Escritora portuguesa Maria Azenha no bate-papo de Entretextos
Em: 06/03/2009, às 14H16
Uma das grandes vozes femininas da poesia em portugal, Maria Azenha, é a convidada para o bate-papo do Portal Entre-textos na sexta-feira, 13, a partir de 16 horas no horário brasileiro e 19 horas no português. Nascida em 1945, em Coimbra, Azenha exerceu o magistério em diversas faculdades e escolas secundárias e publicou, entre outros, os livros Folha Móvel (Edições Átrio, 1987); Pátria d'Água (Edições Átrio 1991); A Lição do Vento (Edições Átrio, 1992); O Último Rei de Portugal (Fundação Lusíada, 1992); Concerto Para o Fim do Futuro (Ed.Hugin,1999); O Último Rei de Portugal (Fundação Lusíada, 1992); O Coração dos Relógios (Edições Pergaminho, 1999); P.I.M. (Poemas de Intervenção e Manicómio) (Universitária Editora, 2000); Nossa Senhora de Burka, edição Alma Azul, Coimbra, 2002, De Camões a Pessoa, a viagem iniciática, editora Sete Caminhos, Lisboa, 2006. O último trabalho de Azenha foi o cd O mar atinge-nos.
Mergulhe em alguns poemas de Azenha:
ao colo de minha mãe.
tinham fechado as janelas da casa.
as portas eram agora grandes muralhas.
e eu sentada sobre uma pedra
fiquei para sempre do lado de fora.
muito alto muito alto o tecto
traça o gesto que destrói
as estrelas de há milénios.
há um punhal cravado no jardim da sala
onde minha mãe me pegava ao colo.
para não ouvir os gritos das gotas de água
que caem ainda hoje das torneiras
desço os degraus da chuva
não paro de descer
e num ritual muito antigo e sábio
acendo uma vela
espero a solidão de Deus no incenso a arder...
poemas que vou soletrando devagar
é sobre eles que escrevo ao início da noite
para dentro dos pomares grito o teu nome
contra o tédio dos livros mãe
é inverno frio
neva uma rosa
que penteava os cabelos ao sol
porque tinha no pensamento uma flor
sei que os lavava ao luar
porque tinha no coração uma corola
com a boca mordia o ar
e prendia os vestidos ao vento
era uma mulher sentada numa pedra
coroada por um lírio salgado na fronte
um dia
cortou os cabelos
atirando-os um a um ao mar
e disse: tece-me
e o mar inclinou-se por dentro
para tecer
o poema
todos os poemas que escreverei já foram escritos
dou-me apenas ao ofício das trevas
de os revelar em pedaços de argila
neles todos estão impressos a chuva e o vento
e as folhas noviças dos séculos e
meu pai e minha mãe que já partiram
esvoaçando num passado remoto.
que nunca fora amada porque não era bela
e que numa noite na taberna de Vladivostoque
se ofereceu derradeiramente a Joseph Kessel
talvez pouca gente saiba deste verso
que nunca terá sido dito deste modo
e foi acontecido durante a guerra sino-japonesa
quase ninguém esteve lá para o ver
é exactamente por esta razão que os meus poemas
sei apesar de tudo porque li Juan Gelman
que cada lágrima é um problema insolúvel
que os relógios nunca existiram
e que a Terra era um campo verde de paz
quando me abraçavas
colocavas-me uma coroa de rosas à volta dos olhos,
e eu via pássaros.
agora só a flor nua
no solitário dos rios permanece,
tornaste-te invisível.
sobre a poeira que te cobre o rosto
deixo-te o meu cartão permanente de visita:
coração que prepara a noite
reflecte na água
a luz
de
uma ferida.
pareceu-me estranho.
era um rosto
feminino
de trinta e dois anos.
chamei-o pelo nome
ele sabia o caminho.
trouxe-me de volta
um eco
uma ave
uma foice
um trevo do mar.
deitei-me à água
sem corpo
num barco branco
de
trevas
toda a noite a lua
e o fogo
foram minha coroa de pérolas.
atravessei o oceano
em minhas asas de ar
voaram para longe
sobre o espelho desfeito
do mar.
volto a clamar
pelo nome do rosto
que vi como um sonho
ao Guardião entrego
três moedas de ouro
três nomes gravados
três sinais fechados