Imagem: Internet
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[Chagas Botelho] 

Acordei com uma dor lancinante no ombro esquerdo. Tão forte que irradiava pelo braço até aos tendões dos dedos da mão. Pronto, pensei: “O coração vai pifar”. Sentei na cama e implorei: “Querido miocárdio, por favor, não me deixe na mão”. Apressado, vesti uma roupa e corri para a emergência do hospital Santa Maria. Na rua, as passadas pareciam ter uma sirene ligada, pois, todo mundo era ultrapassado por mim. 

Fui atendido por uma médica cujo nome era indígena. Aliás, um nome lirial. Novamente pensei: “Tomara que ela me receite um remédio à maneira dos pajés, xamãs e caciques de séculos passados que eram exímios curadores”. A doutora, com óculos de lentes côncavas, aferiu minha pressão e disse que estava normal. Inalterada. Depois, prescreveu um composto de anti-inflamatório e analgésico que fosse tomado alí mesmo. Me pediu para fazer um exame de enzimas cardíacas e um eletrocardiograma. Que realizasse todos e em seguida retornasse. Obediente, segui o protocolo.

Cumpri o receituário indicado. Voltei à doutorazinha de pálpebras enegrecidas. Me perguntou pela dor, se havia passado. Afirmei que um pouco, pois, ainda doía. Examinou os resultados com a íris na tela do computador. Afirmou que naquele momento, naquele instante de vida, a possibilidade de infarto estava descartada. Poderia ser dor muscular ou bursite. Noutro momento, que eu examinasse com mais critério. Receitou a medicação que seria tomada de doze em doze horas. 

Porém, a jovem médica, ressaltou com as sobrancelhas tiranicamente franzidas acima da máscara cirúrgica: “Seu Chagas, se a dor persistir e aumentar, mesmo com os remédios, não hesite, retorne o quanto antes. Consenti com um singelo, “sim, senhora”.

Com a ocorrência de infarto rejeitada, saí do consultório aliviado. Senti o coração mais leve — muito contente pelo diagnóstico apontar apenas doença de velho. Na saída, já na porta corrediça, encontrei um velho amigo que faz a segurança daquela unidade de saúde. Como o seu tempo era exíguo, pois estava em serviço, nos cumprimentamos e logo nos despedimos.

Lá fora, e ao sol, festejei o encontro inusitado. Conheço o Roberto há anos. Da nossa breve conversa, pude constatar que nós dois somos dois doentes. Dois barbados incuráveis. Sofremos de um mal crônico. A cada ano temos crises e mais crises. No entanto, e que engraçado, nem eu e nem ele queremos a cura dessa enfermidade. Preferimos viver com essa patologia. Somos devotos incondicionais desse adoecimento. Somos fiéis gaviões. Nossos corações são órgãos sofredores e alvinegros. Eu e o amigo Roberto, que batemos ombro a ombro agora a pouco no hospital, amamos o Corinthians. E amar esse glorioso time é padecer no paraíso.