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[Bráulio Tavares]

 

Faleceu aos 60 anos, em outubro, a atriz Sylvia Kristel, a Emmanuelle dos filmes eróticos mais famosos da década de 1970. Estava envelhecida e cansada após uma luta de dez anos contra o câncer.  A imagem que fica é a da mulher esguia, elegante, frágil, sensualmente passiva, que nos filmes de Just Jaeckin se submetia a lições de erotismo ministradas por um homem mais velho, as quais incluíam ser levada a um antro de ópio e oferecida aos homens de lá.  Emmanuelle fez sucesso reproduzindo a pornografia tradicional numa narrativa não limitada às cenas de sexo, e com um revestimento sofisticado e cosmopolita, para tentar reduzir a vulgaridade e a brutalidade associadas ao gênero, principalmente pelas mulheres.  O conceito de pornografia soft tentava somar dois públicos, o de pessoas ansiosas para ver sexo explícito na tela do cinema e o de pessoas que só admitia ver esses filmes se embalados num celofane chic de paisagens, ambientes ricos, diálogos vagamente existenciais, etc.

O obituário do The Economist lembra que as cenas de sexo de Kristel eram quase sempre em “flou”, diluídas visualmente por cortinados, vapor dágua, etc., e que a mãe da atriz, quando finalmente conseguiu ver o filme que fez a fama da filha, perguntou: “Mas era só isso?”.  O mesmo texto lembra que o filme foi proibido em alguns países: Brasil, Espanha, Japão e o mundo árabe. As várias continuações que o filme teve (inclusive na TV) foram, pelo que me lembro, diluindo em banalidade a proposta inicial.

Um dos grandes problemas da narrativa erótica (romance, cinema, etc.) sempre foi o modo de abordar e conquistar o público feminino. A pornografia tradicional tem por lei ir direto aos finalmentes, ao intercurso sexual nu e cru, sem preliminares, sem preparativos, sem fricotes.  Nos cinemas pornô, se um casal no filme passar um minuto conversando alguém protesta logo: “Bora, rapaz! Quero ver serviço!”  A lógica do espectador é que pagou para ver aquilo que não vê nos outros filmes.  Pra ver gente conversando ele não precisa ir naquele cinema.

Já as mulheres são capazes de aceitar até cenas bastante “hardcore”, desde que haja preliminares, e que o sexo pelo menos pareça associado a um tipo mais amplo de envolvimento, e não se limite à mecânica brutal das genitálias. O sucesso de 50 Tons de Cinza, escrito aliás por uma mulher, é um passo à frente na consolidação de um dos gêneros de mais futuro no mercado: pornografia explícita feita para mulheres, revestida dos álibis necessários e partindo daí para explorar fetichismo, sadomasoquismo e tudo o mais. Emmanuelle paira sobre todas essas alcovas literárias e cinematográficas.