Fragmento de Herta Muller
Em: 12/10/2009, às 03H02
Fragmento de Herta Muller
Rogel Samuel
Li hoje agora um fragmento de Herta Muller em português em espanhol e penso que a tradução espanhola está melhor. Herta faz um tipo de poesia em prosa, ou o contrário. Ensaio uma tradução do espanhol, mas não concluo, assim:
"Em torno do monumento dos caídos cresceram rosas. Formaram um matagal espesso, asfixia a herva. Flores brancas e miudas, enrugadas, como papel. Sonoras. Amanhece, logo será dia.
Toda manhã, quando percorre o seu caminho solitário até o moinho, Windisch calcula que dia é aquele. Em frente ao monumento dos caídos calcula os anos..."
A cova
Há roseiras em volta do monumento aos combatentes. Transformaram-se em matagal.
Tão emaranhadas que asfixiam as ervas. Dão rosas brancas, pequenas e amarrotadas como papel. Rumorejam. Começa a amanhecer. Em breve será dia.
Todas as manhãs, no seu caminho solitário em direcção à azenha, Windisch regista o dia que começa. Em frente ao monumento aos combatentes, conta os anos. Mais adiante,
junto ao primeiro choupo onde a bicicleta passa sempre pela mesma cova, conta os dias.
E à noite, quando fecha a porta da azenha, Windisch conta de novo os anos e os dias.
Lá de longe vê as pequenas rosas brancas, o monumento aos combatentes e o choupo. E, se há nevoeiro, ao passar de bicicleta o branco das rosas e o branco da pedra estão ali mesmo à sua frente. Windisch atravessa o nevoeiro. Windisch tem o rosto húmido e segue até chegar à azenha. Por duas vezes as roseiras mostraram os espinhos nus e as ervas rasteiras tiveram a cor da ferrugem. Por duas vezes o choupo esteve tão despido que as hastes ameaçavam quebrar-se. Por duas vezes a neve cobriu os caminhos.
Windisch conta dois anos junto ao monumento aos combatentes e duzentos e vinte e um dias ao transpôr a cova ao pé do choupo.
Todos os dias, ao passar a cova, Windisch pensa: “O fim está próximo.” Desde que pensou em emigrar, Windisch vê o fim por toda a parte na aldeia. E o tempo que parou para todos os que querem ficar. E que o guarda-nocturno para ali vai ficar, para além do fim, segundo lhe parece.
E depois de ter contado duzentos e vinte e um dias e ter sido sacudido ao passar a cova, Windisch desmonta pela primeira vez. Encosta a bicicleta ao choupo. Os seus passos fazem barulho. No jardim da igreja esvoaçam pombos bravos. São cinzentos como a luz. Só o ruído os torna diferentes.
Windisch faz o sinal da cruz. O batente da porta está molhado. Fica-lhe colado à mão. A porta da igreja está trancada. E Santo António está do outro lado da parede. Segura nas mãos um lírio branco e um livro castanho. Está encerrado.
Windisch sente frio. Olha ao longo da rua. Onde a rua acaba, irrompem as ervas na aldeia. Lá ao fundo segue um homem. O homem é um risco negro que segue por entre as plantas. As ervas pujantes fazem-no pairar sobre a Terra.
[in O Homem é um Grande Faisão Sobre a Terra, tradução de Maria Antonieta C. Mendonça, Cotovia, 1993]
http://bibliotecariodebabel.com/excertos/quatro-fragmentos-de-herta-muller/
EL BACHE
En torno al monumento a los caídos han crecido rosas. Forman un matorral tan espeso que asfixian la hierba. Son flores blancas y menudas, enrolladas como papel. Y crujen. Estás amaneciendo. Pronto será de día.
Cada mañana, cuando recorre en solitario la carretera que lleva al molino, Windisch cuenta qué día es. Frente al monumento a los caídos cuenta los años. Detrás de él, junto al primer álamo donde su bicicleta cae siempre en el mismo bache, cuenta los días. Por la tarde, cuando cierra el molino, Windisch vuelve a contar los días y los años.
Ve de lejos las pequeñas rosas blancas, el monumento a los caídos y el álamo. Y los días de niebla tienen el blanco de las rosas y el blanco de la piedra muy pegados a él cuando pasa pedaleando por en medio. La cara se le humedece y él pedalea hasta llegar. Dos veces se quedó en pura espina el matorral de rosas, y la mala hierba, debajo, parecía aherrumbrada. Dos veces se quedó el álamo tan pelado que su madera estuvo a punto de resquebrajarse. Dos veces hubo nieve en los caminos.
Windisch cuenta dos años frente al monumento a los caídos, y doscientos veintiún días en el bache, junto al álamo.
Cada día, al ser remecido por el bache, Windisch piensa: “El final está aquí”. Desde que se propuso emigrar ve el final en todos los rincones del pueblo. Y el tiempo detenido para los que quieren quedarse. Y Windisch ve que el guardián nocturno se quedará ahí hasta más allá del final.
Y tras haber contado doscientos veintiún días y ser remecido por el bache, Windisch se apea por primera vez. Apoya la bicicleta contra el álamo, sus pasos resuenan. Del jardín de la iglesia alzan el vuelo unas palomas silvestres. Son grises como la luz. Sólo el ruido permite diferenciarlas.
Windisch se santigua. El picaporte está húmedo. Se le pega en la mano. La puerta de la iglesia está cerrada con llave. San Antonio está al otro lado de la pared. Tiene un lirio blanco y un libro marrón en la mano. Lo han encerrado.
Windisch siente frío. Mira a lo lejos. Donde acaba la carretera, las olas de hierba se quiebran sobre el pueblo. Allí al final camina un hombre. El hombre es un hilo negro que se interna entre las plantas. Las olas de hierba lo levantan por encima del suelo.
Pertenece a El hombre es un gran faisán en el mundo. Editado por Siruela, 1992. La traducción es Juan José del Solar y el texto está tomado de El Cultural.es
http://elestablodepegaso.blogspot.com/