EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO - RIO DE JANEIRO, DEZEMBRO DE 2001

NEUZA MACHADO

(Para o Brasileiro do Brasil-País do Futuro lembrar-se sempre que existiu um Brasil-Tristes Trópicos até o final do Século XX)


Hoje, dia 09 de Dezembro de 2001, o tema de meumissivo, Meus Amigos e Amigas do Brasilês Futuro Sem-Muro!, é a Vida. Gostaria de lhes revelar esta minha grande paixão pela Vida. Se os meus Contemporâneos Mais Abonados soubessem (aqueles que estão com saúde, dinheiro no Banco e nos bolsos, os filhos em bons Colégios, muito alimento estocado em suas despensas, et cœtera) quomodo é sensacional estar vivendo e tivessem consciência do quanto foram agraciados pela Sorte Benfazeja, esta nossa realidade existencial seria algo fora do comum. Se essa consciência (ela está pendurada em uma Ilha distante e inatingível) fizesse parte dos nossos sentimentos existenciais, saberíamos dividir o pão e o vinho conforme o Filho de Deus nos ensinou no início da Era Cristã. Atualmente, neste Final de Anno de 2001, não dividimos nada com nossos semelhantes menos afortunados. De vez em quando fazemos uma caridadezinha, principalmente, por ocasião do Natal, e, com isto, aplacamos a tal culpa (sentimento moderno) que, não sabemos o motivo, instala-se em nossos corações.

Meus Amigos e Amigas (do Futuro Sem-Muro, naturalmente), viver, para a maior parte da humanidade, aqui, em meu tempo histórico (Final de Anno de 2001), é um pesadelo digno de ser formalizado em extensas páginas épicas ou ficcionais. Por exemplo: viajar de Metrô, no Rio de Janeiro, a mais bella Megalópole do Mundo Rotundo, às dezoito horas, voltando do trabalho diário, é uma façanha existencial para nenhum Homem do Brasilês Futuro Sem-Muro botar defeito (Meninos! Eu sei!; Meninos! Eu vi!).

[Não sei se, no Brasilês Futuro Sem-Muro, esta expressão botar defeito será usada, por isto, estou a enviar-lhes também os outros significados atuais (deste Final de Anno de 2001) do verbo transitivo diretobotar. De acordo com a etimologia, o verbo botar significava, em um passado remoto, lançar fora. Tornou-se um verbo tão popular (já sofreu degeneração semântica) que, aqui em meu Brasil Varonil deste Anno de 2001, só os sobviventes (ou subviventes, se Vocês assim decidirem!), os falantes daClasse C (confiram, por favor, a cartinha que lhes enviei no dia 18 de novembro de 2001) atrevem-se a mencioná-lo. Por exemplo, o bebedor de aguardente (bebida de alto teor alcoólico) dirá: Ó meu (meu amigo, meu camarada, et cœtera), bota uma daquelas que matou o guarda aqui no meu copo. Hoje (somos brasileses chics), há outros significados, mais eruditos!, que substituem o verbo botar. Anotem: pôr, colocar, guardar, depositar, incutir, imputar, infundir, et cœtera. Desculpem-me osenclaves
 discursivos, mas, preocupo-me sempre com a evolução das palavras, com as expressões populares e a arte do bem-falar].

Mas, retomando o teor de meu missivo, neste Final de Anno de 2001, neste meu Tempo Histórico de calamidades sem-fim, andar de Metrô (um veloz veículo, um trem subterrâneo) é uma façanha existencial prá ninguém botar defeito. Quando os brasileses cariocjônios voltam do trabalho diário, enfrentam uma série de problemas. É uma batalha terrível!, pior do que a batalha entre Gregos e Troianos mencionada por Homero (conf.: ILÍADA) em seus famosos versos hexâmetros. Eu, meus Amigos, ando de ônibus ou de Metrô, para chegar ao (ou voltar do) trabalho diário. Por esta razão, permito-me escrever-lhes sobre um assunto tão problemático. Infelizmente, para resolver esta questão, não possuo a solucionática (só para lembrar-me do grande e deiforme Jogador de Futebol Brasilês Dadá Maravilha, criador da palavra solucionática
 e herói de minha mocidade).

Há duas semanas (lá para o Final de Novembro de 2001), mais ou menos, por volta das dezoito horas, assisti a uma briga violentíssima, na Estação Estácio ¾ linha dois: Estácio/Pavuna ¾, entre dois homens que voltavam do trabalho estafante. Os dois homens estavam brigando, simplesmente!, por um assento. Estapeavam-se violentamente, porque queriam viajar sentados e, no empurra-empurra ¾ uma quantidade incrível de pessoas viajando em um minúsculo vagão ¾, um se antecipou ao pretenso dono
do assento e, quomodo isto por acá é normalíssimo, a confusão teve início, necessitando de intervenção de Guardas truculentos, todos treinados para tal empresa, para acalmar os ânimos.

A Vida, Meus Amigos, é uma dádiva preciosa. A Morte é uma certeza. Mas, deixando de lado esta certeza, deveríamos aproveitar nossa estadia aqui na Terra de Deus, transformando esta dádiva em algo prazeroso. Infelizmente, o meu Mundo atual (do Final do Anno de 2001, não s’esqueça!) é um lugar de incríveis conflitos. O progresso desenfreado e a luta diária pela sobrevivência (os sobreviventes ¾ a famosa classe B ¾ são oriundos da antiga Classe Média do Brasil Varonil) transformaram a nossa realidade em algo pior do que o Inferno
 de Dante Alighieri.

Enfim, Meus Amigos e Amigas do Futuro Brasilês Sem-Muro!, são estas as notícias de hoje (dia 09 de Dezembro de 2001). Por ora, não lhes falarei da Guerra, porque o mês de Dezembro é um mês de muuuuuuita Alegria! Vamos queimar milhões de cartuchos de fogos-de-artifício na passagem do Anno de 2001 para o Anno de 2002. Não deixarei de relatar-lhes o Grande Acontecimento Vindouro.

Em relação aos muitos muuuuuuito pobres do Mundo Rotundo, neste Início do Terceiro Milênio (Primeiro Anno do Século XXI - 2001): não se preocupem ― Meus Amigos e Amigas do Futuro Brasilês Sem-Muro! ― com os milhõõõõõões de Brasileses Sem Tecto que Passam Fome Neste Meu Tempo de Inúmeras Calamidades. Pelo menos, neste Momento Festivo, os poucos muuuuuuito ricos olharão por eles. Depois... Depois, será o que Deus quiser!... Mas, a Invisível Guerra Cotidiana continua...


Para Vocês, Meus Amores do Futuro Brasilês Sem-Muro!, um Mui Exaltado Abraço Transtemporal da:


ODISSÉIA MARIA, filha de Antônio Aquileu Musicista, o Pelida, e de Jane Briseides dos Campos de Plantação de Café de Minas Gerais.