Escrever e respirar
Por Bráulio Tavares Em: 25/09/2012, às 07H14
[Bráulio Tavares]
(Londres, 1940)
Suponhamos que daqui a 100 anos a atual crise ambiental se agravou a um tal ponto que a poluição envenenou a atmosfera de modo irremediável. Para sobreviver, a humanidade construiu imensas usinas produtoras de cilindros de oxigênio, que são acoplados aos nossos narizes desde o momento em que o cordão umbilical do bebê é cortado na maternidade. Todo ser humano vive feito um mergulhador, com aquele trambolho de metal numa mochila às costas e os tubos flexíveis conduzindo aos pulmões o gás indispensável à vida. É de graça? Quem dera. As indústrias e os governos cobram, e cobram caro por isso. Mas todo mundo paga, ou melhor, quem está vivo é porque consegue pagar. Os que não conseguiram não pertencem mais à paisagem.
Um belo dia, um grupo de indústrias independentes inventa um processo químico de limpar a atmosfera e num piscar de olhos, em 20 ou 30 anos, o ar volta a ser uniformemente respirável, ou pelo menos fica igual a este ar que respiramos em 2012. E agora? O mundo entra em crise. Dezenas de milhões de desempregados superlotam a Praça Tahir, a Plaza de Mayo, Wall Street, o Vale do Anhangabaú. “Queremos de volta a indústria do oxigênio”, bradam eles, arquejantes (e meio bêbados, claro, seus pulmões não estavam acostumados àquela overdose). Os governos arrancam os cabelos porque vão ficar sem os 71% de impostos que cobravam sobre a indústria respiratória. Filósofos ponderam: “Respirar de graça empobrece o senso de responsabilidade dos cidadãos. E esse desperdício de oxigênio não-respirado, francamente!”.