Cunha e Silva Filho
É certo que a política nacional vai muito mal, que a economia está em crise de alto risco, que a impunidade continua fazendo vítimas pelo país afora, que tudo conspira contra o momento do carnaval. E vamos despir o período do carnaval deste ano de quaisquer conotações sociológicas.
Esqueçamos, durante estes dias festivo de Momo ou dos foliões, dos bate-bolas, das escolas de samba, dos blocos da rua, as análises pertinentes e lúcidas de DaMatta ou outras de críticas a essa tradição tão arraigada ao espírito festivo do brasileiro, tanto quanto o samba e o futebol. Suspendam o nosso pensamento por um pequena trégua e pensemos no bom lado das serpentinas, dos arlequins, dos pierrôs, das colombinas.
Vivamos, um pouco que seja, a alegria geral. Bem apropriadas foram as palavras de Rosiska Darcy de Oliveira em brilhante crônica publicada no Globo (Opinião, 30/01/2016) em que fala de carnaval, mas fala também de um carnaval, cuja “alegria é tingida de amargor,” aludindo, é claro, ao carnaval deste ano a ser transcorrido num fase delicada por que passa a Nação brasileira cheia de indignação contra especialmente a roubalheira governo federal em detrimento de tantos problemas que estamos atravessando em tantos setores da máquina administrativa dos governos federal, estadual e municipal, muito deles em petição de miséria financeira.
Vamos abrir um parêntese de trégua a todas essas desídias do governo federal perpetradas contra a sociedade e atingindo muito mais os desfavorecidos do grande capital.
Brinquemos, pois, um pouco o carnaval, penetremos no seu âmago que é a capacidade de despertar alegrias gratuitas, a alegria pela alegria, porque ninguém é de ferro e mesmo até em guerras há momentos de trégua.
Se somos saudosistas e temos pouca memória, lucremos com esses sentimentos que nos transportam para o passado dos nossos carnavais, com todas as suas marchinhas que ainda hoje são cantadas em clubes, ruas, coretos, praças públicas.
Estou certo de que para os mais velhos não faltaram boas recordações, de figuras do carnaval brasileiro que se destacaram em várias frentes, nas escolas de samba, nos clubes, nos bailes carnavalescos de luxo, nos desfiles suntuosos, trazendo à tona a figura encantadora de Clóvis Bornay, e as de outros nomes conhecidos dos períodos de nosso carnaval, como Braguinha, Blecaute, Zé Kéti, Jamelão, João Roberto Kelly.
Me lembro bem e com saudades dos concursos de bailes de fantasia – visto através da televisão - de luxo onde pontificava o citado Clóvis Bornay ao lado de seus principais rivais, Evandro de Castro Lima e Mauro Rosas. Ficaram famosas as vitórias de Bornay nos concurso do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
O primeiro desfile de carnaval a que assisti no Rio de Janeiro foi em 1965. Creio que na Avenida Presidente Vargas, centro do Rio. Assisti a outros realizados na Avenida Rio Branco. Depois, com os novos tempos, o carnaval se institucionalizou, virou máquina de fazer dinheiro, carnaval mais para turistas, quando se realizaram e ainda se realizam no Sambódromo. A partir dessa fase que chamaria carnaval comercializado deixei de ir às ruas nesses tempos de momos. Nunca, contudo, perdi o interesse por essa festa profana.
Obviamente, que os carnavais que mais se me fixaram na retina foram os do meu tempo de menino e de adolescente em Teresina. Carnavais com corsos, os famosos desfiles em carros abertos ladeados pela assistência humilde que saía de casa para ver pessoas bonitas, os endinheirados de então, com as suas fantasias vistosas e caras.
Ah, carnavais de rua de Teresina! Como me divertiram naquele tempo! Quantas risadas! E, por falar de carnaval de Teresina, o que mais me chamava atenção eram os bailes do Clube dos Diários, da Rua Álvaro Mendes. No meu livro Apenas memórias, a ser lançado pela Editora Litteris, descrevo e narro uma noite de carnaval a que chamei de "Último carnaval de um adolescente em Teresina.” Falo sobretudo do ambiente feérico, da magia, do encantamento de um baile no Clube dos Diários.
Só compareci a alguns daqules bailes de luxo que poderia contar nos dedos. É que meu pai não era sócio do Clube dos Diários. As poucas vezes que entrei naquele famoso Clube da high life de Teresina foram através da amizade de colegas que eram sócios. A sensação auditiva que mais guardo daquelas festas carnavalescas ali era o toque de corneta que sinalizava para o início dos festejos do Momo.
Mas, há um lado trágico que me ficou de um dos carnavais do Clube dos Diários. Foi a morte de um jovem, chamado Almeidinha, que morreu por inalação excessiva de lança-perfume, creio eu. Almeidinha era muito jovem para compreender o perigo de inalar esse perfume tão inebriante.
Na verdade, o perfume de lança-perfume exercia um fascínio singular para nós daquela época, sobretudo, na euforia carnavalesca, euforia que misturava as imagens de lindas garotas, de corpos sensuais, de pernas torneadas, de máscara e de fantasias excitantes, de amores que despontavam, ou que se desfaziam e até traições de adultos que se ensaiavam ao ritmo da folia, dos pulos e dos requebros erógenos das jovens e jovens adultas culminados pela bebidas com teor de álcool, ou mesmo misturadas com o líquido aromatizado de lança-perfume.
A tragédia de Almedinha se deu, suponho, por volta do início dos anos 1960. Foi muito triste para os pais e os amigos dele, daquele jovem de família de classe média, muito alegre, amigo, receptivo, comunicativo, despojado, companheiro, exemplo de coleguismo sem falsidades.
Depois desse mergulho rápido no passado de carnavais, volto ao meu presente de cidadão brasileiro que, agora, em sua casa, está teclando essas impressões rememorativas em tempos bicudos para a consciência cívica nacional que, de vez em quando, desperta, em meio da animação carnavalesca, para um Brasil que chora as suas próprias desgraças e execra o comportamento dos seus governantes nos três níveis de poder.
Concluamos esses comentários, citando três versos do poema ”Carnaval” de Da Costa e Silva (1855-1950): [...] A vida é uma girândola na alvorada/ ao retinir os guizos de vidro da Folia/ Evoé! Evoé! [...]