Lagoa do Jacaré, em Piracuruca (Imagem colhida no Facebook Lagoa do Jacaré).
Lagoa do Jacaré, em Piracuruca (Imagem colhida no Facebook Lagoa do Jacaré).

Reginaldo Miranda[1]

Episódio pouco conhecido da história piauiense é a batalha, confronto, embate, choque ou escaramuça que se deu nas margens da Lagoa do Jacaré, na freguesia de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca, em 11 de março de 1823.  Foi um prenúncio da sangrenta Batalha do Jenipapo, que se travaria dois dias depois, nos arredores da vila de Campo Maior, entre as tropas fieis ao governo constitucional de Lisboa e as separatistas do Piauí e Ceará.

É de conhecimento geral que, em 19 de outubro de 1822, o senado da câmara da vila de São João da Parnaíba bradou contra a recolonização do Brasil, proclamando a mantença do Reino Unido do Brasil Portugal e Algarves. Esse ato obrigou o governador das armas do Piauí, João José da Cunha Fidié sair de Oeiras para abafar aquele movimento em Parnaíba. Chegando em 18 de dezembro, não achou a quem combater porque os principais líderes haviam fugido para a vila de Granja, no Ceará, cuja província, àquela altura, era francamente partidária da independência.

Mais tarde, às nove horas da manhã, de 22 de janeiro de 1823, estava o padre Boaventura Fernandes de Meireles, fazendo orações para dizer a missa, quando entra espavorida na igreja uma escrava sua, avisando que estava a povoação tomada por índios e mais soldados vindos da província do Ceará. Era Leonardo Castelo Branco que retornava à frente daquele contingente para proclamar, no adro da igreja matriz de N. Sra. do Carmo, a adesão daquela vila à independência do Brasil.

No entanto, com o retorno do major João José da Cunha Fidié, para abafar a insurgência que iam proclamando as povoações e vilas, desde Oeiras, para onde se dirigia, teve de passar por Piracuruca, que ficava no caminho, a vinte léguas de distância. Com a sua aproximação foram os patriotas, maior parte cearenses, se retirando da povoação da Piracuruca, para evitar o confronto bélico. Todavia, chegando à fazenda Ilhós de Baixo, em 9 de março, fez marchar pela região uma patrulha de reconhecimento, formada por 80 homens da cavalaria, a fim de averiguarem a situação local. Nessa diligência, dois dias depois, esse contingente de cavalarianos encontrou-se com 40 a 50 patriotas da independência, também montados à cavalo, nas margens da Lagoa do Jacaré. Depois de ligeiro confronto, retiraram-se os patriotas, com algumas baixas, conseguindo aprisionar um soldado de Fidié, que foi cruelmente assassinado. Em correspondência ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Guerra, esse embate foi assim relatado pelo indicado governador das armas:

“Tenho a honra de participar a Vossa Excelência para levar à presença de Sua Majestade, que chegando a Ilhós de Baixo no dia 9 do corrente, e desejando melhor picar a retaguarda dos facciosos que em consequência da minha marcha, se haviam retirado da povoação de Piracuruca, fiz marchar 80 homens de cavalo, os quais no dia 11 se encontraram com 40 a 50 facciosos montados, e tiveram com eles um pequeno choque na Lagoa do Jacaré em que os facciosos sofreram alguma perda, sendo obrigados a tomarem a fuga, ficando só um prisioneiro da minha tropa, que depois cruelmente mataram a sangue frio” (AHU. ACL. CU 016. Cx. 32. D. 1684).

Essa escaramuça foi sucintamente relatada por todos os historiadores que escreveram sobre a guerra da independência no Piauí.  Felizmente, deixou Fidié preciosa correspondência publicada no Conciliador do Maranhão, cujo original manuscrito foi por nós conferido no Arquivo Histórico Ultramarino. Foi o prenúncio da batalha que se travaria dois dias depois, nas margens do riacho Jenipapo, em Campo Maior. Piracuruca foi cenário do primeiro confronto entre os defensores da causa portuguesa e os patriotas da independência. No entanto, a pesquisa merece ser aprofundada na tentativa de se encontrar algum relato feito pelos patriotas, podendo-se, assim, confrontar versões diferentes.   

 


[1] REGINALDO MIRANDA, advogado especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual, foi membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI, da Comissão de História, Memória, Verdade e Justiça, assim como cofundador e presidente da Associação de Advogados Previdenciaristas do Piauí. Representa a OAB-PI na composição da Comissão de Estudos Territoriais do Estado do Piauí – CETE (17.2.2021 – 31.1.2023). É membro da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí. E-mail: [email protected]