Antônio Francisco Sousa

Tem nos ocorrido, não raro, de até mesmo diante da enfermidade extrema ou da morte de seres, sentimentalmente, caros, não nos virmos acometido de tristeza profunda. Talvez porque entendamos que não valha a pena discutir os desígnios insondáveis da natureza. Ela permite que nasçamos, dita as regras pelas quais nos devemos balizar e, ao final de um tempo que considera suscetível para um acerto de contas - pouco se lhe importando nossas objeções ou decepções ante decisão que, irrevogável e, unilateralmente, toma, tantas vezes no curso de projetos pessoais que estávamos por iniciar ou já em fase de conclusão -, convida-nos a nos retirarmos da festa; democraticamente, também nos leva em momentos que mais parece nossa existência um martírio cruel e impiedoso.

Ultimamente, todavia, temos nos pegado vivendo instantes de involuntária tristeza. Tentamos justificar tais modificações, colocando o tempo como culpado. A velhice ou a natural proximidade com a conclusão do período de existência física elegemos responsáveis por esses estados transitórios de depressão. No entanto, revendo esta posição com certa frequência, relutamos em aceitar a ideia de que seja a idade a verdadeira causa do que andamos sentindo. Isto tem ocorrido sempre que olhamos para o lado, criticamente, ou ousamos expectar e projetar o que nos aguarda logo adiante. Nós temos sido, além de muito irresponsáveis, extremamente egoístas. Recebemos um terreno pouco ou quase nada minado e, em vez de retirarmos os raros explosivos que nele havia, preferimos espalhar mais deles nos locais em que deveríamos pisar. São esses artefatos que ajudamos a disseminar, sem dúvida, um dos motivos desse nosso estranho sorumbatismo.

No auge de nossas divagações e lucubrações existenciais, chegamos a conjecturar que poderão não ser os tufões, os terremotos, os tsunamis, o abrasador calor de algumas regiões ou o frio insuportável de outras, a escassez de alimentos e de água, que porão um basta na vida humana neste planeta. A ameaça poderá vir de criaturas mais antigas do que nós e que, pacientemente, têm-se posto em seus lugares, quietas, a cumprir a máxima da criação - sobreviver e perpetuar a espécie -, acompanhando nossos passos e percebendo que muitos deles rumam para uma invasão a seus domínios. Silenciosamente, vêm assistindo às bobagens que estamos fazendo. Ciclicamente, as pomos à prova. Vigilantes e, como que querendo dizer que também são anfitriãs desse espaço que julgamos ser só nosso, têm-nos dado o troco. Não queiram os senhores, pseudodonos do universo, menosprezar-nos, ou poderão se dar muito mal. Não aceitamos desaforos. A natureza, quem sabe entendendo que, para nossa defesa, um dia haveríamos de precisar dela, dotou-nos de uma inata faculdade de vingança. Somos pequenas, mais não precisamos de vocês, seres humanos, para sobrevivermos.

Esse fictício monólogo, essa já reiterada digressão, tem nos martelado a cabeça sempre que somos informados de que o mundo está sendo vítima de um novo vírus, de uma nova bactéria, que, a princípio, instaurou uma endemia, progredindo para uma epidemia, que já avança a ponto de poder ser chamada de pandemia. Será que, antes que os grandes acidentes naturais nos colham, sucumbiremos vítimas dessas minúsculas e invisíveis formas de vida?

Isso nos tem posto cabisbaixo. Como que para nos acalentar - ou melhor seria dizer para nos atormentar? - , vez em quando recordamos o que alguns iniciados já disseram: que as evoluções, tanto as naturais, quanto as científicas, sempre são precedidas de grandes revoluções. Então, para onde evoluiremos? O que se tem mostrado mais factível, dadas as incontroláveis e, talvez, incontornáveis transgressões naturais e ambientais que temos provocado, é que estamos caminhando a passos largos para aquele bíblico nível de evolução: o pó. 
                                                               Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal
                                                                              ([email protected])