Em defesa de Amarante
Em: 04/04/2010, às 02H37
Em defesa de Amarante
Alberto da Costa e Silva
Chega-me a notícia de que se pretende afogar nas águas de uma represa a cidade piauiense de Amarante. O autor da desastrada idéia não deve saber o que é belo ou lhe ter horror. Assemelha-se a quem planejasse destruir, em Minas Gerais, Mariana ou Tiradentes, ou aterrar, no Rio de Janeiro, a enseada de Botafogo.
Amarante é um dos mais felizes matrimônios que conheço da natureza com as obras dos homens. Do alto da escadaria Da Costa e Silva, a visão é de tirar o fôlego. Um espetáculo inesquecível, como me repetem todos aqueles que, em minha companhia, de lá correram os olhos sobre o casario entrecortado de árvores, a descer para o rio Parnaíba e, na outra margem, a praia branca e os chapadões do Maranhão. Tampouco lhes sai da memória o passeio pelas ruas do centro histórico, com suas casas oitocentistas ou do início do século XX, algumas delas traduções sertanejas de estilos da belle époque, outras a nos mostrarem em sua simplicidade de linhas como pela via humilde se pode atingir a mais alta beleza.
Há poucos meses, exibiu-se no Teatro R. Magalhães Júnior, da Academia Brasileira de Letras, para cerca de 300 pessoas, o filme O retorno do filho, de Douglas Machado. O público, formado majoritariamente por escritores, artistas e amantes das letras e das artes, ficou, primeiro, surpreso, e, depois, deslumbrado com as imagens de Amarante. Não faltou quem me dissesse que não podia sequer imaginar que no Piauí houvesse uma cidade tão linda e tão diferente como paisagem, e não foram poucos os que se prometeram cumprir o dever de visitá-la. A reação dos que viram o filme confirmou em mim ser Amarante um dos sítios com maior vocação turística do Piauí sendo dois outros Oeiras e o delta do Parnaíba.
Quem não cuida do que foi inventivo, afortunado e harmonioso em seu passado não merece o futuro. Amarante foi um dos mais importantes ancoradouros do Parnaíba, quando o rio era o caminho que ligava o litoral ao sertão. Pelo plano inclinado que continua até as águas a rua principal da parte antiga da cidade desciam e subiam, arrastadas ou sobre roletes, as mercadorias que lhe animavam o comércio. Nesse pano inclinado, nessa rua e também nas vizinhas, brincou, menino, o maior poeta do Piauí. Foi a conviver com esse casario e com o fluir do Parnaíba, que ele descobriu que sua terra natal era um céu, se havia um céu sobre a terra, "um céu sob outro céu tão límpido e tão brando / que eterno sonho azul parece estar sonhando", a Amarante da qual jamais se apartou emocionalmente no exílio. O poeta seguramente se indignaria, se soubesse que se planeja inundar a sua cidade bem-amada. E ficaria ao nosso lado, ao considerar um despautério que se tenha, para construir uma usina hidrelétrica, de destruir um conjunto arquitetônico invulgar, que é um dos sítios mais importantes do patrimônio cultural e histórico do Piauí. .
(*) Alberto da Costa e Silva é membro da Academia Brasileira de Letras.
Quarto ocupante da Cadeira nº 9, eleito em 27 de julho de 2000, na sucessão de Carlos Chagas Filho, e recebido pelo acadêmico Marcos Vinicios Vilaça em 17 de novembro de 2000. Recebeu o acadêmico José Mindlin.
Alberto Vasconcellos da Costa e Silva nasceu em São Paulo, em 12 de maio de 1931. Filho do poeta Da Costa e Silva (Antônio Francisco da Costa e Silva) e de Creusa Fontenelle de Vasconcellos da Costa e Silva.
Fez os estudos primários e iniciou o curso secundário no Colégio Farias Brito, em Fortaleza. Em 1943, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cursou o Externato São José e o Instituto Lafayette. Diplomata pelo Instituto Rio Branco em 1957.
Doutor Honoris Causa em Letras pela Universidade Obafemi Awolowo (ex-Universidade de Ifé), da Nigéria, em 1986.
Professor do Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas do Instituto Rio Branco em 1971-1972. Presidente da Banca Examinadora do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco, de 1983 a 1985, e vice-presidente de 1995 a 2000.
Membro do Conselho Nacional de Direito Autoral, em 1984 e 1985; membro do Comitê Científico do Programa Rota do Escravo, da UNESCO, de 1997 a 2005.
Membro do Júri do Prêmio Camões em 2001 e 2003.
Prêmio Juca Pato – Intelectual do Ano de 2003, da União Brasileira de Escritores e Folha de S. Paulo.
Membro do PEN Clube do Brasil e Sócio honorário do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e Sócio correspondente da Academia Portuguesa da História.
Carreira diplomática
Secretário na Embaixada do Brasil em Lisboa (1960-63) e na Embaixada de Caracas (1963-64);
Cônsul em Caracas (1964-67);
Auxiliar do Secretário-Geral de Política Exterior (1967-69);
Secretário na Embaixada em Washington (1969);
Oficial de Gabinete e Assessor de Coordenação do Ministro das Relações Exteriores (1970-74);
Ministro-Conselheiro na Embaixada em Madri (1974-76);
Ministro-Conselheiro na Embaixada em Roma (1977-79);
Embaixador em Lagos, Nigéria (1979-83) e cumulativamente em Cotonu, República do Benim (1981-83);
Chefe do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores (1983-84);
Subsecretário-Geral de Administração do Ministério das Relações Exteriores (1984-86);
Embaixador em Lisboa (1986-90); Embaixador em Bogotá (1990-93); Embaixador em Assunção (1993-95);
Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores (1995-98).
Representou o Brasil em numerosas reuniões internacionais, tendo sido delegado do Brasil na reunião da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África, em Adis Abeba, em 1961; representante pessoal do Ministro das Relações Exteriores nos encontros ministeriais, realizados em São Domingos, em 1984, pela Organização dos Estados Americanos, para a preparação das comemorações do V Centenário do Descobrimento da América; e representante pessoal do Ministro das Relações Exteriores na Reunião dos Ministros das Relações Exteriores do Mecanismo Permanente de Consulta e Concertação Política (Grupo do Rio), em 1991.
Condecorações
Brasileiras
Grã-cruz da Ordem de Rio Branco; grande oficial da Ordem do Mérito Militar; grande oficial da Ordem do Mérito Aeronáutico; comendador da Ordem do Mérito Naval; Comendador da Ordem do Mérito Cultural; grã-cruz da Ordem Estadual do Mérito da Renascença do Piauí; grã-cruz da Ordem do Mérito de Brasília; medalha do Pacificador; medalha do Mérito Tamandaré; medalha do Mérito Santos Dumont; medalha do Mérito Cultural Oliveira Lima, do Governo de Pernambuco; medalha do Mérito Cultural Da Costa e Silva, do Governo do Piauí.
Estrangeiras
De Portugal: grã-cruz da Ordem Militar de Cristo; grã-cruz da Ordem do Infante Dom Henrique; comendador da Ordem Militar de Santiago da Espada. Da Colômbia: grã-cruz de Boyacá; comendador da Ordem de San Carlos. Do Paraguai: grã-cruz da Ordem do Mérito. Do Peru: grã-cruz da Ordem do Sol; grã-cruz da Ordem do Mérito por Serviços Distinguidos. Da Espanha: comendador com placa da Ordem de Isabel, a Católica. Da Itália: grande oficial da Ordem do Mérito. Da Venezuela: Ordem de Francisco de Miranda, em sua segunda classe; comendador da Ordem do Libertador. Da Bolívia: comendador da Ordem do Condor dos Andes. Do Egito: comendador da Ordem da República. Do Equador: comendador da Ordem Nacional do Mérito. Dos Camarões: oficial da Ordem do Mérito. Da Costa do Marfim: oficial da Ordem do Mérito. Do Gabão: oficial da Ordem da Estrela Equatorial. Da Guatemala: oficial da Ordem do Quetzal. Da Nicarágua: oficial da Ordem de Rubén Darío. Do Togo: oficial da Ordem do Mono.