Entre o real, o virtual e o espiritual
Por Cunha e Silva Filho Em: 06/08/2014, às 15H56
Cunha e Silva Filho
Na rua, pessoas falando em celulares, absortas nos seus problemas pessoais mais imediatos, mais parecem estar falando sozinhas como se fossem loucos. Realmente, antes do advento dos celulares, quando alguém, de repente, passava ao nosso lado falando sozinho, a única conclusão que tirávamos era de que se tratava de um desvairado conversando sozinho. Hoje, já não nos causa tanta estranheza quando alguém fala ao celular. Quer dizer, nos habituamos aos poucos com a força e a influência da tecnologia. Há poucos anos, saíam notícias de que o uso imoderado de celulares causaria câncer nas pessoas. Agora, ninguém mais fala nessa possibilidade. Às favas, o mal que possam causar, o que querem mesmo é falar, falar, falar.
Porém, não é este exatamente o assunto que me traz a esta coluna. O que lhe quero relatar, leitor, é algo que está acima do puramente racional, lógico, cartesiano. É algo que se situaria na esfera da fé religiosa. Tem-se fé ou não se tem. Acredita-se em Deus ou não, quando nos alinhamos aos ateus. Ou, seguindo outro caminho, não podemos afirmar nem negar a existência de Deus, o que nos poria na posição de agnósticos. Ficamos, neste caso, em cima do muro.Neste domínio da fé e do espiritual, já mesmo ouvi dizer que alguns padres – acredito que são bem poucos - não acreditam piamente em Deus.
Em questão de fé, acho admirável quem tenha esse sentimento, com toda a força de sua convicção. Me emociono profundamente quando vejo alguém orando e, no seu olhar, percebo claramente a pureza do sentimento que lhe vai na alma, no semblante, nos gestos, nas atitudes. Veja os peregrinos no interior do país. Veja os devotos dos santos padroeiros, veja a multidão nas catedrais, nas igrejas, das mais ricas e belas às mais humildes. Veja os devotos do padim Ciço, os peregrinos de Aparecida..Vejam os peregrinos que visitam o Vaticano, a Basílica de São Pedro e querem receber a bênção papal. Vejam os que crêem nos três pastorinhos de Fátima,
Quem não se comove ao ler o Velho e o Novo Testamento, ou as hagiografias dos santos famosos, ou as leituras de Santo Agostinho? De Tomás de Aquino? Ou as A Oração de São Francisco de Assis? Quem não se enternece também com aquele conto maravilhoso de Eça de Queiroz, o “Suave Milagre?” Quem não aprecia os poemas religiosos do padre José de Anchieta? Quem não se sente confortado e protegido com as orações da Ave-Maria e do Padre-Nosso? Acredito que até os ateus...
Hoje mesmo, pensando haver perdido minha identidade, fiquei desesperado e pus toda a família em polvorosa, com todos procurando em lugares, os mais impensáveis, onde eu havia colocado a identidade. Chegamos ao ponto de sair de casa e perguntar nos lugares por onde andamos, um restaurante na vizinhança, a livraria do Shopping, uma farmácia onde compramos um remédio. E nada de alguém dizer que havia encontrado o objeto.E olhe, leitor, que só hoje dei conta de que a identidade tinha sumido. Contando os dias, a provável perda teria acontecido no domingo, dia 3 de agosto. E só dei conta do sumiço da carteira porque hoje teria que ir ao banco pagar contas. Um Deus-nos-acuda. De repente, me vem à lembrança aquele santo popular, São Longuinho, que, segundo informações colhidas no Google, só é reverenciado na Espanha e no Brasil. As origens dele são imprecisas. Contudo, teólogos e estudiosos de hagiografia afirmam ter sido ele um centurião romano, de nome Cássio, convertido ao Cristianismo e por isso foi martirizado. Ao se converter, fugiu para Cesareia e, ao ser descoberto, foi decapitado.
Conta-se que, na condição de soldado e escolhido para vigiar Cristo na Cruz, acertou o coração de Jesus com uma lança e, ao fazer isso, recebeu um jato de sangue nos olhos. Acontece que Cássio sofria de uma doença da vista. Há relatos de que sofria de ‘cegueira espiritual,’ segundo informa o padre Aparecido Pereira, pesquisador da vida dos santos.” O respingo do sangue de Cristo curou-lhe a enfermidade. “instantaneamente.
Regressando pra casa, outra maratona vasculhando tudo, armários, gavetas, livros, papéis, envelopes etc. etc. Nada de aparecer a identidade. Entretanto, enquanto procurava a carteira de identidade, me veio a ideia de invocar a ajuda de São Longuinho.Só no meu íntimo passei a lhe pedir que me fizesse encontrar o objeto desaparecido. Me deu vontade de reabrir um dos armários, revirei umas pastas e, vendo tudo com cuidado, tive a impressão de que do nada surgiu a carteira de identidade. Gritei: São Longuinho! São Longuinho! Obrigado!
Tudo à nossa volta serenou. Chorei lágrimas de felicidade, de alívio, de saber que, se não encontrasse a identidade, teria aqueles problemas todos que o brasileiro tão bem conhece: ir à Delegacia de Polícia fazer o boletim de ocorrência do objeto perdido; o medo que se tem de um objeto dessa espécie cair nas mãos de marginais; tirar foto para um novo pedido de identidade, enfim, uma série de problemas.
Desgaste inútil andando pelas ruas e lugares em que poderia encontrar o objeto perdido. São Longuinho foi a salvação da pátria, ou melhor, do lar. A história de São Longuinho é folclore? É. É uma simpatia popular entre nós? É. Mas, a verdade é que fama desse Santo querido e amado já correu país afora. Já é antiga e a minha esposa me conta que a avozinha dela costumava invocar São Longuinho nas horas do aperto, i.e., nas horas das perdas, assim como ainda falava aquela avozinha que, ao se receber o milagre, a agente tem que dar três pulinhos e dizer três vezes: “Obrigado São Longuinho.”
Folclore ou não, o certo é que São Longuinho me salvou: “Suave milagre.”