"Eu te punirei em nome da Lua"
Por Miguel Carqueija Em: 16/11/2014, às 21H13
“EU TE PUNIREI EM NOME DA LUA”
Miguel Carqueija
Resenha do volume 5 do mangá “Bishojo senshi Sailor Moon” ou “Pretty guardian Sailor Moon” (A linda guerreira Sailor Moon), edição original da Kodansha (Tokyo), 1992, reedição em 2003; edição brasileira da JBC, São Paulo, 2014. Autora do mangá: Naoko Takeushi.
“A Sailor Moon é como uma mãe para todas: ela certamente protegerá a todas.”
(Chibiusa, na longa-metragem de animação “A promessa da rosa”)
“Eu prometi que salvaria a todos.”
(Sailor Moon, em “A promessa da rosa”)
“Se não tivessem dado ouvidos a informações distorcidas, não se teriam tornado escravos do mal.”
(Sailor Moon, volume 5 do mangá)
“Você controla e se aproveita do coração puro das pessoas! Envolve gente que não precisaria se machucar! O que faz é imperdoável! Sou a Sailor Moon... e vou te punir em nome da Lua!”
(Sailor Moon, idem)
“Sailor Moon! O espírito dela é inabalável!”
(Chibiusa, idem)
“Ninguém mais morrerá na minha frente! Nêmesis! As vilanias que faz contra este planeta acabam hoje!
(Sailor Moon, idem)
“Será que também conseguirei enfrentar os inimigos com tanta coragem como ela?”
(Chibiusa, idem)
O quinto volume do mangá “Sailor Moon”, agora nas bancas, está sensacional e emocionante. Nele acompanhamos a fuga espetacular do planeta maligno Nêmesis, que a Princesa da Lua e suas companheiras executam. Quem acompanhou a trama no volume 4 sabe que Ami Mizuno, Hino Rei e Makoto Kino (ou seja, as sailors Mercúrio, Marte e Júpiter) haviam sido sequestradas pelo Clã da Lua Negra e levadas para o décimo planeta, Nêmesis, em pleno século XXX, para atrair Sailor Moon. O plano do grupo Black Moon e seu líder, o Príncipe Demond (com a supervisão do misterioso mago conhecido como Wiseman, que irá depois se revelar como o Death Phantom, o Fantasma da Morte) é reescrever a História a partir do século 20, para que no século 30 não exista a Tóquio de Cristal e o mundo caia sob o domínio do bando sedicioso.
Não sendo mais as sailors sequestradas úteis, Demond ordena que elas sejam deixadas num calabouço subterrâneo, para morrerem de inanição, sem poderem se transformar por causa da influência do cristal negro, que impregna todo o planeta com excessão de uma passagem para o exterior. Demond, porém, tem um fraco por Usagi Tsukino, a Sailor Moon, e esta, mesmo destransformada, consegue mantê-lo a distância com a força de sua personalidade. Saindo pelo Castelo de Nêmesis à procura de suas amigas — um castelo praticamente despovoado, pois poucos restaram do Clã Black Moon — ela é abordada por Saphir, irmão de Demond, que revela sua crença de que o planeta Nêmesis tenha consciência própria e esteja manipulando as pessoas através de Wiseman. Entretanto, crendo que a culpa maior seja de Sailor Moon (“Meu irmão ficou estranho por sua causa!”) ele subitamente ataca Usagi com violência e tenta matá-la com um fragmento em forma de punhal do cristal negro. Nesse momento Usagi consegue ativar o cristal de prata e, mesmo num mundo dominado pelo cristal negro, ela repele o inimigo e se transforma. Agora está de volta a Guerreira do Amor e da Justiça, com todo o seu poder.
Sailor Moon encontra facilmente, com seus sentidos espirituais, a localização do calabouço subterrâneo onde definham as suas amigas e, encostando os dedos no chão, faz com que o piso se rompa; consegue despertar as três e emprestar-lhes poder para que se transformem; então Marte, Mercúrio e Júpiter se reúnem à sua líder. Nem o Super-Homem teria feito melhor.
Espantado por ter Sailor Moon escapado à influência do cristal negro, Wiseman incita o Príncipe Demond a matá-la e tomar o cristal de prata. Mas Sailor Moon, com altivez, encara Demond com desprezo e apostrofa: “Você não é capaz de me matar!” Demond não se atreve a atacá-la e a Princesa da Lua, dando as mãos às suas amigas, teleporta-se com elas de volta à Terra do século 30. A Terra futura que, atingida pelo imenso megalito de cristal negro, encontra-se à beira da ruína.
Mas a guerra através do espaço e do tempo não acabou e se acirra mais ainda, transferindo-se agora para diante do palácio real da Tóquio de Cristal.
O que me chama a atenção, nessa obra da genial Naoko Takeushi, além da grande carga emocional e da trama densa e inteligente, é a mensagem moral, a perfeita distinção entre o Bem e o Mal, separados por nítida linha divisória. Deus existe. O mundo possui ordem, se no plano físico segue a matemática, no plano moral é regido pelas leis do amor e da justiça. O mal existe, mas é uma anomalia e deve ser combatido sem temor pelas forças do bem. A protagonista tem enfatizado, neste volume, o seu caráter sagrado e sublime. Sailor Moon chega a ser chamada de “guerreira divina”. Esta limpidez — porque Sailor Moon é uma heroína límpida, e seu pensamento puro e amoroso é perfeitamente claro — difere esta obra de outros mangás que, penetrando em assuntos místicos ou sobrenaturais, acabam se perdendo em tortuosidades mórbidas e extravagantes, com personagens ambíguos e universos caóticos.
Há que entender o profundo simbolismo que perpassa esta notável saga de fantasia heróica, comparável a da Terramédia de Tolkien. O cristal de prata, símbolo da pureza em sua transparência, é uma arma divina que só a dinastia real da Lua — Selene no passado, depois Sailor Moon, depois a sua “filha do futuro” Chibiusa (a quem Usagi conheceu antes de tê-la concebido, por causa das transposições temporais ocorridas na luta contra a Black Moon) — pode utilizar. O cristal negro, que impregnou o planeta Nêmesis, é uma arma diabólica manipulada pelo Fantasma da Morte (Wiseman). Os dois cristais são incompatíveis.
E é por isso, porque o Bem e o Mal em estado puro não se misturam, que não há acordo possível entre Sailor Moon e o Fantasma da Morte. No clímax eletrizante deste volume, numa sequência grandiosa e apoteótica, a Princesa da Lua Branca e seu demoníaco adversário travam, em pleno espaço, o combate mortal que decidirá o destino da Terra.
Numa raridade nos dias de hoje, inclusive na cultura pop, a história valoriza o poder da oração. No confronto final com Nêmesis (ou Wiseman, ou o Fantasma da Morte, que no fim como que incorporara o planeta à sua personalidade) a pequena Chibiusa, trazendo o cristal de prata do futuro, junta-se a Sailor Moon (que porta o cristal de prata do passado) no espaço cósmico mas tem um movimento de medo diante do monstro que as confronta. E Sailor Moon encoraja a sua “filhinha do futuro”: “Chibiusa, confie na sua própria força! Ore, faça sua energia crescer em seu interior!” Este simples verbo, “ore”, lembra que é a oração que realmente pode derrotar o poder das trevas.
Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2014.
imagem do mangá: Sailor Moon e Chibiusa no confronto final com o Fantasma da Morte