Cunha e Silva Filho

 

                            O massacre de adolescentes, quase crianças, em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, acontecido na Escola Municipal Tasso da Silveira, marca para sempre na memória de todos nós, uma tragédia diferente de todas aquelas que neste país já aconteceram. Não foi um acidente de carro, nem assalto, nem estupros, nem brigas entre alunos, nem tiroteios entre bandidos e bandidos ou policiais e bandidos, nem foram balas perdidas. Foi apenas isso: um ataque de um adulto anormal psiquicamente, desses comuns na terra do Tio Sam que, de repente, saem matando indiscriminadamente inocentes em salas de aulas e, às vezes, tirando a vida de professores.
                           Portanto, não foi algo ocorrido na sociedade afluente americana, de altíssima tecnologia, de modos de vida altamente artificiais, de relações interpessoais utilitaristas, de gente apressada em faturar cada vez mais. Não, leitor, o fato se deu aqui no Rio de Janeiro, numa escola municipal da prefeitura, escola que leva o nome de um grande poeta paranaense, Tasso da Silveira (1895-1958), que, por sinal, estudou e lecionou no Rio de Janeiro, e é figura de proa da corrente espiritualista do Modernismo brasileiro ao lado de Cecília Meireles (1901-1964), Tristão de Athayde ( 1893-1983), Murilo Araújo (1894-1980) Gilka Machado (1893-1980) e outros. A poesia dos mistérios se confunde um tanto contraditoriamente com os mistérios do massacre. 
                           Que ironia misturar a imagem da escola com o sangue trágico derramado de inocentes, essas álacres quase crianças, que tanto me lembram as minhas queridas aluninhas cheias de sorrisos e de brincadeiras em sala de aulas e que nunca me foram problemas. Só os meninos é que me deram muito aborrecimento e me tiravam do sério. Essas quase crianças, entregues aos cuidados da direção da escola e dos seus professores, de repente se defrontaram com a malignidade fruto da psicopatia. Choro pelos meninos e meninas, mas apenas sinto  pelo atirador um misto de indignação e aterradora perplexidade. Não lhe tenho ódio, pois quem há de, em sã consciência, votar ódio a um tresloucado, a um psicótico, a um anormal, cujo lugar seria o hospital psiquiátrico ou o manicômio?  Criaturas como ele, que causam cueldades inomináveis,  são diferentes dos perversos, dos torturadores, dos cruéis, dos pistoleiros, dos maus, estes, sim, na  normalidade, provocam os chamados crimes hediondos. Fazem tudo por mero instinto de maldade, com consciência plena de seus atos sórdidos. 
                          Ora, quem diria que  um prédio de três andares, com aquela arquitetura inconfundível de algumas escolas públicas municipais em algumas das quais,  durante quase três décadas, trabalhei,   um dia seria palco da primeira tragédia dessa natureza. Este massacre serve como ponto de partida para a solução de alguns problemas crônicos que as escolas públicas brasileiras atravessam: a falta de segurança, a violência contra professores por parte de alunos altamente indisciplinados, as condições salariais aviltantes. 
                       Veja, leitor,  uma escola pública municipal tem infraestrutura frágil, desde a ausência de porteiros ou da vigilância pelo menos  periódica de guardas municipais ou mesmo da polícia militar até a qualidade de ensino, condições de trabalho dos docentes, entre outras carências. O que se vê são escolas com portões abertos, entregues à própria sorte. Com experiência longa de escola pública, já presenciei isso com frequência. Cabe aos prefeitos alterarem tudo isso, dotando as escolas públicas de maior segurança, conforto e outros requisitos fundamentais a quem estuda. 
                       Enquanto os governos municipais e estaduais não investirem no sistema educacional brasileiro, muito mais que pensando em apenas jogos e copas, que vão dar lucro só a alguns setores do estado e do município, ou outras providências no âmbito da educação não forem tomadas, a estrutura do Estado se torna responsável pela desatenção dada a aspectos cruciais da sociedade que, com a ausência deles, por vias indiretas, tornam-se causa de tantos males sociais geradores de tragédias como esta que o Rio acaba de presenciar.
                     Ou seja, nossos jovens, nossos adolescentes devem ser mais bem orientados desde a escola nos seus primeiros anos até principalmente os mais complexos que são os da adolescência, em que transformações psicobiológicas importantes tomam vulto e necessitam de orientação e supervisão escola atentas visando a detectar comportamentos antissociais nos jovens e, se for o caso, encaminhá-los para os setores de saúde competentes. O caso do atirador Wellington bem pode servir de baliza para que as autoridades educacionais e os governos despertem do longo e pesado sono da indiferença e da desídia e arregacem as mãos literalmente para dar o chute inicial de transformação efetiva desse tripé : saúde, educação e segurança.
                   O massacre da escola de Realengo é um alerta para as autoridades e para a sociedade em geral. É preciso nos prepararmos, de agora em diante, ainda que tardiamente – como diz parte do lema dos inconfidentes -, a fim de que tais atrocidades sejam evitadas, se é que podem ser evitadas totalmente, mas prevenir, investigar, discutir soluções, mudar hábitos de administração já ultrapassados e repensar estratégias que se adequem à realidade atual da vida social brasileira. Façamos isso antes que seja tarde demais, porquanto nenhum brasileiro que sofreu com esta tragédia contra inocentes deseja que outras famílias passem pela mesma inconsolável dor.