Em defesa da Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido
Por Cunha e Silva Filho Em: 02/08/2021, às 20H30
EM DEFESA DA FORMAÇÃO DA LITERATURA BRASILEIRA, DE ANTONIO CANDIDO (1918-2017)
Cunha e Silva Filho
Este artigo visa simplesmente auxiliar leitores interessados em obras sobre a formação da literatura brasileira quanto a uma espécie de controvérsia ainda não de todo resolvida provocada pela ausência de um capítulo acerca do Barroco brasileiro na já clássica Formação da literatura brasileira (Belo Horizonte: Editora Itatiaia).
Em artigo publicado há tempos o crítico português Manuel da Silva Pinto, discorrendo sobre os processos crítico-metodológicos de Antonio Candido, escreveu, no caderno Mais, da Folha de São Paulo, uma dura tréplica em resposta a um artigo da ensaísta Walnice Galvão também publicado na mesma Folha.Walnice assumira uma posição em defesa de Candido e ironizava o artigo do crítico português.
Os meus comentários se restringem a reforçar alguns pontos de vista já de si elucidados pelo crítico paulista no prefácio à 2ª edição daquela obra. De saída, quero me deter nessa afirmação de Candido sobre os objetivos por ele traçados ao empreender a feitura de sua Formação da literatura brasileira: “Ora, o presente livro é sobretudo um estudo de obras e a sua validade deve ser encarada em função do que traz ou deixa de trazer a este respeito” (idem, p.15).
Se Antonio Candido decidiu como autor desenvolver estudos histórico-literários a partir de obras, assim definidas de forma generalizada, é porque, na minha visão, ele assumiu uma posição de estudo crítico acerca de determinados autores e períodos literários, no caso aqui considerado, só autores compreendidos entre o Arcadismo e o Romantismo brasileiros.
Esta postura investigativa corrobora, por sua vez, os pressupostos entrevistos na sua portentosa obra, que é a Formação, vinda a lume em dois volumes divididos sob o rótulo comum de “Momentos Decisivos,” a primeira parte (1750-1836), circunscrita ao nosso Arcadismo, e a segunda parte (1836-1880), abrangendo o nosso Romantismo.
Se atentarmos para o subtítulo comum às duas partes da obra, compreendemos com clareza as razões que levaram o nosso crítico a desenvolver dois complexos e densos estudos de dois estilos literários brasileiros dentro do critério e delimitação por ele contemplado. Critério, a meu ver, ditado pela sua visão lúcida de, na situação de nossa história literária e consoante os “pressupostos” por ele delineados, entender que, nos dois estudos, o que ele chama de “sistema articulado,” sob o tripé autor-obra-público, deve estar em interação dinâmica e, nesse sentido, não pode se isolar de “certa” continuidade legada pela tradição literária.
Parece-me que, neste ponto, reside a possibilidade de desatamento do nó górdio da polêmica deflagrada pelo famoso “gap” do Barroco brasileiro, não ventilado por Candido na Formação, o que motivou a famosa questão na historiografia brasileira contemporânea conhecida como o “sequestro do Barroco” supostamente cometido por Antonio Candido – querela literária levantada pelo crítico e poeta já falecido Haroldo de Campos quando escreveu um livro de título O sequestro do Barroco na Formação da literatura Brasileira.
Ora, ainda que a Formação de Candido apenas faça sumária referência a conhecidos nomes de peso do Barroco brasileiro, como Vieira e Gregório de Matos ( idem, p. 24), seu estudo não nos leva a esses dois vultos gigantes simplesmente porque, como hipótese de trabalho orientadora dos seus estudos, Candido só vai localizar as raízes significativas de nossa literatura a partir das obras dos árcades, tendo sempre como pressuposto o que ele entende como sistema literário vinculante à terra brasileira e à nossa formação de povo literária e organicamente considerado. Essa posição de historiador literário manifestada por Candido foi bastante para que opositores lhe dirigissem críticas, algumas, segundo ele, até injuriosas.
A oposição crítica aos critérios de Candido, segundo é lembrada por ele no prefácio, já mencionado, da 2ª edição de sua Formação, funda-se num “argumento romântico” pelo qual os árcades não passaram de imitadores de um estilo praticado fora do ambiente brasileiro, sem nenhuma vinculação com a cor local. Entretanto, Candido lembra com propriedade que o argumento romântico, repetido, mais tarde, pelos modernistas e nacionalistas, foi utilizado pelos românticos através de “autores estrangeiros que nos estudaram” ( idem, p.17).
Donde se pode inferir que o critério de Candido termina por revelar, como dado insofismável, a precariedade e, o que é mais, a paradoxal oposição à visão de Candido, contraditória no equacionamento de sua própria contestação, segundo concluímos do citado prefácio. Ao contrário, fica clara e solar a defesa de Candido no prefácio que venho comentando quanto à sua formulação de hipótese de trabalho sustentada pela sua tese.
Quer dizer, o crítico da Formação entende o sistema literário brasileiro como um elo a mais articulado ao sistema literário ocidental que, sem nenhum preconceito xenófobo, deve se inserir no sistema mais amplo e universal, dele então se beneficiando a literatura brasileira que, lentamente, vai adquirindo sua fisionomia e originalidade próprias.