Cunha e Silva Filho

 

                           Se não posso concordar com o pensamento exagerado de José Ingenieros (1877-1925) segundo o qual, ao entrar na velhice, o homem se torna pior moral e intelectualmente, posso conjecturar que Fidel Castro, aos 84 anos, lúcido embora fraco das pernas, e aparentando muito mais velhice do que a sua faixa etária, dá sinais inequívocos de que se está abrindo aos novos tempos.
                         Em longa e bem  articulada reportagem do jornalista norte-americano Jeffrey Goldberg, publicada domingo passado no Ilustríssima da Folha de São Paulo, com tradução de Paulo Migliacci e ilustração de Rafael Campos Rocha, fica-se sabendo um pouco mais dos hábitos pessoas atuais e da visão política que nos transmite o velho ditador da bela ilha caribenha.
                         O convite que Fidel fizera ao jornalista deveu-se a um artigo que este havia publicado na revista “Atlantic” a propósito das relações bastantes tensas entre o Irã e Israel. Jeffrey aproveitou o ensejo para levar consigo a amiga Julia Sweig, respeitada especialista em questões cubanas e latino-americanas que trabalha no Conselho de Relações Exteriores. Julia é uma antiga conhecida de Fidel.
                       Dessa visita a Cuba, Jeffrey Goldberg pôde perceber que o país já esta trilhando uma nova fase no tocante à sua política externa. Os ventos sopram para novas mudanças na velha ilha socialista.   O ponto alto dessa guinada pode ser entendido a partir da assertiva algo melancólico e solitário do antigo comandante supremo do país: ‘O modelo cubano não funciona mais, nem mesmo para nós.’ Isso é suficiente para prever o que virá pela frente, não certamente sem dificuldades de reajustes e adaptações ao mundo globalizado fora da ilha.
                      Outra modificação de sua visão no campo da política internacional se manifesta na resposta que o velho ditador deu ao jornalista acerca da grave e delicada posição de Cuba, em 1962, frente a um possível ataque norte-americano. Naquela época teria partido do próprio Fidel a “recomendação” para que os mísseis soviéticos instalados n a ilha fossem acionados contra os EUA.  Hoje, Fidel confessa que aquela sua “recomendação” não seria ‘válida’. Será isso hoje um a espécie de mea culpa por todo o radicalismo que o ditador imprimira ao seu país durante o feroz período da implantação do rígido modelo comunista apoiado pela Rússia?
                    Entretanto, o cerne dessa curiosa reportagem centra-se em outros pontos-de-vista de Fidel, especialmente o tema crucial que é a séria ameaça à paz mundial provocada atualmente pelas constantes tensões e ameaças recíprocas entre o Irã e Israel.
                   Fidel deixa bem evidente a sua reprovação contra confrontos nucleares entre aqueles países. Inclusive, conforme acentua a reportagem, uma das linhas de força das reflexões de Fidel hoje se vincula à política externa, em particular aquela envolvendo os dois mencionados países.
                  Com isso, não aceita o antissemitismo iraniano e aproveita para criticar o pensamento de Mahmoud Ahmadinejad com respeito ao que este pensa do Holocausto e a não-aceitação do Estado de Israel. Sua linha de pensamento mostra-se nitidamente respeitosa à história do povo judeu. Chega mesmo a ser eloquente a sua apologia do sofrimento dos judeus. Fidel faz um retrospecto de fundo autobiográfico, ressaltando que, desde menino, no interior, durante a Semana Santa, todos culpavam os judeus pela morte de Deus. Quando o jornalista lhe pergunta sobre o seu ateísmo, Fidel lhe diz que ainda continua a ser um materialista dialético. Pode-se, então, especular sobre a sinceridade dessa declaração dele em relação ao plano religioso.
                 Como solução para inibir qualquer ameaça de guerra nuclear entre o Irã ae Israel ou entre outros países, Fidel só vislumbra uma via de acesso: que todos os países que detenham armas nucleares, se desfaçam delas.
                 A reportagem, a meu ver, sinaliza mais um passo firme que acena para uma Cuba melhor no futuro, não mais voltada para si mesma, mas retomando relações produtivas e estáveis com outros países que, diferentemente dos EUA, cuja política externa não apenas mantém o cediço embargo econômico contra a ilha, mas também proíbe norte-americanos de viajarem para lá. Só abrem exceções, como foi o caso do jornalista Jeffrey e sua amiga Júlia, porque os dois viajaram como “pesquisadores qualificados’, o que permitido pelo Departamento de Estado.
               Fidel, além do entusiasmo pelas questões mundiais, tem agora tempo e vagar para se divertir com shows de golfinhos do aquário de Havana, ou como Jeffrey Goldberg lhe define o atual perfil de homem público, o revolucionário cubano passou seguramente para a condição de “semiaposentado” “estadista veterano” e não mais como chefe de Estado. Fidel não é mais o mesmo.