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[Mária do Rosário Pedreira]

Que este vai ser um ano terrivelmente difícil, já se sabe. Para mim, certamente o será, uma vez que trabalho com novos autores, alguns estreantes, e que será uma dor de cabeça promovê-los e mostrá-los ao mundo num ano em que as pessoas resistem a toda a despesa supérflua e escolhem tendencialmente o que é certo e sabido. Tenho, por isso, muito medo de que venham a passar despercebidos nomes que julgo irem enriquecer o panorama literário nacional, mas que, sem público, ficarão quiçá condenados a publicar apenas um primeiro livro e com os próximos na gaveta. No meu plano para 2011, conto três estreias fulgurantes – e uma delas, por ser o primeiro livro a sair (já em Fevereiro, com a chancela da Dom Quixote) e por ser de uma mulher (há tão poucas escritoras com esta qualidade na nova geração) – merece destaque neste meu post. Chama-se Os Pretos de Pousaflores, assina-o a angolana Aida Gomes (que vive actualmente na Guiné, pois é funcionária das Nações Unidas, que agora promove nesse país uma missão de paz) e junta numa aldeia perdida de Portugal um homem desencantado que teve de deixar a África que o formou e onde estava há quase quarenta anos e os seus três filhos mulatos, cada um de sua mãe, que uma aldeia atrasada como Pousaflores vê, preconceituosa, como «os pretos». Tão depressa terno e poético como hilariante e esclarecedor, este é um romance que conta a história da colonização portuguesa, do declínio do império, da guerra civil em Angola, dos retornados e do abismo para onde muitas vezes são atirados os mais fracos. A ler, absolutamente, porque queremos mais livros de Aida Gomes depois deste. (Ah, a autora estará nas Correntes d’Escritas no final de Fevereiro.)