Elisabeth da Costa e Silva
Por Cunha e Silva Filho Em: 29/10/2021, às 14H36
SESSÃO NOSTALGIA:
ELISABETH DA COSTA E SILVA
Cunha e Silva Filho
O primeiro contato que tive com a filha caçula do poeta Da Costa e Silva (1885-1950), a Elisabeth, foi por escrito, precisamente através do iluminador ensaio do poeta, diplomata, historiador e acadêmico da ABL, Alberto da Costa e Silva, “Notícia sobre Da Costa e Silva", que faz parte da 2ª edição das Poesias Completas do pai, revista e anotada por ele e publicada pela editora Cátedra/MEC/INL, 1976, p. 17-41.
Foi essa edição que utilizei para as minhas leituras e releituras, apontamentos e observações que iria desenvolver em forma de dissertação de mestrado.. Mas, o assunto dessa crônica é Elisabeth, que nasceu em 4 de outubro de 1932 no Rio de Janeiro. Alberto, ela e Alice, esta a filha mais velha que levou o mesmo nome da primeira mulher de Da Costa e Silva, são filhos da segunda esposa do poeta do Zodíaco, chamada Creusa Fontenele de Vasconcelos, já falecida, e a quem ainda tive o prazer de conhecer no elegante bairro da Tijuca.
Do primeiro casamento, Da Costa e Silva foi pai de três filhos, todos falecidos. O meu conhecimento com a família de Da Costa e Silva se deveu a razões dos meus estudos sobre o poeta no início dos anos 90 do século passado. Estudava, então, a obra de Da Costa e Silva. Procurava material sobre o poeta e consegui me aproximar da sua família. Estive mesmo no Palácio do Itamaraty na Rua Marechal Floriano, Centro do Rio.
Fui bem recebido por um funcionário que me conseguiu o endereço no exterior do Alberto da Costa e Silva. Interessante é que o funcionário chamava o diplomata Alberto de “Da Costa”, que era, então, Embaixador na Colômbia, em Bogotá. Depois, foi servir em Assunção e de lá saiu aposentado. Durante quase três anos, o embaixador Alberto me enviava, primeiro de Bogotá e, depois, de Assunção, farto material sobre o pai-poeta. Isso me ajudou sobejamente, porque essa quantidade enorme de material bibliográfico sobre Da Costa e Silva eu jamais conseguiria de outra forma encontrar no Rio ou no Piauí.
O endereço das irmãs do embaixador não sei se o consegui através do Alberto. Não me lembro. Só sei que um dia fui visitar a família do bardo de Amarante. Conheci Dona Creusa, uma senhora ainda bela e elegante na sua velhice . Conheci a Alice, e conheci a Elisabeth, com quem iria ter maior aproximação.Lá estava também o filho de Elisabeth, o padre Sergio, jovem culto, discreto, educado, conhecedor de línguas. Elisabeth sempre se comunicou comigo e com a minha mulher, com quem fez amizade.
No dia da minha defesa de dissertação, convidei Elisabeth, Alice e a família. Mas, só compareceram as duas irmãs. Foi emocionante aquela tarde.Outras vezes, nos encontramos, Elisabeth, minha mulher e eu. Foram encontros de pequenas comemorações familiares. Elisabeth faleceu este ano de repente. Jamais contava que isso iria acontecer a uma pessoa que me passava tanta firmeza, tanta lucidez, tanta vida.
Ela mostrava traços visíveis do pai. Talvez, o olhar profundo, o formato do rosto, o perfil. Elisabeth - era assim sempre que eu a tratava -, foi professora pública municipal e estadual. Formada pelo respeitado Instituto de Educação do Rio de Janeiro da Rua Mariz e Barros. Chegou a ser diretora de escola pública. Por ela se aposentou. Era uma pessoa distinta, discreta e fez boa amizade com Elza, minha mulher, até mais do que comigo Se comunicavam. de quando em quando, pelo telefone ou, por vezes, se cruzavam pelas ruas da Tijuca, vizinhas à Praça Saens Peña, ou mesmo entrando ou saindo de bancos perto daquela Praça.
Elisabeth era uma dama, uma pessoa sincera, de olhar vivo e semblante simpático. Procurava o equilíbrio no interagir com os outros.Tinha, enfim, personalidade. Tinha duas adorações: seu filho Sergio e a memória do pai famoso. Mas, ao que me parece, não era de alardear as virtudes do pai-poeta e grande poeta. Não sei como era o seu dia-a-dia como professora ou diretora de escola. Mas, presumo que o passava na simplicidade das ações, no cumprimento dos deveres. Tudo de modo discreto, sem desejar aparecer, sem pretender chamar a atenção para si.
Trabalhara em escolas do subúrbio carioca. Talvez ninguém mesmo soubesse no trabalho que ali estava a filha do maior poeta piauiense e de um dos mais completos líricos brasileiros, que ainda precisa de ser mais estudado, pois, a meu ver, em muitos aspectos, é superior ao popularíssimo Augusto dos Anjos (1884-1914), cuja obra acabo de reler. Vestia-se sempre com elegância discreta, sem exageros de vaidades.A discrição não impedia que nela reconhecêssemos uma lady, uma mulher refinada, uma tijucana de atitudes delicadas e comedidas. Elisabeth era zelosa ao extremo de tudo que dissesse respeito à obra do poeta ou a pertences do pai. Não seria fácil conseguir-lhe “um empréstimo” do que representasse o espólio literário paterno.
Seria preciso muito tato para que ela dele abrisse mão. Eu a entendo muito mais agora que nos deixou há três meses. E nos deixou sem avisar, porque era ainda bem disposta e relativamente moça. Só soube das suas exéquias um mês depois por motivos que só a cidade grande pode explicar. Fui assistir à missa de um mês de seu falecimento, celebrada pelo próprio filho, que hoje é Monsenhor e Capelão da belíssima Igreja do Outeiro da Glória, acompanhado de outro padre.
Tudo foi comovente, e tudo lembrava-lhe a pessoa pela discrição, simplicidade, sobriedade. Quiçá como ela mesma desejasse. A missa aconteceu numa igreja do seu amado bairro da Tijuca, na igreja Nossa Senhora do Líbano, tantas vezes frequentada por ela e que fica perto de uma apartamento onde ela morou com a mãe por um bom tempo. Não verei mais essa discreta mulher, essa educada senhora andando pelas velhas ruas da Tijuca, fazendo compras ou resolvendo assuntos pessoais em bancos. Seguramente vai fazer falta a todos nós que, um dia, tivemos o prazer de fazer parte do seu discreto convívio.