Cunha e Silva Filho

 

       Antigamente, no final da década de 1960 e nos anos 1970 e 1980, por aí, mesmo recebendo salários baixos do magistério público e privado, era obrigado, no meu caso, a ter que pagar o imposto de renda. Veja só, leitor, o “Leão,” sempre guloso e ávido de dar um mordida no cidadão. Devemos pagar com alegria ao Fisco? Sim, é claro, mas não no país que é duro com alguns enquanto que os endinheirados de todos os tempos nunca foram mordidos conforme seria de se esperar do governo federal. 
      Entra governo, sai governo, e as grandes fortunas não são tratadas pela Receita Federal com alíquotas compatíveis com as suas riquezas, as quais, por isso mesmo, continuarão sendo riquezas e sendo bem tratadas por aquele órgão público. Quanto mais dinheiro os ricos têm, tanto mais agraciados são pelo governo federal. 
     A indignação do homem comum com os impostos já vem de longa data, como foi bem ilustrativa a passagem bíblica do Novo Testamento em que Pedro, o pescador, a princípio, tinha horror ao cobrador de impostos representado pela figura de Mateus que, depois, deixou essa atividade, para seguir Jesus na condição de mais um discípulo. Afinal, foi o próprio Jesus, nas sua doutrinação pela Palestina, quem afirmou, alicerçado na lei de Moisés: “Se deve dar a César, isto é, à autoridade civil, o que é de César e a Deus o que é de Deus.” 
     O assalariado com carteira assinada e a média dos funcionários públicos, civis e militares, não têm como fugir ao acerto de contas com a “derrama” anual. Em seus magros contracheques, na fonte, já têm o governo como certo e líquido o que lhes tirar do bruto.
     Por algum tempo, eu não tinha paciência de fazer a declaração anual do imposto de renda. Sempre pedia a um colega meu da área de contabilidade. Encontrei muitos bons colegas que me preparavam a declaração, sem cobrar nada de mim..Faziam apenas por amizade,ao contrario dos dias de hoje em que a declaração de imposto de renda virou um bom negócio, a cada ano, aos escritórios de contabilidade que cobram de acordo coma a renda do contribuinte.
     Anos mais tarde, com dificuldades, comecei a preencher a declaração. Já não era mais aquela documentação por escrito, preenchida mesmo a caneta e com o formulário comprado nas papelarias de qualquer bairro e entregue preenchido nos postos da Receita Federal. Tempos depois, ingressávamos na era do computador, do preenchimento eletrônico, respeitando os modelos que, de ano a ano, foi-se tornando, pelo menos para mim, bem mais complicado porque seguiam os procedimentos técnicos virtuais, primeiro fazendo o download, depois, preenchendo tudo conforme os modelos baixados da Receita Federal.         

 

      O meu problema era com o preenchimento, ou melhor, a tormenta começa a partir dos lançamentos dos dados dos comprovantes fornecidos pelas fontes pagadoras, com toda a sua parafernália, os seus labirintos e os seus itens diversos.. Haja saco pra tanto.
Qualquer erro de um algarismo mexia com o todo da declaração. E lá ia eu refazer tudo. “Diacho” Ás vezes, até por uma vírgula posta entre algarismos. Meu Deus! Que loucura essa feita pelos homens! Era aí, então, que praguejava contra os responsáveis pela Receita e contra que inventou essa geringonça virtual toda. 
      Lembro-me de que ela se aperfeiçoou no tempo da ditadura militar e, se não incorro em erro, foi o Francisco Dornelles que trouxe dos EUA a novidade dos formatos adaptados ao país. Tampouco sei se essa é a verdade. O preenchimento me tirava o sossego de uns dois ou três dias. Os dias de preenchimento se me tornavam verdadeira dor de cabeça que me atrapalhando a normalidade do meu quotidiano. Bastava se aproximar tempo de declaração do imposto que eu começava a me sentir inquieto prevendo a trabalheira toda que enfrentaria diante do computador. Isso, conforme sabe também o leitor, acontece por volta do mês de março. 
      Sentia-me vítima solitária da técnica e da robotização ao ponto de não saber se quem bolava tudo aquilo era mesmo um ser humano ou um máquina e aí, me recordo da frase cáustica e desafiadora do meu querido ídolo, principalmente da fase do cinema mudo, Charles Chaplin (1889-1977) proferida no seu último discurso de “O grande ditador”: “Não sois máquinas. Homens é que sois.” Digo isso pensando no pôster que tenho e guardo com carinho há tempos colado na parede da dependência de empregada do meu apartamento, que uso como parte principal de minha biblioteca. A segunda parte fica na sala de visitas e no meu quarto-escritório, numa pequena estante com três prateleiras cheias de livros e papéis. 
      Este ano novamente passei por dissabores às voltas com o preenchimento. Lembre-se de que todo ano embutem novidades. O problema, leitor, é que não é somente o preenchimento que é chato e mexe com os meus nervos, porém tudo aquilo que antecede a inciativa de preparar a declaração: reunir, pela internet, todos os comprovantes, seja de fontes pagadoras, seja de planos de saúdem, seja de outra natureza.
Hoje, tudo se faz virtualmente. Antigamente, o Correio nos mandava pra casa. Agora, nem os contracheques nos enviam a não ser pra algumas categorias de funcionários públicos.        Pensam as autoridades que todo mundo tem um computador ou um celular mais sofisticado para atender a tudo isso. Quem não tem há que recorrer a um amigo ou às lan houses da vida. O planeta Terra virtualizou-se e, depois, viralizou as imbecilidades nas redes sociais.
     Mas, sabe, leitor, que já está um tanto aborrecido com este texto insosso, o que mais atazana a minha cabeça no preenchimento da declaração são os pontos de “pendências” nos alertando com um sinal parecido com um “i” a fim de que consertemos alguns erros no preenchimento de alguns itens. O pior é que, por vezes, corrijo e, quando vou ver nas “pendências,” o sinal de alerta ainda me diz que errei. Quem tem paciência pra tanto, me diga, leitor?

 

     

 

   

 

   Pra concluir, graças a Deus, consegui enviar, sem “pendências” azucrinantes, a minha declaração pra Receita. Descontei meus pecados nessa empreitada a contragosto. Um abraço a todos.