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 ESPAÇO SEM MULHERES

Miguel Carqueija

 

 

Resenha do romance “Plataforma espacial” (título do original norte-americano: “Station in the space”) – Edart Livraria Editora, São Paulo, 1993; Coleção Ciencificção, 3. Tradução de Nair Lacerda. Capa: Nelson Coletti.

 

            O termo “romance” talvez possa ser utilizado porque, em conjunto, as várias narrativas deste volume formam uma sequência lógica. São cinco “racontos” ou histórias interligadas, escritas na década de 50 e que especulam sobre a navegação espacial, desde o seu primórdio até uma expedição a Marte.

            James Gunn é um autor de estilo escorreito e seguro, embora muito formal, e apesar de suas qualidades ressente-se de muitas idiossincrasias. Uma delas, por exemplo, é o ar de machismo civilizado da trama: a mulher é simplesmente excluída, com pouquíssima participação; e quando aparece ´sempre em papel secundário, mais atrapalhando que ajudando. Gunn se torna anacrônico ao esquecer que a mulher já tomara parte em muitos outros pioneirismos, não havendo porque considerá-la automaticamente descartada na exploração espacial. De fato, na vida real não foi assim.

            Gunn cooca obstáculos verdadeiramente extraordinários para o vôo espacial. O primeiro conto — “A caverna da noite” — fala no drama do primeiro astronauta, Reverdy Mc Millen, que, entrando em órbita em torno da Terra, fica sem combustível para voltar. Não querendo colocar muitas revelações de enredo — os famosos “spoilers” — digo apenas que me parecem inverossímeis as dificuldades financeiras que justificam a tremenda fraude engendrada.

            Em “Mistificação” Amos Danton vai para a “Rosca” (a plataforma do título) realizar o seu sonho dourado e esbarra com a hostilidade do Coronel Pickrell. Este o acha um sonhador idealista — “você tem estrelas nos olhos” — quando o que ele precisava era de um trabalhador com espírito prático. Assim vão sendo delineados, talvez com exagero, os sacrifícios que deveriam acompanhar a exploração espacial.

            “A roda gigante” mostra uma cena exdrúxula: uma multidão de homens em fila indiana e completamente nus, sendo entrevistados para um emprego na “Roda grande” — uma nova estação espacial, maior que a “Rosca” e financiada por uma grande corporação. Aqui, os problemas de relacionamento numa estação espacial (inclusive com a chefia) são o foco. Mas nota-se também o afastamento da mulher, mostrada como um empecilho: a esposa que ameaça separar-se caso o marido resolva mesmo, trabalhar no espaço.

            “Barril de pólvora” é uma teoria da conspiração. O General Ashley, da Força Aérea, está decidido a desativar as plataformas espaciais por causa do perigo que elas representam para a sobrevivência da espécie humana: “Tem um dedo no gatilho, lá em cima, e não há ninguém para dizer-lhes quando atirar, a não ser um lunático.”

            Ashley está disposto a jugular a aventura humana no espaço e para tal não hesita em remeter para a roda espacial o Capitão Phillips, psicólogo, com a missão específica de “constatar” que todos os que trabalham por lá são loucos homicidas em potencial e por isso a exploração espacial deve terminar e a humanidade permanecer só na Terra. Phillips vai... e a história prossegue com suas experiências e constatações, e um final em linhas gerais previsíveis.

            “O espaço é um lugar solitário” é o maior conto do volume, tendo mesmo dimensões de novela, e narra em detalhes a terceira tentativa de levar seres humanos até Marte. A substância da trama é o difícil relacionamento entre os homens que tomam parte na missão: Holloway (comandante da nave “Santa Maria”), Craddock, Migliardo, Barr, Jelinek e o misterioso Shepers, uma “pegadinha” do autor.

            Contudo a narrativa é escorreita e detalhista: “Quatro dos tripulantes estavam na coberta de estar, que era alcançada através de qualquer dos dois orifícios concêntricos nas repartições divisórias bisseccionadaspor um mastro de alumínio pintado, como os que usam os bombeiros. Presas a uma parede curva ficavam as tarimbas, que podiam ser dobradas contra ela. A outra extremidade do aposento pertencia á unidade de refeições: um distribuidor de lanches rápidos, um congelador gigantesco, que se estendia para a coberta de armazenagem, uma instalação de ondas curtas e uma mesa circular”.

            Num ambiente de isolamento — pois não conseguem receber comunicação da Terra ou das rodas espaciais — o clima vai se deteriorando até chegar ao homicídio. Contudo a mensagem final é de otimismo.

            No cômputo geral um livro importante para a história da ficção científica, muito bem escrito mas de enredo assaz questionável.

 

Rio de Janeiro, 5 a 18 de janeiro de 2015.