Bráulio Tavares

Cada vez menos discos têm vindo brilhar na noite, no céu de uma cidade do interior.  A venda de faixas musicais isoladas, pela Internet, superou em 2009 a casa do um bilhão, e já ultrapassou em muito a quantidade de faixas vendidas como parte de CDs (cerca de 700 milhões de faixas nesse ano).  A mera possibilidade disso já torna o momento atual melhor que o de 10 ou 20 anos atrás.  Quantas e quantas vezes peguei um CD ou LP na loja, doido por uma faixa que eu sabia que era boa, mas desinteressado pelo restante.  Isso é mais comum do que se imagina.  Comprar um álbum funciona quando você se interessa por um artista, e por tudo que ele grava.  Mas às vezes o que queremos ter em casa é aquele cover de uma música conhecida, ou a faixa com a participação de um cantor favorito, ou uma música que fala de um assunto que nos interessa.  Não poder comprar apenas algumas faixas sempre foi uma limitação do formato álbum, e talvez somente agora a gente esteja percebendo isso com nitidez.


O momento de hoje marca uma reviravolta com relação ao momento da música popular no começo dos anos 1960.  Naquele tempo, canções novas, com possibilidade de sucesso, eram lançadas em forma de compacto simples (1 faixa por lado) ou duplo (duas por lado).  Quando um desses compactos estourava, as gravadoras montavam meio às pressas um álbum em que se misturavam os sucessos e músicas “menores”.   Um álbum não era mais do que a compilação aleatória de algumas faixas de sucesso e outras obscuras.  Os Beatles explodiram esse formato.  Uma coisa que desconcertava os disc-jóqueis da época era a quantidade de música boas num LP dos Beatles.  Eles se queixavam: “É um desperdício lançar todas essas músicas num álbum, cada uma delas podia ser Lado A dum compacto e ser sucesso!”.  E foram os Beatles os primeiros a tratar o álbum como um todo interligado, em que as canções não apenas são todas boas, mas dialogam entre si.  “Rubber Soul” (1965) e “Revolver” (1966) já têm esse espírito, mas foi em “Sgt. Pepper’s” (1967) que eles inventaram o “álbum conceitual”, chegando ao requinte de imprimir todas as letras das músicas e fazer delas um todo interligado, sem espaço silencioso entre uma faixa e outra, e retomando uma canção (a faixa título) em duas faixas diferentes, com finalidade dramatúrgica.
 

Discos conceituais se expandiram do rock em todas as direções, e um dia ainda comentarei aqui alguns dos discos conceituais mais interessantes da MPB.  O disco conceitual é uma unidade artística, composta de unidades menores que têm relativa autonomia.  É possível fruir essas canções isoladamente, mas o ideal é experimentá-las em conjunto.  Hoje, a Internet e a cópia digital explodiram esse formato.  A unidade básica da música deixou de ser o álbum (o que, aliás, só tinha sido na mão de artistas mais intelectualmente ambiciosos) e voltou a ser a canção.  É como num livro de contos ou de poemas, onde, em geral, a obra de arte é o conto ou o poema, e não o livro.