Entrevista: A Flor do Pequeno Principezinho

[Dílson Lages Monteiro - especial para Entretextos]

Quando publicou O segredo da Chita Voadora (Nova Aliança, 2017), Márcia Evelin encantou pequenos leitores com uma narrativa infantil em que o lúdico, por meio da imaginação e do diálogo com outras culturas, encontrou forte amparo no público. Ela já vinha de um bem-sucedido resgate de uma das lendas mais celebradas no Piauí, a lenda do Bumba Meu Boi, materializada em Boi do Piauí (Nova Aliança, 2015). Texto em que a musicalidade e a memória coletiva vão fisgando os pequeninos a se encontrarem com um dos fatores identitários do Estado. Agora, ressurge sua arte de contar, em A Flor do Pequeno Principezinho (Nova Aliança),  recuperando o clássico universal O Pequeno Príncipe, do francês Saint-Exupery, um dos livros para crianças mais traduzidos no mundo. Em diálogo com a obra, ela propõe novos e velhos questionamentos filosóficos, que tornam a simbologia da narrativa uma agradável fonte de descobertas. O livro será lançado em Teresina, no dia 25 de maio, na Livraria Entrelivros, às 19h. O professor e escritor Dílson Lages Monteiro, da Academia Piauiense de Letras, entrevistou a escritora Márcia Evelin.

Dílson Lages  – A intertextualidade é uma das bases do lúdico na literatura. Como ela se apresenta em A Flor do Pequeno Principezinho?

Márcia Evelin  – Em A Flor do Pequeno Principezinho, há intertextualidade de forma explicita com o clássico da literatura universal, O Pequeno Príncipe, do autor francês Antoine de Saint-Exupéry, embora sua leitura seja perfeitamente entendível, mesmo que o leitor não conheça a obra original. A história do Pequeno Príncipe habita meu imaginário literário desde a infância. Quando me tornei professora, contadora de histórias e, mais tarde, escritora de livros para crianças, pensei em escrever uma história inspirada nela, mas não sabia como. Um dia recebi um mote de uma criança que, após ouvir a história O Pequeno Príncipe, contada por mim, quis saber como foi o encontro do personagem com sua flor, ao voltar a seu planeta. Foi aí que a ideia da minha história A Flor do Pequeno Principezinho nasceu, trazendo a Flor, uma personagem aparentemente secundária na história original, para, também, assumir o papel de protagonista na nova história se é que essa história tenha protagonistas, pois o que acontece é uma alternância de vozes dos dois personagens.

 

Dílson Lages – Você se vale de elementos de outras culturas para fazer diálogo com os temas que explora. Quais elementos são esses e o que pretende por meio deles?

Márcia Evelin  – A Flor do Pequeno Principezinho é uma história de muitos significados simbólicos, alguns oriundos da minha infância, quando conheci a obra original, outros criados a partir de percepções que passei a ter de elementos internos existentes na obra como, por exemplo, a presença do deserto do Saara e da árvore Baobá, que remetem o leitor ao continente africano. Teria Saint-Exupéry uma paixão escondida pela África? Tudo indica que sim, já que o autor-aviador trabalhou em empresa aérea francesa que tinha a África como destino.  Algumas outras temáticas surgiram intuitivamente a partir da minha ideia inicial de querer mostrar o que aconteceu no reencontro dos dois personagens, como  a descoberta de suas origens, ambos advindos do planeta Terra e por que não do continente africano, considerado o berço da humanidade. Com certeza, esse livro tem um pé na África e não foi por acaso que escolhi o dia 25 de maio para seu lançamento, Dia Mundial da África.

 

Dílson Lages – Como a ambientação que você constrói estimula a leitura?          

Márcia Evelin  – A linguagem verbal juntamente com a linguagem imagética na obra A Flor do Pequeno Principezinho criam um todo harmônico que fisga o leitor para a leitura da obra. Acredito que o livro destina-se a dois tipos de leitores: o leitor que já leu o livro O Pequeno Príncipe, que ficará maravilhado ao rever os personagens queridos nas páginas do novo  livro e o leitor que ainda não leu o original e terá vontade de ler, ao entrar em contato com um texto de puro encantamento adornado pelas belas ilustrações de Ângela Rego. Essa via em mão-dupla é muito importante na formação de leitores, uma obra leva a outra.

 

Dílson Lages  – O que é mais importante para você na hora de criar a ambientação: a preocupação com a ambiência, com a tradução, com o meio, com a criação do personagem? Ou tudo isso e mais um pouco?

Márcia Evelin  – Sim, tudo isso e mais um pouco. Meus livros são criados para serem contados, eles nascem na oralidade, são escritos e devem voltar à oralidade. A Flor do Pequeno Principezinho não foge à regra. Portanto, o livro possui uma linguagem clara e direta que encanta o leitor e o ouvinte. Além disso, a presença do mistério, da descoberta, das várias possibilidades de interpretação e reflexões, acionadas pela linguagem verbal e visual é essencial.  Não gosto de histórias que tenham uma única possibilidade, que diga tudo, sem deixar que o leitor seja  co-autor, que possa preencher as entrelinhas.

 

Dílson Lages  – Qual recado você daria ao que se interessaram em ler A Flor do Pequeno Principezinho?

Márcia Evelin  – Diria que o leitor do livro A Flor do Pequeno Principezinho vai se deparar com uma história de amor, reflexão e transformação pessoal, uma história que fala de origens, de raízes, de ancestralidade, de saber cativar, que nos faz relembrar conceitos que precisam ser recuperados nos tempos atuais, tendo como inspiração o clássico livro de Saint-Exupéry, que possui mais de 250 versões em todo o mundo. Afinal, quem nunca leu O Pequeno Príncipe? Acho que isso é tudo!

 

Dílson Lages  – Quais semelhanças e diferenças guarda seu personagem protagonista com os personagens de O Pequeno Príncipe de Sait-Exupery? Reforçando a pergunta, visualmente, o que liga sua obra à do escritor francês?

Márcia Evelin  – Ao escrever A Flor do Pequeno Principezinho procurei ser fiel a muitas coisas da obra original, tanto no meu texto, como nas imagens do livro, mantendo diálogo constante com a ilustradora Ângela Rego, o que intensificou a intertextualidade presente na obra. Por exemplo: reproduzi na história uma das frases mais famosas e importantes do original na íntegra, quando a Flor nasce e pergunta ao principezinho: “Tu poderias cuidar de mim?”. Também trouxe, em conversa do personagem com a Flor, como lembrança ou dispositivo para rememorar a obra original, imagens da história anterior, em molduras de álbuns antigos. Além disso, acato o desejo de Saint-Exupéry de não mostrar o carneiro que o aviador desenha para o principezinho, de deixá-lo escondido, para ser imaginado pela criança. A inovação fica por conta da presença de imagens do Pequeno Príncipe de cor clara, em silhueta e finalmente com a tez da pele da cor da noite. Qual seria sua verdadeira cor? Isso fica a cargo da imaginação do leitor que buscará sentido para o enredo, fazendo conexões com muitas temáticas vividas em seu cotidiano.

Dílson Lages  – Quais efeitos de sentido, no plano visual e temático, você espera que essa obra alcance junto aos pequenos leitores?

Márcia Evelin – Penso que A Flor  do Pequeno Principezinho é uma história para provocar os pequenos leitores, para fazê-los pensarem sobre muitas coisas, para que tenham elementos estéticos que os possibilitem entender o verdadeiro sentido da vida, para que vejam que muitas vezes é preciso deixarmos o lugar em que estamos para descobrirmos  nossas verdadeiras raízes...tanta coisa mais, basta que mergulhem nesse universo imaginário, porque “o essencial é invisível aos olhos”. Boa leitura!