Copiado dos norte-americanos, surgiu por aqui, há não muito tempo, o conceito filosófico-antropológico do “politicamente correto”; depois, veio a febre da “acessibilidade”. Em atendimento ao primeiro, mandou-se às favas muito do livre direito de expressão de pensamento, pois se passou a tomar por politicamente incorreto, portanto, preconceituoso ou inadequado, quase generalizadamente, atos ou expressões que, antes, não passavam de ação ou exortação tola ou idiotizada, dita ou proclamada por toleirões e parlapatões. Em nome da acessibilidade, aleijaram códigos municipais de postura - parte integrante do plano diretor do município que dispõe sobre medidas administrativas referentes a higiene e ordem pública; tratamento da propriedade, dos logradouros e dos bens públicos, dentre outras. Como consequência da excessiva burocracia e descabida minudência atinente às novas imposições legais ou comportamentais, passamos a conviver com exigências que, de tão estapafúrdias, transformaram certas proibições ou cerceamento de liberdades linguísticas, bem como formas de ingressos ou egressos em estabelecimentos públicos ou privados, em atitudes hilárias, senão, absurdas.

            Tentando ser politicamente correto, citaremos somente dois exemplos paroquiais da má aplicação do conceito de acessibilidade. No cruzamento das ruas Coelho Rodrigues com Barroso, em frente a uma loja de calçados ali localizada, na esquina, uma grande rampa de formato trapezoidal, escavada em calçada de mais ou menos metro e meio de largura por vinte centímetros de altura, tenta facilitar a entrada e saída em uma porta com batente de uns dez centímetros em relação ao nível da calçada. A escavação começa no leito da Coelho Rodrigues e parte de vinte centímetros até zerar com o revestimento da calçada; a área útil da base da rampa é de, mais ou menos, um metro quadrado. Ali, os problemas de acessibilidade foram transferidos aos cidadãos comuns e/ou deficientes visuais: como está escavada em calçada estreita, sobra pouco espaço para o trânsito das pessoas, o que faz do declive da rampa arma letal para quem, desavisadamente, passa sobre ela. O risco de pisar em falso na escavação só não é maior do que o de cair, estatelando-se, ou no asfalto, ou no piso carrasquento da calçada.

            O outro. De tão descabido, parece propositada gozação. Rua David Caldas sentido sul-norte, lado esquerdo, entre Lizandro Nogueira e Des. Freitas, quase no cruzamento desta com a primeira, um emaranhado de quatro rampas em formato de prisma triangular retangular foi construído em um espaço de quatro metros de comprimento, sobre uma calçada de metro e meio de largura; sendo que, em duas delas, cinquenta centímetros é a altura entre o piso da calçada e a parte superior das mesmas. Entre essas – que seguem no sentido da Des. Freitas – há, atravessada, uma que parte do meio-fio da calçada e chega ao batente da porta, a uns sessenta centímetros de altura. Essa rampa cruzada, perpendicular, ligada às duas outras, a estas separa em vez de unir, porque, como ela parte do nível da Rua David Caldas, em aclive até a entrada da porta, seu leito (parte superior), que deveria servir de plataforma comum às três, quase um batente, deixa de existir por conta do considerável desnível decorrente da diferença entre seu aclive e os das outras. As três rampas deveriam dar acesso a uma única entrada, tanto a usuário vindo da direita, esquerda, como àquele que preferisse a rampa central; mas isso resta impraticável porque não desembocam, naturalmente, no mesmo ponto, em razão dos aclives desnivelados, e, as duas, tanto a que sobe quanto a que desce no sentido norte-sul da David Caldas, têm apenas um corrimão lateral; a que cruza com elas e que fica em frente à porta, não somente não dispõe de corrimões, como, por ser absurdamente íngreme, impede alguém com deficiência física, mesmo que visual, de escalá-la. Não bastasse a inutilização das rampas que seguem paralelas ao leito da David Caldas, pelos motivos já descritos, há mais este: contígua à rampa que fica à direita da central, construída perpendicularmente a ela, no final de seu aclive ou início do declive, está a quarta, pequena, também um prisma de base triangular retangular, com altura, a partir do piso da calçada, até o batente do portão a que daria acesso, de uns quarenta centímetros; porém, como foi feita colada à descida/subida de outra rampa, e não possui corrimão, nem ela nem aquela podem ser utilizadas. Portanto, são quatro rampas inúteis, pois, além de inacessíveis, impedem a utilização da calçada, no local onde estão encravadas, por quem quer que seja.

            A fim de não nos tornarmos, mais ainda, politicamente incorreto, mandando muitos às favas, paramos por aqui.

            Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected])