FIM DE GOVERNO NÃO É ABSOLVIÇÃO DE CRIMES
Por Cunha e Silva Filho Em: 10/02/2022, às 10H57
SESSÃO NOSTALGIA
NOTA:
ESSE ARTIGO AINDA É PERFEITAMENTE VÁLIDO PARA O MUNDO CONTEMPORÂNEO. ele fará parte dome livro
IN DEFENCE OF THE WORLD PEACE
(with some texts in French)
FIM DE GOVERNO NÃO É ABSOLVIÇÃO DE CRIMES
Cunha e Silva Filho
No mundo da política - e aqui se entenda política com “p” minúsculo e válido para todos os povos - , os erros e crimes de governantes, do mais simples vereador até ao presidente da República, parecem mesmo acabar com o final de seus mandatos. Todos os absurdos cometidos na administração anterior, em geral, são esquecidos ou não são investigados. As denúncias são feitas. As investigações dizem que serão apuradas. Nas instâncias da justiça, da parte dos denunciantes que tomam posse e da parte dos denunciados que deixam os cargos, cada lado afirma estar com a razão. O tempo passa.. O fato é esquecido. A memória do povo é curta e, daí a algum tempo, tudo se apaga e a vida continua dentro da sua aparente normalidade e rotina.
Tem sobeja razão Paul Krugman, colunista do The New York Times, ao escrever o pequeno (também não sei se foi condensado na tradução brasileira) e significativo artigo “Perdoar e esquecer” (Jornal do Brasil, 17/01/2009. Lembra Krugman que, a uma pergunta dirigida ao presidente eleito Barack Obama sobre o que ele pensava da possibilidade de investigar possíveis crimes dos dois mandatos de Bush, filho, ele respondeu que “(...) ninguém está acima da lei (...)” Entretanto, a sua conclusão
diz mais do aquelas palavras: “(...) mas precisamos olhar para frente em vez de olhar para trás.”
Krugman, em seguida, relaciona alguns atos ilegais e escandalosos consolidados pelo governo do presidente que está saindo: sonegação de dados acerca da guerra do Iraque, perseguições políticas, política ambiental distorcida e contrária à saúde ambiental do planeta, favorecimento a apaniguados incompetentes para determinados cargos no governo, descumprimento das decisões a respeito da reconstrução do Iraque, além de recusa a prestar contas do dinheiro destinado a esta última finalidade, uso de grampos ilegais e torturas sob falso pretexto de uma “orquestrada” política de segurança nacional, fazendo tábula rasa dos direitos humanos internos e de esquizofrênica vigilância contra imigrantes, recrudescida sobretudo a partir do fatídico 11 de setembro.
Em suma, as ações do governo convergiram enormemente para soluções que apontariam a administração Bush, filho como um dos mais sombrios capítulos vividos pela política externa americana, manchada pelo desrespeito aos valores ético-democráticos e pela corrupção interna, desperdício maciço de verbas astronômicas com os conflitos bélicos no Afeganistão e principalmente com a guerra do Iraque, e com os gastos ciclópicos necessários à manutenção de tropas das três armas, nesse país a que imputo em parte a vergonhosa crise financeira do país que simbolizava a pujança do maior poder financeiro mundial.
Aproveitando-me do título do colunista americano, indago de minha parte: como “perdoar” erros, abusos do governo, perjúrios e crimes praticados contra os próprios americanos e a humanidade? Como “esquecer” as violações constantes dos direitos do cidadão americano, e especialmente o desrespeito a organismos internacionais que, bem ou mal, buscaram admoestar o governo do Bush, filho sem que deste houvesse a mínima consideração aos fóruns internacionais?
A política americana do Bush filho foi, a meu ver, uma das mais discricionárias e genocidas por que passou a história dos EUA. Que moral ou dignidade teria esse presidente impopular e odiado por inúmeros países para ter podido exercer por duas vezes a presidência conduzindo a sua administração pelo mau exemplo de uma das mais prepotentes políticas externas já vistas?
Sua política não passou de um arremedo de democracia, de um simulacro do exercício da liberdade. Agiu como tirano com respeito ao Afeganistão e ao Iraque. Sua paranoia, no que concerne à segurança interna, chegou às raias da insanidade, vendo inimigo em todos e em tudo, especialmente simbolizada na figura de Bin Laden ou tudo que lhe parecia terrorismo. Como um povo se engana votando duas vezes numa figura tão sombria, tão despreparada para as altas tarefas da presidência de um país do porte dos Estados Unidos! De que maneira “esquecer”, leitor, tanta carnificina, bombardeios, demonstração megalomaníaca de poder bélico?
Por isso, concordo com Paul Krugman: é preciso que o culpado seja punido, assim como todos os que lhe diziam amém às atrocidades que levaram tantos jovens americanos aos conflitos armados no Oriente. Jovens militares americanos mortos e mutilados pensando que estavam no “front” para defender sua pátria, quando, na realidade, ali estavam com os cérebros lavados, a fm de os tornarem alienados, prontos para morrer pela “democracia’ do Bush, filho.
Esquecer e perdoar? Nunca! . Investigar? Sim, e sempre, e em qualquer parte., sob pena de cooptação da tirania e da soberba. Esperamos que Barack Obama seja mais reflexivo e não deixe escapar essa oportunidade que o povo americano pelo voto outorgou-lhe a fim de tornar os EUA um país digno de seus mais influentes fundadores, a começar de George Washington.
Barack Obama tem, mais do que ninguém, o dever cívico e patriótico de remodelar a nação americana segundo critérios que levem em conta a reabilitação da imagem de um país que seja, na práxis, verdadeiramente democrático, de um país solidário com as nações oprimidas e de um Estado sem laivos de imperialista, cuja principal prioridade seria, na esfera mundial, a de, pela paz e pela lei, respeitar os organismos internacionais e seus princípios asseguradores do direito e da soberania dos povos. A busca da paz na Terra não poderá nunca ser apenas uma utopia. Ai de quem não sonhar com ela!