Foucault, hoje
Em: 19/11/2013, às 05H52
ROGEL SAMUEL - especial para Entretextos
O livrinho delicioso de Blandine Kriegel, "Michel Foucault aujourd´hui", publicado em Paris, em agosto deste ano, delineia um panorama do pensamento francês dos últimos anos, principalmente da filosofia dos anos 60, já que, para ela, Foucault representava a "encarnação de toda a filosofia dos anos 60".
Somente dois colaboradores ele teve: ela mesma e François Ewald. Ela foi a única pesquisadora, no laboratório de Foucault, no Colège de France. Mas nega ela ter sido sua "discípula". E também nega que haja ou tenha havido uma herança de Foucault. O "príncipe dos filósofos franceses" teve colaboradores, alunos e amigos, mas se recusava a ter "discípulos". Escreve Blandine: "Ele não considerava sua obra um patrimônio mas um objeto único ligado a condições particulares de temperatura e pressão... Foucault era e sabia ser insubstituível". Não teve continuadores.
Vinte anos depois de sua morte, o livro apresenta três aspectos: o filósofo, o artista e o político.
Do filósofo Foucault se define por uma citação da autora: "Há muito tempo que se sabe que o papel da filosofia não é descobrir o que está escondido, mas de tornar legível o que precisamente é visível, isto é, o de fazer aparecer o que está próximo, o que é imediato, o que é tão iminentemente ligado a nós mesmos que não o percebemos" (1978). Aqui não podemos senão dizer que seu método fenomenológico estava impregnado da filosofia de Nietzsche e de uma espécie de arqueologia, da filosofia das práticas discursivas.
Foucault não se considerava um artista. Escreveu: "Um artista? Quando eu era adolescente nunca pensei em tornar-me um escritor. Quando um livro é uma obra de arte, é alguma coisa importante... Eu não sou um artista, e não sou um cientista... Pratico uma espécie de ficção histórica. De uma certa maneira, sei muito bem que o que digo não é verdadeiro... Minha esperança é que meus livros ganhem sua verdade depois de escritos" (1979). Escrever para ele era a "a restituição do discurso". Um dos maiores escritores de seu tempo, a sua estética era a da abstração, ele mergulhava numa série de abstrações, de subjetividades fenomenológicas - seu objeto eram as "práticas discursivas" que afiguram o mundo "sob o aspecto da transformação que operam" - o discurso é o mundo, o discurso-mundo que deve ser compreendido através de certos momentos, seqüências, rupturas, descontinuidades, que contêm a marca da sedimentação do tempo. Por isso, ele era um grande erudito, seu método exigia ler TUDO a respeito do que pesquisava: para escrever "O nascimento da clínica", por exemplo, ele leu todas as obras de medicina importantes publicadas no período de 1780-1810. Era o primeiro que chegava na Biblioteca Nacional e o último que dali saía. E dotado de uma surpreendente memória, conforme se lê em Didier Eribon, "Michel Foucault".
A política de Foucault se voltava contra o poder da sociedade, o poder de dominar, disciplinar os indivíduos pelo sistema de palavras e normas, o poder do Estado que se esconde num micro-poder ramificado no tecido social, que encontra suas tramas do tecido das relações inter-pessoais. Em 1953 foi quase expulso do PCF por causa de sua homossexualidade - foi Althusser quem o disse -. Escreveu a favor dos presos, dos loucos, dos homossexuais através de descrições, teorizações incessantes - "eu trabalho feito um louco", disse - combatendo a medicina, a psiquiatria, a arquitetura que organizavam aqueles sistemas de poder, combatendo também Freud e Marx - considerados como expressões das grandes instituições da sociedade industrial produtoras de saber. Foucault era assim uma espécie de romântico muito próximo de Victor Hugo - manifestava-se sempre a favor da dignidade do homem, do homem individual, onde quer que estivesse em suas longas viagens. Ele chegou a ficar uma semana no Irã, conforme revelou seu biógrafo Didier Eribon. E no Brasil, quase teve de lutar fisicamente contra a polícia da ditadura militar.
De certa forma era ele, segundo Blandine Kriegel, um asceta que não queria impor nada a ninguém, e veio daquela escola em que se encontram Artaud e Rimbaud.
Dele o que hoje fica é sua presença no prestígio de uma linguagem, de uma forte linguagem, diz a autora.