Enchentes do Poty
Por Cunha e Silva Filho Em: 03/06/2009, às 18H57
Cunha e Silva Filho
Na viagem de avião de Fortaleza a Teresina, no final de março, já em território piauiense, podia ver da janela a paisagem embaixo, a estrada, as árvores, até minúsculos carros. No entanto, o que me prendia a atenção era a visão do rio Poty, que achei lindo e que não via há quase treze anos. Nada de anormal havia, então, nesse rio. Sua correnteza estava confinada às duas margens.
Alguns dias depois, já no Rio de Janeiro, chegam pela mídia as notícias de que as águas do Poty já estavam subindo muito, tendo havido muita chuva e chuva demorada. E, assim, as águas, saindo do leito do rio, já avançavam em direção às construções, chegando mesmo perto do prédio da Assembléia Legislativa. A situação do rio começara a oferecer riscos para a população. Depois, houve o caso do rompimento da barragem em Cocal.
Alguns municípios já não agüentavam tanta chuva, a invasão das águas do Poty, as casas inundadas, os desmoronamentos de habitações, as perdas de bens matérias, as perdas de vidas, os flagelados, a falta de alimentos, a perda da produção agrícola. Ruas viravam canais como se as cidades se transformassem em canais venezianos, só que em condições devastadoras, uma vez que a força das águas penetrava nas habitações, deixando um rastro de destruição, de fome, miséria, choro e sofrimento. Era o flagelo das águas num Nordeste mais conhecido como a região das secas, terra dos Fabianos. Daqui a pouco teremos uma literatura das cheias, com outros personagens típicos acossados pelas águas, pela fome e pela miséria. Todos os excesos da Natureza são, em geral, nocivos ou trágicos.
Quando criança, não me lembro de ter visto sequer uma enchente do rio Poty, rio que, para mim, considerava quase inofensivo, pois havia períodos nos quais se podia atravessá-lo a pé. Era mais freqüentado por moleque que queria aprender ali a nadar ou trocar olhares com mocinhas bonitas do Piauí. Como não era afoito, nem mesmo cheguei a aprender a nadar no velho Poty. Já o Parnaíba era outra coisa. Sua correnteza me dava medo e mal me arriscava a avançar mais para o fundo das suas águas. Suas coroas me fascinavam e eram convidativas aos arroubos dionisíacos e aos pecados da carne em tempos juvenis de descoberta de Eros. Entretanto, nelas mal consegui aprender a boiar. Já era uma vitória para um menino obediente aos pais.Entretanto, suas cheias provocavam apreensões na população. Eu tinha medo de que suas águas caudalosas, as enchentes, engolissem Teresina.Tenho certo receio dos grandes volumes de águas, seja as fluviais, seja a dos mares e oceanos.Receios de natureza arquetípica, sem dúvida.
As variações climáticas inverteram no planeta. a configuração do ecossistema devido ao aquecimento global, ao efeito estufa, provocado pela emissão excessiva e desordenada do CO2, sobretudo em países mais industrializados. Cuidado, senhores da Terra, os mares estão subindo. As geleiras derretendo.Todas as advertências já foram dadas por especialistas responsáveis.
O ser humano está brincando com fogo e, por isso, está já tendo o troco das devastações por ele feitas na Terra, nas nossas matas e principalmente na Amazônia, os velhos "pulmões do mundo.” O planeta está esgotando suas reservas de paciência. Não queremos ser alarmistas, mas é tempo de repensar em conjunto, partirmos para as discussões nos fóruns internacionais sobre os desastres da Natureza. É hora de pensar na sobrevivência nossa e das gerações futuras, pelo menos a médio prazo.
É tempo de realizarmos a globalização verdadeira e necessária dos novos tempos, não a dos ambiciosos investidores, dos individualistas cuja bondade não vai além da própria família, mas a globalização genuinamente cristã, transitiva, amorosa, solidária, socializada não só no sentimento altruísta mas também no desejo de divisão dos bens da Mãe-Terra. Falo tanto de ações que partam do Estado quanto da sociedade civil mundial. É utopia deste articulista? Dirão alguns que é. Mas, lhe digo, leitor, não existe realização humanitária que não seja sustentada pela chama, divina chama, da utopia.