ENTRADA POR INSISTÊNCIA                                                          

                                                              Cunha e Silva  Filho

 

          Foi   no Shopping  da Tijuca, na entrada da Livraria Saraiva ( hoje lamentavelmente  com  portas fechadas, mais um livraria fechada nesses tempos bicudos de incertezas financeiras  e econômicas) que  aconteceu   o que presenciei,  hoje, sábado,   véspera do “Dia dos Pais.” Sabe, leitor,  que, em assunto de datas e outras coisas do gênero, sou mesmo uma negação. Troco as datas,   outras vezes só sei  do dia  especial quase  na véspera,  esqueço  as datas de aniversários de amigos (alguns dos quais  nem mesmo querem saber de passagem de ano, sobretudo se mais  velhos),  até  com familiares mais íntimos  dou vexame.

          Mas, mas fazer o quê? .  Lá me  vem a calhar  essa pergunta imitando, à moda de um  oxímoro,   o jeito  atávico e resignado, especialmente com  os poderosos  malvados  da política brasileira) em geral. Não porque deseje ser assim  negligente  com as datas que deveriam estar na ponta da língua, ou melhor, da memória pronta. Longe disso. 

         De nada, porque sou distraído  mesmo, sou gauche o nos moldes do piauiês. "argé (como diria minha mãe)m"  ou ainda,  como diria um inlglês, um "clumsy."    Nem sei sei se   a grafia é esta, pois não  tenho  visto, salvo erro meu,  essa palavra registrada  em verbete  nos bons  dicionários de língua portuguesa,  indevidamente chamados  “pai dos burros,”   expressão que  um professor e   tradutor norte-americano, George Reed,    residente  no Rio de Janeiro, não sei  se ainda  está  vivo, refutava, ao contrário,   com veemência  como sendo o  “pai dos inteligentes.” (Cf.REED.George. English for you Rio de Janeiro: Editora Artenova, p. 158.Apresentação de Álvaro Pacheco).   

         Poderei ser capaz até  de,  no dia do meu aniversário, me esquecer  da data,   a não ser que o Facebook me  recorde a tempo. Isso para não  me surpreender,   ao ouvir de manhã,  um dueto  da esposa e  do filho “Feliz Aniversário!” Aí , a minha sensibilidade  de poeta (que chic!, alguém diria) não aguenta a pressão  e começa mesmo a  molhar as vistas.

        Deus me acuda!  Esqueci de desenvolver  o tema  nuclear da crônica. Que “disparate de todos nós.” !  Assim  diria um título de um livro  de um velho e esquecido  crítico,  morador  antigo do Méier, o "enfant terrible" de muitos  membros  fardados do cobiçado   Petit Trianon,  nos áureos tempo de judicatura  crítica ( “judicatura,” por sinal, me lembra outro  crítico, este mais novo, o Álvaro Lins ( 1912-1975) mas  também  respeitado no seu tempo,  anos 1940, 1950, até  inícios de 1960.

   Pois bem  estava na porta da Livraria  Saraiva. conforme  mencionei no início  deste texto. Eu me encontrava, melhor dizendo,  quase à entrada da porta  da livraria. De repente,  ouço a voz de uma criança de rosto miúdo e cabelos lisos caindo na testa como se fora um  indiozinho  da Amazônia  (hoje,  na TV,  informaram que  havia  queimadas  de árvores, coisa séria  para  a nossa Floresta-Pulmão da Terra. A crônica de Carlos  Drummond  de Andrade (1902-1987) está fazendo falta agora em tempos  de embaixadas na terra dos ianques).

      A criancinha,  mais insistente ainda, quase suplicando, explicou aos avós  “Aqui  é uma “biblioteca.” Vamos, vô, entrar Vamos vó” É uma “biblioteca.” O avô deixou  escapar  sem corrigi-la.  Aparentavam ser de classe média. Porém,  não corrigiram  o neto podendo   dizer que ali  era uma “livraria” e não uma “biblioteca”. Nesse instante, me veio à tona um  exemplo de uso da língua  por um falante  pequeno,  de uns três ou quatro anos. 

       Para ela,   um lugar cheio de prateleiras entupidas de livros  seria uma biblioteca, sim. Por que não? Na sua escolinha provavelmente  havia uma biblioteca,  com  alguns  livros nas prateleira  ou   mesmo  repousando  nas mesas   de um sala de leitura,  com algumas cadeiras e, quem sabe,  com  uns  dois sofás para leitura mais descontraída.

        Esse fato me levou  a pensar, naturalmente por associação  de ideias,   num falante  brasileiro,  que,  por exemplo, na conversação com  um nativo de língua  inglesa, usasse  “library” em vez de “bookstore,”  ou seja,   à memória do falante brasileiro  o que primeiro surgiria  à mente seria uma palavra parecida   gráfica e fonemicamente  com a sua  língua-mãe.  Assim sendo,  soltaria logo um “library”  e não lembraria  de pronto  “bookstore”. O “false cognate” ( um dos “pitfalls” do estudante  brasileiro  de inglês induziria ao erro  de comunicação do ponto de vista lexical-semântico.

          Já no caso da criancinha  que desejava por força  entrar  na  “biblioteca,” ela  apenas  havia   usado,  dentro  do seu   “horizonte de expectativa”   linguístico,    um léxico  aprendido  no contexto  social de um espaço (que poderia ter sido   vivenciado e aprendido  no lar,  ou mais  provavelmente,    na escolinha   dela)   que seria  reservado  aos alunos e professores   para leituras   e com todos  os objetos  associados  ao  vocábulo  “biblioteca”.  Ora,    essa realidade linguística  da criança,  por analogia, ficaria associada   à parte mais   visível  dos preciosos  objetos  ali expostos  numa  livraria:  os livros.

         Eu não  entrei dessa vez  na livraria, porém  a minha esposa e o meu filho mais novo  me asseguraram que   a criança  havia entrado  na  livraria. Fiquei apenas lamentando que o  avô ou a avó   não  corrigira o erro  léxico da criança no momento em que ela  empregou   o vocábulo  “biblioteca.”

         Uma coisa leva a outra e novamente a associação de ideias me traz à baila  o brevíssimo  célebre conto, humorístico  e ao mesmo tempo  levemente dramático de Artur  de Azevedo (1855-1908), de título “O Plebiscito” que li,  pela primeira vez,   no  tempo do ginásio, e sobre o qual  já escrevi  - não  tenho certeza - há tempos  uma  outra crônica. Foram tanto artigos  ou crônicas  que a gente vai  esquecendo. Não disse que sou distraído, leitor? Com esta crônica "clumsy"  talvez, amanhã, eu  não me  esqueça de  que será o Dia dos Pais.  Então, me resta antecipadamente  cumprimentá-los: “Bom Dia dos Pais,” amável amigo  e leitor.

(REPUBLICADO,CORRIGIDO E LIGEIRAMENTE.  ATUALIZADO)