[Bráulio Tavares]




(o trailer no YouTube)

Como fazemos nossas escolhas estéticas? Muitas delas são escravas de um certo racionalismo, claro. Num romance há de existir um mínimo de continuidade entre o que escrevemos até agora e o que vamos escrever imediatamente em seguida. Mas digamos que o coleguinha está tentando editar um videoclip com a ajuda de um banco de imagens. Quais são os critérios? Cor... textura... movimento... Coisas assim; além do sentido “literário” das imagens. Algo por aí.

Pois bem, “seus problemas acabaram”. Eve Sussman criou um projeto experimental chamado “whiteonwhite:algorithmicnoir”, que utiliza um computador, 3 mil videoclips, 80 narrações de voz e 150 trechos musicais. Quando o programa roda, ele vai examinando esse material e selecionando áudio e vídeo de acordo com seus próprios critérios (projetados por seres humanos, é óbvio). Cada clip tem “tags” ou referências que filtram o material inteiro e limitam as escolhas da próxima imagem – se uma imagem tem por exemplo a tag “Branco”, ele concentra sua escolha nas imagens com a mesma “tag”, e em seguida reinicia o processo. A música e a narração são montadas por processos semelhantes. No festival Sundance, onde o projeto foi testado, a audiência tinha a opção de olhar dois monitores, sendo que um deles reproduzia o processo “interno” de escolha e o outro mostrava a edição final, a sequência de imagens escolhidas. 

Puristas e luditas se erguerão em defesa da criatividade humana, da emoção humana, etc. e tal, e parecem esquecer que grande parte do nossso trabalho é feito exatamente assim. O que talvez nos diferencie do projeto de Sussmann seja apenas a extensão do arquivo, porque um diretor de filme deve ter em sua memória (consciente e inconsciente) algumas dezenas de milhões de imagens codificadas por algumas centenas de milhares de “tags” que lhe sugerem o que escolher em seguida. 

E não só no cinema. Pensem na poesia menos descritiva, menos racionalista. Pensem em Jorge de Lima e sua Invenção de Orfeu: “De manhã estrelas verdes / na inocência do ar coleado, / intranqüilas e veementes. / Ao zênite e areia em sede, / asas das hastes pendidas, / as nuvens-castelas altas / como painas amealhadas”... Que processo determina essas escolhas verbais, escolhas que nenhuma imposição racional nos obriga a fazer? Por que estas palavras, e não outras? Talvez os computadores, corretamente utilizados, possam nos trazer um novo tipo de surrealismo, tão legítimo quanto o de Jorge de Lima e de Benjamin Péret, que possa ser aplicado à poesia, ao filme, à música, às modalidades de arte sequenciais e não-narrativas. A tecnologia a serviço da intuição e do acaso.