Miguel Carqueija

Fazia meia hora que o Capitão Barbosa, diante de sua tela comunicadora, buscava contato com o Intendente da Frota Espacial Brasileira, Gaspar Toledano, mas como o mesmo estivesse alegadamente numa reunião, só conseguiu falar com o Gerente de Equipe no momento de plantão no depósito de mantimentos:
— Eu lamento muito, Capitão Barbosa, mas..
— Prezado, lamentar eu também lamento, é por isso que estou visofonando para vocês...
— Capitão, o problema que estou tentando explicar ao senhor, é que a verba de manutenção da Antaprise não prevê combate a baratas...
— Mas como não prevê? Não é possível que não se possa fazer nada. Imagine se o Alto Comando aparece para fazer uma visita e depara com baratas voadoras em todo canto da nave...
O esquálido e sonolento funcionário pareceu por momentos perdido em pensamentos, como se tentando imaginar uma situação de tal maneira inverossímil, ou seja, uma visita do Alto Comando à caranguejola do Capitão Barbosa. Este porém insistiu:
— E então?
— Como eu expliquei, senhor, nós não temos uma rubrica para enquadrar veneno de baratas, formicida ou repelente de mosquitos...
O Capitão Barbosa disse o que ele deveria fazer com as tais rubricas, após o que a conversa se tornou um tanto mais áspera:
— Senhor, eu apenas cumpro o meu dever!
— Estou quase acreditando nisso! Olha só, eu com a minha espaçonave infestada de baratas cascudas e você vem me dizer que não pode fazer nada! Você acha que é agradável conviver com baratas?
— Bem, Capitão, achar eu não acho, mas não entendo como elas possam ter se infiltrado. Existem turmas de faxina nos espaçoportos...
Barbosa, que já havia encontrado baratas na comida em restaurantes dos espaçoportos, não estava mais com paciência para ouvir:
— Afinal o que você me sugere?
— Por que o senhor mesmo não compra veneno para barata? Não é tão caro assim!
— Se não é tão caro por que é que o Estado, que me paga tão mal e me sobrecarrega de impostos, não pode comprar uma mísera...
— Por que o senhor não protocola o seu pedido...
— Porque já venho fazendo isso há seis meses! E de lá para cá a população de baratas na Antaprise só aumentou!
— Pois é, senhor. Faça uma reiteração. Desculpe, mas o tempo de consulta expirou. Bom dia e fique na linha, para registrar a sua avaliação do atendimento.
A figura desapareceu.
— Se eu de fato registrasse o que achei do atendimento, provavelmente me processariam — monologou o comandante. — Pelo jeito vou ter simplesmente que pegar um chinelo e sair por aí matando baratas.
Uma voz feminina se fez ouvir:
— Capitão Barbosa, não faça isso, por favor. O senhor precisa preservar a sua compostura de comandante da nave, que por sinal já é tão pouca...
Barbosa voltou-se para a moça de sarong — na verdade o holograma do cérebro da espaçonave. Aquela inteligência artificial tinha a mania de se meter em tudo.
— Então o que você me sugere?
— Capitão, não seja repetitivo. O senhor fez a mesma pergunta ao rapaz...
— Repetitivo ou não, quero que você me responda. Você tem alguma idéia?
— Até tenho, mas vai dar algum incômodo. Posso espalhar o gás de refrigeração por todo o ambiente habitável e aí todas as baratas morrerão. Só tem um pequeno problema...
— Sempre tem um pequeno problema. E qual é nesse caso?
— Os seres humanos a bordo também morrerão.
— Está bem. Eu pego a tripulação e a gente fica fora até você dissipar todo o gás. Quanto tempo temos de ficar fora?
— Umas seis horas no mínimo, Capitão; para maior segurança, oito horas. Mas isso me preocupa. Vocês vão ter com que se ocupar no espaçoporto e arredores, durante esse tempo todo?
— Não seja bisbilhoteira! Só quero que programe a efusão do gás para daqui a uma hora, e pronto!


Rio de Janeiro, 11 e 12 de junho de 2015