O rádio criou mitos, imortalizou profissionais e cativou ouvintes nos mais remotos cantos. Integrou a nação. Mesmo depois da televisão, assegura seu espaço: contra 38 milhões de televisores, temos hoje mais de 70 milhões de rádios. Sua história inclui conquistas e lutas travadas com paixão, presença de espírito e criatividade.
Primeira Antena, no Corcovado, Rio
7 de setembro de 1922. Faz 82 anos. O País comemora o centenário da Independência. Na capital da República, o povo aguarda a inauguração da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Corre boca a boca que uma revolução está por vir: uma tal de transmissão radiofônica. O presidente Epitácio Pessoa dá início às festas. E fala através de 80 alto-falantes espalhados pela área da exposição. Lança o País nas ondas do rádio.
No meio da multidão, um antropólogo atônito. Ninguém por ali sabia ao certo como a novidade seria usada. Roquette-Pinto vislumbrava: enfim, os milhões de analfabetos do País teriam oportunidade de receber informações que não conseguiam extrair de livros e publicações periódicas.
Em abril de 1923, Roquette inaugura a primeira emissora do País, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Divulga ópera, música clássica, palestras. Surgem similares. Nenhuma desperta interesse.
Roquette-Pinto: data de seu nascimento, 25 de setembro de 1884, virou dia do rádio.
O cenário muda na década de 1930. Com o barateamento dos aparelhos e uma legislação favorável à publicidade, o rádio conquista o Brasil. É o primeiro passo rumo à disseminação do rádio; o início da indústria cultural brasileira.
Brasileiro inventa rádio e italiano leva a fama
O gaúcho Roberto Landell de Moura ordenou-se padre em 1886, aos 27 anos. Mas não foi o sacerdócio que lhe reservou lugar na História. Interessado em ciências, este jesuíta iniciou, em 1892, experiências com a transmissão de voz sem uso de cabos.
Em 1893, um ano antes do italiano Guglielmo Marconi, tido como criador do rádio, Landell realizou demonstração do invento em São Paulo. Transmitiu sua própria fala da Avenida Paulista para o Alto de Santana, a 8 km. E, segundo relatos, com melhor qualidade que o aparelho de Marconi.
Patente obtida por Landell nos Estados Unidos.
A imprensa fez alarde, mas o padre foi execrado. Chamaram-no de louco, impostor, bruxo. Não teve apoio oficial algum. Desiludido, abandonou os experimentos. Deixou para trás as patentes do transmissor de sons (ondas hertzianas), do telefone e do telégrafo sem fio. Dedicou-se ao sacerdócio até morrer, aos 67 anos, em 1928, na mesma Porto Alegre onde nasceu.
Programa é batizado em pleno ar
Domingo, 14 de fevereiro de 1932. O locutor aciona o microfone e anuncia, com voz impostada:
A Rádio Philips do Brasil, PRA-X, vai começar a irradiar o Programa…
Silêncio no estúdio. Ninguém tinha pensado num nome para a atração comandada pelo pernambucano Ademar Casé.
… Casé. Programa Casé – arremata o speaker, para alívio geral.
O improviso não atrapalhou a trajetória de um dos mais famosos programas de todos os tempos. O rádio dava os primeiros passos, quase amador. Mas Casé já sabia que a melhor aposta estava numa programação popular. Mandava ao ar humorísticos, teatro, paródias, histórias reais dramatizadas.
As estrelas de Casé (1º sentado à dir.): entre outros, Noel, Pixinguinha e Donga.
Nada de música erudita. O negócio era samba. Acabou revelando Carmen Miranda, Sílvio Caldas, Francisco Alves, Donga, Elizeth Cardoso, Noel Rosa.
Era a época dos programistas, primeiros profissionais do rádio. Eles adquiriam tempo nas estações, criavam programas e vendiam espaços para os anunciantes. Redigiam, produziam, apresentavam. Faziam de tudo.
Com tino comercial aguçado, Casé criou, ao lado do caricaturista e compositor Nássara, o primeiro jingle brasileiro. Era um fado, composto especialmente para o dono da Padaria Bragança:
Oh! Padeiro desta rua / Tenha sempre na lembrança / Não me traga outro pão / Que não seja o pão Bragança.
Alô, Brasil! no ar, uma das cinco grandes do mundo
Getúlio Vargas
1936. O grupo do jornal A Noite entra para o ramo da radiodifusão. Às 21 horas de 12 de setembro, um gongo soa três vezes. Celso Guimarães anuncia:
Alô, alô, Brasil! Está no ar a Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Ao fundo, ouve-se Luar do Sertão, de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense. Estréia a primeira grande emissora do País, a Estação das Multidões.
A estrutura era inédita. Programação diversificada, transmissores potentes, estúdios bem equipados, elenco de estrelas. Logo se destacou.
Em 1940, Vargas percebe que a emissora poderia ser eficiente instrumento para a afirmação do Estado Novo. Decreta sua encampação. A rádio não deixa de brilhar. Grande parte dos ídolos da época pertenciam a seu elenco fixo: Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Vicente Celestino.
Povo descobre a língua nacional
Auge da Rádio Nacional. Em viagem pelo País, dirigente da estação encontra moça com sotaque carioca numa fazenda de cacau da Bahia. “Há quanto tempo a senhorita não vai ao Rio?” E ela: “Nunca fui lá.” “Não é possível, a senhorita fala como uma carioca!” “Claro, a Rádio Nacional nos ensina a falar direitinho.”
A Nacional manteve-se no topo até 1964. Com o golpe militar, começava o declínio da emissora que chegou a ser uma das cinco maiores do mundo.
Em julho de 2004 ela foi reinaugurada. Reforma, compra de equipamentos modernos, novos estúdios. E não podiam faltar as grandes estrelas. Depois de décadas, Cauby Peixoto, Marlene, Jamelão e Emilinha Borba estavam de volta ao antigo auditório da Praça Mauá.
Heron Domingues, 18 anos à frente do Repórter Esso.
Repórter tão pontual que servia para acertar relógio
Som de fanfarra e clarim na Rádio Nacional. Às 12h55 de 28 de agosto de 1941, uma frase ecoa pelo Brasil:
Aqui fala seu Repórter Esso, testemunha ocular da História. Estreava o radiojornalismo brasileiro. Exatidão, pontualidade. Quem ouvia o prefi xo fora de hora, já sabia: algo muito importante tinha acontecido.
Em 1952, o programa foi para a TV Tupi. Brilhou por mais 19 anos, até que no dia de 31 de dezembro de 1971 “o primeiro a dar as últimas” apresentou sua edição derradeira. Os brasileiros, habituados a acertar o relógio pela precisão do noticiário, tiveram que procurar outro programa.
Ary Barroso institui o gongo para desclassificar os calouros.
Precisa-se de cantor
Meados da década de 1930. Rádios pipocam e se profissionalizam. Oferecem contratos de exclusividade e salários tentadores. Um efeito colateral não estava previsto: a falta de artistas. Ary Barroso chega a pôr anúncio em jornal: “Precisa-se de um cantor.” De recorte na mão, aparece um sujeito. Seu nome? Orlando Silva.
Para revelar novas estrelas, surgem os arrasadores programas de calouros. Entre os pioneiros, Celso Guimarães (Cruzeiro do Sul, de São Paulo) e Edmundo Maria (Cruzeiro do Sul, do Rio). Sucesso imediato. Depois vêm Ary Barroso, com Calouros em Desfi le, na Tupi carioca; A Hora do Pato, de Heber Bôscoli, na Nacional; Papel Carbono, de Renato Murce, na Rádio Club do Rio.
Cauby Peixoto, para o delírio das moças casadoiras.
Deuses do Olimpo sonoro
Porte elegante, cabelos empastados com brilhantina, terno escuro à Gardel. Era o Rei da Voz. Durante quase 30 anos, Francisco Alves dominou o dial das estações. Cantor de versões norte-americanas, tangos, boleros e sambas, lançou o samba-exaltação ao gravar, em 1939, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Foi o cantor que mais gravou em 78 rotações: quase 500 discos. Sua morte, em acidente na Via Dutra, em 29 de setembro de 1952, abriu espaço para outro astro: Orlando Silva, o Cantor das Multidões.
Francisco Alves, 30 anos de reinado e quase 500 discos.
Mas, como o Olimpo da mitologia, o rádio dos anos 1950 não possuía apenas um deus. Tinha também Nelson Gonçalves, ex-boxeador criado no italiano bairro do Brás, em São Paulo; Ivon Cury, que ascende com sucessos como Xote das Meninas e Amendoim Torrado; Francisco Carlos, o Cantor Namorado do Brasil.
E, para arrebatar os corações das moças casadoiras, Cauby Peixoto. Ele começou a cantar num programa de calouros da Tupi, em 1951. Três anos depois, já era celebridade. Um sucesso atrás do outro. Blue Gardenia (1954), Conceição (1956), Nono Mandamento (1957), Prece de Amor (1958). E muitos outros. Há quem diga que o rápido êxito se devia não apenas às qualidades de cantor. Seu empresário contratava mocinhas para “desmaiar” de emoção com o simples aparecimento do astro; encomendava ternos apenas alinhavados para que as fãs os rasgassem ao tocar o galã.
Compra de voto abala a corte
Em 1937, a cantora Linda Batista torna-se a primeira Rainha do Rádio, em concurso promovido no Iate dos Laranjas, barco carnavalesco atracado no Rio. Durante 11 anos reina soberana. Só perde a coroa quando a Associação Brasileira de Rádio reorganiza o concurso e elege sua irmã, Dircinha Batista.
A eleição mais disputada aconteceu em 1949. Dividiu o Rio de Janeiro em territórios rivais, dominados por exércitos de fãs. Emilinha Borba dava como certa a vitória. Mas Marlene conseguiu o apoio da poderosa Companhia Antarctica. E com a compra de mais de 200 mil votos assegurou a virada no placar. O troco viria em 1953, quando Emilinha arrebatou a coroa com mais de 1 milhão de votos. No ano seguinte seria a vez da ex-operária tecelã Ângela Maria, sucedida por Vera Lúcia e Dóris Monteiro.
O concurso era promovido pela Revista do Rádio, uma das mais lidas por todo o País. O compositor Miguel Gustavo, autor de Pra Frente, Brasil (1970), fez o primeiro sucesso em 1958 com a marcha de carnaval Fanzoca de Rádio, inspirado na revista:
“Ela é fã da Emilinha
Não sai do César de Alencar
Grita o nome do Cauby
E depois de desmaiar
Pega a Revista do Rádio
E começa a se abanar.”
João Rocha Rodrigues