EM DEFESA DA FORMAÇÃO  DA LITERATURA BRASILEIRA, DE  ANTONIO CANDIDO (1918-2017)

 

Cunha e Silva Filho    

 

 

          Este artigo visa simplesmente auxiliar leitores interessados  em obras sobre a formação da literatura brasileira  quanto a uma espécie de controvérsia ainda não de todo resolvida   provocada  pela ausência de um capítulo  acerca do Barroco brasileiro na já clássica Formação da literatura brasileira (Belo Horizonte: Editora Itatiaia).

        Em artigo publicado há tempos  o crítico português Manuel da Silva Pinto, discorrendo sobre os processos crítico-metodológicos de Antonio  Candido, escreveu, no caderno Mais,  da Folha de São Paulo, uma dura tréplica em  resposta a um artigo  da ensaísta Walnice Galvão também publicado na mesma  Folha.Walnice assumira  uma posição em defesa de Candido e ironizava o artigo do crítico português.           

        Os meus comentários se restringem a reforçar alguns pontos de vista já de si elucidados pelo crítico paulista no prefácio  à 2ª edição daquela obra. De saída, quero me deter nessa afirmação de Candido sobre os objetivos por ele traçados ao empreender a feitura de sua Formação da literatura brasileira: “Ora, o presente livro é  sobretudo  um estudo de obras e a sua validade deve ser encarada em função do que  traz ou deixa de trazer a este respeito” (idem, p.15).

        Se Antonio Candido decidiu como autor  desenvolver estudos  histórico-literários a partir de obras, assim definidas de forma generalizada, é porque, na minha visão, ele assumiu uma posição  de estudo crítico acerca de determinados autores e períodos literários, no caso aqui considerado, só autores compreendidos entre o Arcadismo  e o Romantismo brasileiros.

        Esta postura investigativa corrobora, por sua vez, os pressupostos entrevistos na sua portentosa obra, que é a Formação, vinda a lume em dois volumes divididos  sob o rótulo comum de  “Momentos Decisivos,” a primeira parte (1750-1836), circunscrita ao nosso Arcadismo, e a segunda parte (1836-1880), abrangendo o nosso Romantismo.

        Se atentarmos para o subtítulo comum às duas partes da obra, compreendemos com clareza as razões que levaram o nosso crítico a desenvolver dois complexos  e densos  estudos de dois  estilos literários brasileiros dentro do critério e delimitação  por ele contemplado. Critério, a meu ver, ditado pela sua visão lúcida de, na situação de nossa história literária e consoante os “pressupostos” por ele delineados, entender que, nos dois estudos, o que ele  chama de “sistema articulado,” sob o tripé autor-obra-público, deve estar em interação dinâmica e, nesse sentido, não  pode se isolar de “certa”  continuidade legada pela tradição literária.

         Parece-me que, neste ponto, reside a possibilidade de desatamento do nó górdio da polêmica deflagrada pelo famoso “gap” do Barroco brasileiro, não ventilado por Candido na Formação, o que motivou a famosa  questão  na historiografia brasileira contemporânea conhecida como o “sequestro do Barroco” supostamente cometido  por  Antonio Candido – querela literária levantada pelo crítico e poeta  já falecido  Haroldo de Campos quando escreveu um livro de título O sequestro do Barroco na Formação da literatura Brasileira.

         Ora, ainda que a Formação de Candido apenas faça sumária referência a conhecidos   nomes de peso do Barroco brasileiro, como Vieira e Gregório de Matos ( idem, p. 24), seu estudo não nos leva a esses dois vultos gigantes simplesmente porque, como hipótese de trabalho orientadora dos seus estudos,  Candido só vai localizar as raízes significativas de nossa  literatura a partir das obras dos árcades, tendo sempre como pressuposto o que ele entende como sistema literário vinculante à terra  brasileira e à nossa formação de  povo literária e organicamente considerado. Essa posição de historiador literário  manifestada por Candido foi bastante para que opositores lhe dirigissem críticas, algumas, segundo ele,  até injuriosas.

           A oposição crítica aos critérios de Candido, segundo é lembrada  por ele  no prefácio, já mencionado,  da 2ª edição de sua Formação, funda-se num “argumento romântico” pelo qual os árcades não  passaram de imitadores de um estilo praticado fora do ambiente brasileiro, sem nenhuma vinculação com a cor local. Entretanto, Candido lembra com propriedade que o argumento romântico, repetido, mais tarde, pelos modernistas e nacionalistas, foi utilizado pelos românticos  através de “autores estrangeiros que nos estudaram” ( idem, p.17).

          Donde se pode inferir que o critério de Candido termina por revelar, como dado insofismável, a precariedade e, o que é mais,  a paradoxal oposição à visão de Candido,  contraditória no equacionamento de sua própria contestação, segundo  concluímos do  citado prefácio. Ao contrário, fica clara e solar a defesa de Candido no prefácio que venho comentando quanto à  sua formulação de hipótese de trabalho sustentada pela sua  tese.

         Quer dizer, o crítico da Formação entende o sistema literário brasileiro como um elo a mais articulado ao sistema literário ocidental que, sem nenhum preconceito  xenófobo, deve  se inserir no sistema  mais amplo e  universal,  dele então  se beneficiando a literatura  brasileira que,  lentamente, vai  adquirindo sua fisionomia e originalidade próprias.