Fernando Pessoa, Viver Simultâneo
Em: 14/12/2011, às 20H58
Por BEATRIZ ALCÂNTARA
Próximo a se completarem oitenta anos de morte do mais citado escritor português, depois de Camões, inúmeras controvérsias não têm cessado de sobrevir. O esquecimento ou a indiferença são ocorrências que de nenhum modo lhe podem ser afixadas, tanto ontem como nos dias correntes. A mais simples menção à palavra “Pessoa”, suscita um levantar do olhar, ouvidos atentos ao que vai ser falado, uma concordância ou discordância mas o alheamento à referência, quando ocorre, apenas aos desavisados se pode atribuir.
O poeta português FERNANDO António Nogueira PESSOA (1888-1935) apresentou, desde os primeiros instantes de sua escrita literária, como autor de uma vivência plural, ainda quando a constatação só tenha vindo a surgir no decorrer da carreira. Seu percurso nas letras manifestou-se como a intelectualidade mais múltipla e simultânea de todo o vasto universo cultural em língua portuguesa, Fernando Pessoa, um ser poliédrico, polimático, único e plural.
Inquietação e inventividade.
Na trajetória do poeta, desde muito cedo, uma característica evidenciava-se na personalidade. A aparência de menino dócil não coadunava com o que lhe ia na alma insubmissa: aos seis anos imaginou um amigo ilusório, um interlocutor, um apoio à solidão, o Chevalier de Pas; aos 12 anos cultivou outro companheiro presumido, Alexander Search (1888-1908) este ocasionalmente se fazendo acompanhar de um irmão, Charles, o primeiro revelando-se uma personalidade literária simultânea à vida própria do autor e a quem alguns estudiosos afiançam como sua “primeira voz”. No “Pacto com o diabo”, atribuído a Search, ele atribui, na condição de diabo e espírito de luz, a razão de ser e avançar mundo afora até romper o abismo de si,
A maldição de Deus está sobre nossas cabeças!
Deixemos que os nossos lábios derramem irreverência!
Na adolescência, quando por via de regra tendem a desaparecer os colegas e amigos da fantasia juvenil, Fernando Pessoa permaneceu no convívio com seres imaginários, então já de algum modo idealizados. Proximamente, surgiram mais personagens fictícios, Charles Robert Arron, H.M.F. Lecher, Joaquim Moura Costa e Pantaleão, todos vindo a ser considerados como precursores do processo heteronímico, o embrião da poesia de fase adulta pessoana. Nesse ponto, convém destacar que a propriedade dos versos de Pantaleão contra a monarquia e de militância republicana colocaram-no em escala acima dos pré-heterônimos.
Em 1905, quando do seu regresso da África do Sul, surgiu a personalidade literária Dr. Gaudêncio Nabos (jornalista e humorista anglo-português), que o acompanharia ao longo de toda a viagem e cujos textos, na maioria paradoxal, foram em língua inglesa.
Guardiã do legado literário contido no “baú”, também conhecido por “arca” de Fernando Pessoa, Dra. Teresa Rita Lopes referindo-se Joaquim Moura Costa e Pantaleão denomina-os de “pré-heterônimos”.
Certa feita, num congresso ocorrido em Lisboa no Palácio Ceia da Universidade Aberta, a professora-especialista afirmou que o espólio literário de Fernando Pessoa contaria, na sua totalidade em torno de 27.000 documentos, menos da metade em estudo, e a cada página de folhas soltas ou não, cabendo inscrições de vários fragmentos de texto, alguns lançados a esmo sobre papel avulso ou cadernos e, por tal razão, eles nem sempre se tornavam passiveis de identificação conclusiva, tendo em vista as 72 personalidades literárias, 68 pessoas, 03 heterônimos e 01 ortônimo.
Detalhe-se, posto que a mesa-redonda se volta preferencialmente para aspectos políticos na obra de Pessoa, a importância de Joaquim Moura Costa e de Pantaleão no contexto da edificação heteronômica.
Joaquim Moura Costa (1907-10) colaborou com os periódicos O Phosphoro e O Iconoclasta, realizando poemas satíricos, cujos alvos preferenciais eram a Monarquia Decadente e a Igreja Católica. As sátiras de Moura Costa apresentavam-se por vezes tão radicais que, beirando a obscenidade, até ao próprio Autor desagradavam.
Pantaleão começou sendo um pseudônimo, mas à medida que foi se convertendo em militante republicano extremado, de personalidade facetada, seu trajeto evoluiu. Pantaleão tornou-se muito próximo dos irmãos Search, de tal modo que com eles veio a participar de O Livro da Transformação ou Caderno de Encargos, assim vindo a converter-se em personalidade literária.
Posteriormente, e só depois que os elogios ao Estado Novo caíram por terra e foram substituídos pelo desencanto, as críticas à política em Portugal foram retomadas (1935), acreditando-se terem voltado guiadas pela verve de Moura Costa e Pantaleão.
Um fato
Meu Pobre Portugal,
Dois-me no coração.
Teu mal é o meu mal
Por imaginação.
Tão fraco, tão doente,
E com a boa cor
Que a tísica põe quente
Na cara, o exterior.
Meu pobre e magro povo
A quem deram, às peças,
Um fato em estado novo
Para que o não pareças!
Tens a cara lavada,
Um fato de se ver
Mas não te deram nada,
Coitado, que comer.
E aí, nessa cadeira,
Jazes, apresentável.
(…)
O transeunte amável.
(selecionado de Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo,
do jornalista e professor João Alves das Neves)
1914, ano chave da heteronomia.
Alberto Caeiro surgiu em 8 de março. O mestre de todos, o autor do “Guardador de Rebanhos”, provocou com o referido poema uma resposta posterior de Fernando Pessoa, ortônimo, em “Chuva Oblíqua”, texto campo para se achar o interseccionismo.
O Guardador de Rebanhos
I
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente.
…………….
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do Sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos…
Alberto Caeiro
A 28 de janeiro apareceu Ricardo Reis, embora Pessoa o tenha imaginado ou apenas esboçado desde 1912. Um discípulo de Alberto Caeiro que levou o paganismo pessoano ao grau máximo, enquanto imprimiu modernidade no fazer literário.
Ode VI
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes (…)
Ricardo Reis
Em outubro, sem que se possa ter confirmação absoluta, veio a manifestar-se Álvaro de Campos, o engenheiro cosmopolita, de vanguarda, polêmico, aquele que tudo procurava pensar o sentir, de todas as maneiras. Maiores características: o cosmopolitismo, tão ao gosto refinado da época, mas atente-se, a polêmica seria a tendência segunda, insubmissa à primeira; o nacionalismo tradicionalista vindo do passado para clarear o presente. O nacionalismo integral vai ao presente e ao passado para descobrir o presente. O nacionalismo cosmopolita busca o presente apenas no presente. (Da República)
Lisbon revisited
Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas! Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) –
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus! (…)
Álvaro de Campos
Ocorre mencionar um fato da vida particular de Pessoa para que se tenha em conta o quanto a personalidade do heterônimo Álvaro de Campos sugestionou seu próprio criador.
Fernando assinava Pessôa (com circunflexo) até 1916, mas a partir de então retirou o acento ao sobrenome afim de que o mesmo se tornasse mais universal, mais facilmente pronunciável por idiomas estrangeiros de expressão, a exemplo, a língua inglesa. Pessoa cosmopolita, Pessoa cidadão que se queria participe de um mundo efervescente, ecos talvez da vida parisiense buliçosa narrada pelo amigo pessoal, o escritor Mário de Sá Carneiro.
No outono de 1914, o poeta achou-se a meio uma demorada depressão. Nessa época sobreveio o surgimento do semi-heterónimo Bernardo Soares, com trechos advindos de escrita anterior e agrupados no Livro do Desassossego. Registre-se ser esse personagem fictício tido por muitos estudiosos como o mais próximo da personalidade do autor, Fernando Pessoa, ele mesmo.
Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem fatos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer… De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo… Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter… Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo… Que há de alguém confessar que valha ou que sirva? Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto. Faço férias das sensações
Tanto tenho vivido sem ter vivido! Tanto tenho pensado sem ter pensado! Pesam sobre mim mundos de violências paradas, de aventuras tidas sem movimento. Estou farto do que nunca tive nem terei, tediento de deuses por existir. Trago comigo as feridas de todas as batalhas que evitei… Em mim o que há de primordial é o hábito e o jeito de sonhar. As circunstâncias da minha vida, desde criança sozinho e calmo, outras forças talvez, amoldando-me, de longe, por hereditariedades obscuras a seu sinistro corte, fizeram do meu espírito uma constante corrente de devaneios. Tudo o que eu sou está nisto, e mesmo aquilo que em mim mais parece longe de destacar o sonhador… Cheguei àquele ponto em que o tédio é uma pessoa, a ficção encarnada do meu convívio comigo.
Bernardo Soares
Destino fingidor.
Faz-se oportuno deter um pouco acerca da heteronomia por não se revestir de procedimento literário habitual, no presente como no passado. Os pseudônimos são freqüentes no universo das letras, mas a heteronomia, tal como se evidenciou na obra pessoana, há de se convir ser inesperada a evidencia de um poeta em grau de excelência diferenciada, ainda que, confessado pelo mesmo, o fato seja revelador de uma mente desassossegada, fragmentada, a transbordar sensações em demasia.
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei-me, não fiz senão extravasar-me.
Menciona-se, outra vez, Teresa Rita Lopes, por oportuno um pensamento seu assertivo de que pelo menos duas perguntas teriam norteado vida afora, senão obra adentro do escritor múltiplo.
A primeira pergunta seria – Quem sou? Questão surgida entre os 13 e 14 anos de Pessoa, contemplada por uma idéia patriótica conferida, talvez a partir de um problema de identidade e idealização nacionalista. Note-se que ele saiu de sua terra lusitana para ir viver na companhia da mãe, em um novo casamento, num outro continente, vivenciando novo idioma, quando tinha apenas 7 anos e o regresso só vindo a ocorrer, muito tempo decorrido, com a idade de 17 anos. Toda a formação escolar de Pessoa foi em língua e em terras de domínio inglês.
Rita Lopes ressaltou em seus estudos, que o poeta era um autodidata em língua portuguesa, os expoentes que lhe eram dado estudar achavam-se entre William Shakespeare, Francis Drake, Henry Hudson, James Weddell, e outros mais, enquanto os grandes vultos das letras, das artes e da história de Portugal se apresentavam não mais que pelas figuras míticas como Vasco da Gama, Camões e Inês de Castro, todas referências ocasionais, aqui e ali mencionadas, de passagem, apenas em ambiente doméstico. Quando Fernando Pessoa voltou para Portugal, regressou a uma pátria idealizada, achou-se perante uma monarquia desgastada a gerir um país
Quem somos? – viria como a segunda indagação. Pessoa vivenciou os descompassos dos últimos anos monárquicos e os anos de crise social e econômica de uma iniciática época republicana, exclamando, Nem rei, nem lei, nem paz, nem guerra… tudo é incerto e derradeiro,/ tudo é disperso, nada é inteiro. (“Nevoeiro”, Mensagem)
Diante seus olhos havia um Portugal entristecido, esvaziado de feitos memoráveis, uma pátria abandonada pela glória dos feitos heróicos, destituída de seus antigos navegadores. Movido pela angústia da busca de feitos patrióticos extraordinário no seu tempo presente, confidenciava, Eu quero ser um criador de mitos.
Voltou-se Fernando Pessoa para o intento de ressuscitar e reinventar vultos lusitanos.
Vasco da Gama e D. Sebastião converteram-se nos seus prediletos.
Ao enveredar por D. Sebastião, o moço rei desaparecido em campo de batalha patriótica, logo o poeta aportaria ao tema do V Império, num desejo ávido por congregar os portugueses em torno de uma causa comum, a reconstrução da pátria pelo V Império, o império da língua portuguesa arrebanhando e aglutinando, num grande mutirão patriótico, a causa da língua pátria, Minha Pátria é a língua portuguesa(Bernardo Soares).
Uma terceira pergunta poderia surgir como apoio a seu ideário. Para onde se encaminha o futuro? Processo em curso por meio do qual o autor extrapolaria a individuação em prol do ser múltiplo, atuante, associativo e contestatório.
No Modernismo português Pessoa foi expoente a contestar o marasmo intelectual, a decadência artística e as estratégias políticas desvirtuadas. Citem-se alguns de seus companheiros: na Geração de Paris I (1914) Santa-Rita Pintor; vindo da Geração de Paris II (1920) Almada Negreiros e Pardal Monteiro; na revista Orpheu (1915) – Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros; na Presença (1927) – José Régio, Miguel Torga, Adolfo Casais Monteiro, Aquilino Ribeiro e Ferreira de Castro, todos de grande vulto.
A militância, ou melhor, o envolvimento político veio
Na mesma época escreveu vários artigos em defesa e a propósito de companheiros molestados pela censura, tais como Antonio Botto, Raul Leal e Antonio Ferro, alvos de ataques ferinos sempre repelidos com as palavras veementes de Pessoa, como em “Sobre um Manifesto de Estudantes” e “Aviso por Causa da Moral”.
O acompanhamento e a participação na marcha dos acontecimentos políticos passou a integrar sua vida pessoal: em Março de 1928, após grave crise social e política, é eleito presidente da República, General Antonio Carmona; a 27 de Abril de 1928, o professor de Direito da Universidade de Coimbra, Antônio de Oliveira Salazar tomou posse das Finanças de Portugal, “Logo se adivinha que o limitado objectivo da sua chamada ao poder vai ser transcendido…é a clara ditadura”(João Ameal); 5 JULHO 1932, “o que se segue é o seu lógico…Salazar toma a Presidência do Conselho. O Estado Novo Corporativo organiza-se, articula-se pela publicação da Constituição Política de 11 de abril de 1933… surge , dentro e fora das fronteiras, a interrogação persiste: quem é Salazar?” (João Ameal).
Antonio de Oliveira Salazar.
Trez nomes em sequencia regular…
Antonio é Antonio.
Oliveira é uma arvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.
29-03-1935
Entre 1923 e 1924, Fernando Pessoa publicou Mensagem, recebida com críticas, entre outras, de seu amigo Adolfo Casais Monteiro. A carta a Adolfo Casais Monteiro que escreveu em janeiro de 1935 mostra-se rica em detalhes, do próprio punho do poeta e portanto a inclusão de em alguns trechos se asseverara como de valia para o entendimento das idéias políticas do autor de Mensagem. Conhecedor da “independência mental” de Casais Monteiro, o poeta respondeu às três perguntas formuladas pelo amigo: (1) plano futuro da publicação das minhas obras, (2) gênese dos meus heterônimos, e (3) ocultismo.
Aceitando as críticas à publicação de Mensagem e reconhecendo a faceta nacionalista da obra, respondeu, sou, de fato, um nacionalista místico, um sebastianista racional. Em seguida o Autor esboçou um projeto de publicação de suas obras, que o tempo mostrou não vir a ser cumprido e que ele próprio desdenhou ao planejá-lo, contudo, uma reflexão surgiu em tom de desabafo, pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática, pus
A segunda resposta, gênese dos heterônimos, foi absolutamente direta, sem qualquer tentativa outra que abolir, de vez, questionamentos repetitivos: a origem mental dos meus heterônimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenômenos… não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contato com outros…vivo-os eu a sós comigo.
Na última resposta à carta, o poeta pouco se deteve no ocultismo, referiu-se apenas à existência de mundos superiores o nosso… em experiências de diversos graus de espiritualidade… e esses universos coexistem com o nosso… Por estas razões, e ainda outras, a Ordem Externa do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita a expressão “Deus”, dadas as suas implicações teológicas e populares, e prefere dizer “Grande Arquitecto do Universo”…
Em outra carta, em nova confidência, F.P. escreveu: Em ninguém que me cerca eu encontro uma atitude para com a vida que bata certo com a minha íntima sensibilidade, com as minhas aspirações, com tudo quanto constitui o fundamental e o essencial do meu íntimo ser espiritual. Encontro, sim, quem esteja de acordo com actividades literárias que são apenas dos arredores da minha sinceridade. E isso me basta. De modo que à minha sensibilidade cada vez mais profunda, e à minha consciência cada vez maior da terrível e religiosa missão que todo o homem de génio recebe de Deus com o seu génio, tudo quanto é futilidade literária, mera arte, vai gradualmente soando cada vez mais a oco e a repugnante.
Exilado no Brasil, Adolfo Casais Monteiro persistiu nas críticas à publicação de Mensagem por reconhecer na obra um caráter nacionalista exacerbado, com indiscutíveis sinais messiânicos.
Pessoa era um espírito livre e independente. As suas posições políticas, muitas vezes vistas como contraditórias, simplesmente não se enquadravam nos sectarismos e partidarismos existentes na época. Sobre quase tudo, tinha uma opinião singular, por vezes surpreendente, assim afirmou José Barreto do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, por ocasião das comemorações dos 120 anos de nascimento do poeta da heterônomia.
A política em Pessoa ateve-se, acima de tudo, às críticas ou aos elogios registrados
Afirmamos sem temor, que se a política de Fernando Pessoa consistiu no questionamento desassossegado e sua práxis literária fincou-se no Interseccionismo, os dois aspectos em contundente confronto com a estagnação dos ideários políticos, sociais, literários ou econômicos da época. Época marcada por dias fortes, conturbados, instáveis, acrescidos pela angustia pessoal do escritor, ampliada e conduzida pelos acontecimentos político-sociais que atravessaram Portugal, como em grande parte da Europa.
Ao sabor dos pensamentos, mensagens e confissões do maior poeta português do século XX, Fernando António Nogueira Pessoa, as palavras com que encerro essas observações possuem o paladar dos cristais de sal a conservar os feitos por entre o mar português nunca por tantos intrépidos aventureiros navegado, nem a sorte permitindo versos tão ao aconchego da alma humana pela habilidade exponencial de seus poetas, Camões e Pessoa, sentimento, arte e engenho a narraram os feitos heróicos da pátria.
No côncavo de minhas mãos guardo uma saudade imensa da terra e das gentes do outro lado do mar, saudade peninsular, lusitana, que o tempo ao passar não desfez, antes acrescentou-lhe o endosso de palavras presas ao registro de MINHA PÁTRIA É A LINGUA PORTUGUESA.
Bem haja a todos os presentes!
BIBLIOGRAFIA
CABRAL MARTINS, Fernando, coord. (2008). Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português. Lisboa, Editorial Caminho, 959pp.
CAVALCANTI FILHO, José Paulo (2011). Fernando Pessoa: uma quase autobiografia, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Record, 734pp.
GIL, José. Fernando Pessoa ou a metafísica das sensações. Lisboa, Filosofia/Relógio d’Água Editores Lda, 252pp.
NEVES, João Alves das (2009). Fernando Pessoa, Salazar e o Estado Novo, Santo André-SP, Fabricando Idéias, 127pp.
PIZARRO, Jerónimo (2007). Fernando Pessoa: entre gênio e loucura – vol. III, Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 237pp.
PÓS-ESCRITO. Curiosamente, logo após a palestra e a mesa-redonda pessoanas
Agora, quando me foi solicitado um trabalho para publicar na Revista da Academia Cearense de Letras – 2011, ocorreu-me distender o tema tendo o intento de detalhar os tópicos aludidos quando do nonagésimo aniversário do Clube Português de São Paulo.
Por tal modo, uma participação preparada para 20 minutos, no presente formato foi acrescida, o tema expandido e o texto tomou dimensões de artigo.
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