morgado instituído no século XIV por D. Miguel Lobato, de que se originou a Quinta da Lobagueira (1309), depois denominada Lobagueira dos Lobato e, por fim, Encarnação.

Na Memória Paroquial elaborada pelo padre Antônio Bernardes, em 1758, em resposta ao Inquérito promovido pelo Marquês de Pombal, após o referido terramoto, a freguesia constava “de seis lugares que vêm a saber: Lobagueira, que consta de sessenta vizinhos ou moradores; Azenhas dos Tanoeiros, que consta de vinte moradores; Barril, que consta de quarenta moradores; Quinta da Fanga da Fé consta de cinco vizinhos; Galiza consta de três vizinhos e Santa Suzana consta de cinco moradores”. O restante da população, eminentemente rural, encontrava-se dispersa em pequenos sítios. Ao todo eram 178 fogos, onde moravam 673 habitantes, sendo 598 adultos e 75 crianças. Possuía a freguesia quatro ermidas, sendo uma no lugar da Lobagueira, outra em Azenhas dos Tanoeiros e duas no lugar Barril. Sobre a atividade religiosa naquele período, anotou o referido cura: “Em vários dias do ano recorrem a esta ermida de N. Senhora da Encarnação, vários devotos principalmente em o segundo domingo de julho, o círio da vila de mares; em o segundo domingo de agosto, o círio da freguesia de Alcabideche; em o quarto domingo de agosto, o círio de velas; em o segundo domingo de setembro concorrem sete círios, a saber: da Lourinhã, Sintra, S. Pedro de Penaferrim, S. Domingos de Rana, S. Domingos dos Cramoins, S. Pedro de Dois Portos e Sapataria; em o quarto domingo do dito mês o círio de Mamede da Ventosa; em o segundo domingo de outubro concorrem três círios: Mafra, Igreja Nova e Belas”.

Na sede paroquial, desde então situada no lugar da Lobagueira, existiam duas feiras francas, por provisão real, sendo uma no segundo domingo e segunda-feira do mês de setembro; e outra no segundo domingo e segunda-feira de outubro, na qual se vendia todo o gênero de fazenda.

O território da freguesia, com área de 2.848 hectares, produz vinho, trigo, milho e cevada, que é sua base econômica. Esse território sujeitava-se ao senado da câmara da vila de Torres Vedras. No entanto, com a reforma administrativa de 24 de outubro de 1855, a freguesia de São Domingos da Fanga da Fé, vulgo Encarnação, passou definitivamente a pertencer ao concelho de Mafra, sendo desanexada de Torres Vedras.

É uma freguesia pequena, com população eminentemente rural, mas que representou saliente papel no processo de colonização da América, tendo mandado muitos de seus filhos para o Brasil. Entre seus filhos mais ilustres, pode-se citar os ricos sesmeiros Domingos Afonso Sertão e Julião Afonso Serra, naturais do Casal da Serra.

 

 


[1] Advogado e escritor. Membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí.

[2] Infanta de Aragão e rainha de Portugal, nasceu em 1271 e faleceu em 1336. Em 25 de maio de 1625, foi santificada pelo papa Urbano VIII.

[3] PT/TT/VNC/D/1902. Viscondes de Vila Nova de Cerveira, cx. 19, n.º 2.

[4] PT/TT/MPRQ/15/18. Memórias paroquiais, vol. 15, nº 18, p. 91 a 94.