[Bráulio Tavares]



(Londres, 1940)


Suponhamos que daqui a 100 anos a atual crise ambiental se agravou a um tal ponto que a poluição envenenou a atmosfera de modo irremediável. Para sobreviver, a humanidade construiu imensas usinas produtoras de cilindros de oxigênio, que são acoplados aos nossos narizes desde o momento em que o cordão umbilical do bebê é cortado na maternidade. Todo ser humano vive feito um mergulhador, com aquele trambolho de metal numa mochila às costas e os tubos flexíveis conduzindo aos pulmões o gás indispensável à vida.  É de graça? Quem dera. As indústrias e os governos cobram, e cobram caro por isso. Mas todo mundo paga, ou melhor, quem está vivo é porque consegue pagar. Os que não conseguiram não pertencem mais à paisagem.
 
Um belo dia, um grupo de indústrias independentes inventa um processo químico de limpar a atmosfera e num piscar de olhos, em 20 ou 30 anos, o ar volta a ser uniformemente respirável, ou pelo menos fica igual a este ar que respiramos em 2012. E agora? O mundo entra em crise.  Dezenas de milhões de desempregados superlotam a Praça Tahir, a Plaza de Mayo, Wall Street, o Vale do Anhangabaú. “Queremos de volta a indústria do oxigênio”, bradam eles, arquejantes (e meio bêbados, claro, seus pulmões não estavam acostumados àquela overdose). Os governos arrancam os cabelos porque vão ficar sem os 71% de impostos que cobravam sobre a indústria respiratória. Filósofos ponderam: “Respirar de graça empobrece o senso de responsabilidade dos cidadãos. E esse desperdício de oxigênio não-respirado, francamente!”.
 
É uma crise assim que a tecnologia digital está precipitando num mundo que estava deixando de ter Cultura para ter Indústria Cultural. Os aspectos industriais e suas prioridades tomaram a frente, e a gente criou este universo surrealista em que a Cultura, que é o compartilhamento livre de informações e contatos entre as pessoas e os grupos, virou uma “commodity”, e nos preocupamos mais com a geração de empregos do que com a geração de idéias. É uma grave crise para todo mundo que ganhava dinheiro com música, filmes e livros – por uma coincidência sinistra, as três coisas com que eu próprio ganho a vida. O que fazer?  Ser contra? Não, amigo. Descobrir maneiras alternativas de ganhar dinheiro. Cultura é oxigênio, não pode ser nem estatizada nem privatizada, pertence aos animais individuais que somos, e não a Instituições. Na nossa cultura, aceitamos como normal que não se ganhe dinheiro para pular carnaval ou para fazer sexo.  Por que essa atitude não pode ser estendida a outras atividades?  Por que tudo tem que ser medido em termos de dinheiro?  Há mil outras maneiras de ganhar dinheiro.