Cunha e Silva Filho

 

                Na viagem de avião de Fortaleza a Teresina,  no final de março,  já em território piauiense, podia ver da janela  a paisagem embaixo, a estrada,  as árvores, até minúsculos carros. No entanto, o que me prendia a atenção era a visão do rio Poty, que achei lindo e que não via há quase treze anos. Nada de anormal havia, então,  nesse rio. Sua correnteza  estava confinada  às duas margens.

Alguns dias depois, já no Rio de Janeiro,  chegam pela mídia as notícias de  que as águas do Poty já estavam subindo muito, tendo havido  muita chuva e chuva demorada. E, assim, as  águas, saindo do leito do rio, já avançavam em direção às construções,  chegando  mesmo perto do prédio da Assembléia Legislativa. A situação do rio começara a oferecer riscos para a população. Depois, houve o caso do rompimento da barragem em Cocal.

          Alguns municípios já não  agüentavam tanta chuva,  a invasão das águas do Poty, as casas  inundadas, os desmoronamentos de habitações, as perdas de bens matérias, as perdas de vidas, os flagelados, a falta de alimentos,  a perda da produção  agrícola. Ruas viravam  canais como se  as cidades  se transformassem em  canais venezianos, só que em condições devastadoras, uma vez que a força das águas penetrava  nas habitações, deixando um rastro de   destruição, de fome, miséria, choro e sofrimento. Era o flagelo das águas num Nordeste  mais conhecido como  a região das secas, terra  dos Fabianos. Daqui a pouco teremos  uma literatura  das cheias, com outros   personagens típicos acossados pelas águas,  pela fome e  pela miséria. Todos os excesos da Natureza são, em geral,  nocivos ou trágicos.

        Quando criança, não me lembro  de ter visto sequer  uma enchente do rio Poty, rio que, para mim,   considerava quase inofensivo, pois  havia períodos nos quais  se podia atravessá-lo a pé. Era mais freqüentado por moleque que queria aprender ali a nadar ou trocar olhares com  mocinhas bonitas do Piauí.  Como não era afoito, nem mesmo  cheguei a aprender a nadar no velho Poty. Já o Parnaíba era outra coisa. Sua correnteza me dava medo e  mal me arriscava a avançar mais para o fundo das suas águas. Suas coroas me fascinavam e eram convidativas aos arroubos dionisíacos e aos pecados da carne em tempos juvenis  de descoberta  de Eros. Entretanto, nelas mal  consegui aprender a boiar. Já era uma vitória para um menino obediente aos pais.Entretanto, suas cheias provocavam  apreensões na população. Eu tinha medo de que suas águas caudalosas, as enchentes,  engolissem  Teresina.Tenho certo receio dos grandes volumes de águas, seja as fluviais, seja a dos mares e oceanos.Receios de natureza  arquetípica, sem dúvida.

         As variações climáticas inverteram no planeta. a configuração do ecossistema devido ao aquecimento global, ao efeito estufa, provocado pela emissão  excessiva e desordenada   do CO2, sobretudo em países  mais industrializados. Cuidado, senhores da Terra,  os mares estão subindo.  As geleiras  derretendo.Todas as advertências  já foram dadas por especialistas  responsáveis.

        O ser humano está brincando com fogo e, por isso, está já tendo o troco  das devastações  por ele  feitas  na Terra, nas nossas matas e principalmente na Amazônia,  os velhos "pulmões do mundo.” O planeta  está esgotando suas reservas de paciência. Não queremos ser alarmistas, mas é tempo de repensar em conjunto, partirmos para as discussões nos  fóruns internacionais sobre os desastres  da Natureza. É hora de pensar na sobrevivência nossa e das gerações futuras, pelo menos a médio prazo.

       É tempo de realizarmos a globalização verdadeira e necessária dos novos tempos,  não a dos ambiciosos  investidores, dos  individualistas cuja bondade não vai além da própria família, mas  a globalização  genuinamente cristã, transitiva, amorosa, solidária,  socializada não só no sentimento  altruísta  mas também no desejo de  divisão dos bens da Mãe-Terra. Falo tanto  de ações que partam do Estado quanto  da sociedade civil mundial. É utopia deste articulista? Dirão alguns que é. Mas, lhe digo, leitor, não existe   realização humanitária que não seja sustentada pela chama, divina chama, da utopia.