ELMAR CARVALHO

 

 

Nestes últimos dias a temperatura de Teresina esteve amena, agradável. Para nosso padrão, chegou a fazer certo frio, durante as madrugadas. Também caíram umas boas chuvaradas. Talvez por isso, nas proximidades do condomínio Vila Formosa, os bem-te-vis estiveram bastante alvoroçados e alegres. Acordei sob uma “alvorada” desses festivos passarinhos.

 

Em mais de uma ocasião já falei sobre os bem-te-vis da Várzea do Simão. Josué Montello, notável escritor, esmerado estilista de nossa literatura, de linhagem machadiana, já escreveu sobre os bem-te-vis de sua São Luís do Maranhão. Em muitas passagens de sua lavra ouvimos o alvoroço dessas alegres aves.

 

Num de seus livros, já não recordo qual, Josué discorreu sobre as sutilezas desse cantar, demonstrando que ele não é monocórdio, como muitos desatentos pensam, mas que, ao contrário, tem vários arranjos e variações sobre o mesmo tema – bem te vi. Esses trinados e gorjeios têm as suas repetições, prolongamentos e modulações, que lhes tiram a aparente mesmice.

 

Sem dúvida o bizarro e original poeta Sousândrade também os ouvia, quando eles alegravam as manhãs e a melancolia das tardes, empoleirados nas árvores da quinta da Vitória, por onde, perto da casa solarenga do vate, corria o Anil, não sei se anilado ou barrento. Dali, na descrição do grande memorialista Humberto de Campos, se descortinava à distância a Ponta d’ Areia e o oceano. O oceano embrulhado em seu barulho azul, como nos versos de Gullar. Segundo HC, em seu Diário Secreto (edição da Fundação Geia, 2010, pág. 360), à sombra das árvores o poeta, “de bruços, no chão”, lia Homero no original.

 

Voltando aos bem-te-vis, agora mesmo escuto-lhes a cantiga de admoestação. Muitos tentam esconder-se, por causa de seus crimes, mas parece lhes perseguir o olho onisciente do Senhor, através do remorso. O canto do bem-te-vi, segundo a crença popular, é como se fosse, na mensagem da onomatopeia, uma advertência às nossas faltas e pecado: bem te vi, parece dizer a voz onisciente de Deus através dessas aves.

 

Com a sua vistosa e galante plumagem, e com a sua cantiga álacre, esse brioso passarinho, que chega a afugentar gaviões e carcarás das cercanias de seu ninho, por causa de episódio que já narrei neste Diário, tornou-se, para mim, o símbolo alado de minha saudosa mãe. Por isso mesmo a Fátima fez que lhe desenhassem no painel estampado à entrada do sítio Filomena. Não posso ouvi-lo ou vê-lo, que não me lembre de minha mãe.