Escrever por dinheiro
Em: 24/07/2014, às 07H36
[Bráulio Tavares]
O escritor Neil Gaiman conta que no início de sua carreira, ainda pouco conhecido, recebeu um telefonema de uma editora propondo-lhe trabalho. Queriam saber se ele estava disposto a escrever um livro sobre um artista de rock, uma espécie de biografia. Ele se entusiasmou com a idéia e começou de cara a propor temas: Velvet Underground, David Bowie, Elvis Costello... A editora o interrompeu e disse: “Calma, não é você quem escolhe. Me diga: você quer escrever um livro sobre Barry Manilow, sobre o Def Leppard ou sobre o Duran Duran?”. Gaiman acabou topando escrever sobre o Duran Duran, que era uma banda relativamente nova, porque, diz ele, “para escrever sobre Barry Manilow eu teria que escutar pelo menos uns 40 discos de Barry Manilow”. O livro foi escrito, e é Duran Duran: The First Four Years of the Fabulous Five (1984).
Escritores principiantes têm às vezes uma ideia meio maniqueísta sobre os conceitos de trabalho artístico e trabalho comercial. O trabalho artístico seria aquele que “vem de dentro”, como se costuma dizer. Uma idéia que o artista tem por uma mera idiossincrasia pessoal, uma inspiração, um impulso, uma veneta soberana do seu Ego. E o trabalho comercial seria aquele que ele faz por dinheiro, pressionado por pessoas de moral escusa que percebem o momento financeiramente fragilizado que ele vive; um trabalho que não se distingue da prostituição, da venda de favores sexuais para pagar o aluguel, o condomínio e o seguro do carro.
Nem tanto ao mar nem tanto à terra, pessoal. O que a vida real nos propõe são situações próximas do episódio relatado por Gaiman. Na minha experiência, recebo o tempo todo propostas como aquela. Nem somos totalmente livres para escolher, pois se trata se um projeto alheio para o qual estamos sendo convidados, nem somos obrigados a aceitar tudo – há sempre uma margem de múltipla escolha onde podemos escolher o que mais nos agrada, ou o que menos compromete a nossa reputação. E, no caso do artista freelancer, existe a possibilidade de dizer: “Ih, rapaz, não achei muito interessante. Chama outra pessoa, mas na próxima vez me fala de novo, pode ser que role.”
O escritor profissional não vive apenas de ter ideias geniais na calada da noite, vive do telefone que toca às três da tarde convidando-o para fazer algo em que ele nunca tinha pensado. O profissionalismo começa no momento de aceitar ou não, de ter a coragem de recusar quando o trabalho não convém, e a disposição para fazer o melhor possível depois que aceita. Até mesmo as garotas do “trottoir” têm a chance de escolher se querem entrar no carro daquele cara, ou se acham que é uma roubada.